Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

OS ARCANOS MENORES

Os Quatro Naipes

Os quatro naipes do Taro - simbolizados pela Taça (Copas), Bas­tão (Paus), Espada (Espadas) e Pcntáculo (Ouros) - são descrições, no sentido da forma, de experiências em quatro diferentes dimen­sões ou fases da vida. Tal como os antigos quatro elementos da filo­sofia grega, dos quais se acreditava que todas as coisas manifestas fossem criadas, os quatro naipes englobam cada faceta das expe­riências da vida. Em certo sentido, eles revelam, com maior detalhe e em um nível mais pessoal, a jornada arquetípica retratada pelas 22 cartas dos Arcanos Maiores. Cada naipe focaliza um determinado aspecto do ciclo global e o examina por meio de diferentes e detalha­das fases de desenvolvimento.

Cada naipe dos Arcanos Menores pode ser dividido em dois gru­pos: as cartas numeradas, das quais há dez cartas cm cada naipe, e as cartas da corte, das quais há quatro em cada naipe. Por intermé­dio das cartas numeradas, podemos vislumbrar as experiências coti-dianas da vida, que nos acometem por meio de acontecimentos, do tratamento com outras pessoas e por meio de estados passageiros da mente ou do sentimento. Cada uma das cartas numeradas reflete uma experiência típica ou arquetípica e, mais cedo ou mais tarde, durante o transcorrer da vida, nós nos encontramos em cada um desses pequenos cenários. É por isso que as cartas numeradas são, de forma geral, interpretadas de um ponto de vista divinatório como reflexos de fatos ou acontecimentos no mundo exterior, embora elas sejam, na realidade, tão "psicológicas" quanto as cartas dos Arcanos Maiores.

As cartas da corte que pertencem a cada naipe - Pajem, Cava­leiro, Rainha e Rei diferem das cartas numeradas, porque elas não descrevem realmente fatos ou experiências, mas representam tipos de caráter ou dimensões de uma determinada fase da vida que po­dem ser descritos como figuras humanas. Apesar de se apresenta­rem de modo hierárquico, elas têm o mesmo valor, porém o diferente grau de poder material indica o seu diferente grau de consolidação no mundo exterior.
Os Pajens em todos os naipes dos Arcanos Menores são imagens dos jovens, inícios delicados das qualidades do específico naipe. Em outras palavras, essa é a parte primitiva daquela fase da vida em sua forma juvenil, frágil e incipiente, precisando de cuidado e proteção para que as suas qualidades se desenvolvam totalmente.

Os Cavaleiros são imagens da fase adolescente volátil e energé­tica das qualidades do específico naipe. Esse é o espírito jovem, ener­gético e buscador que nos impulsiona a explorar e a experimentar aquela particular fase da vida.
As Rainhas em todos os quatro naipes são imagens das qualida­des estáveis e receptivas de uma fase específica da vida. Aqui a energia e o anseio não fluem mais com tanto abandono no ambiente - é o que a Psicologia* chamaria de acting-out (psicodrama) -; ao contrário, cies são mantidos interiormente, contidos e concentrados para que uma força maior possa emergir. Aqui os valores do indiví­duo são formados e encenados pelas únicas figuras femininas das cartas da corte.

Os Reis em todos os quatro naipes são imagens das qualidades dinâmicas, expansivas e diretivas do naipe específico. Essas podero­sas figuras masculinas representam o uso total das energias dessa fase de vida para construir e concretizar no mundo exterior.

As personalidades arquetípicas das cartas da corte não descre­vem qualidades pertinentes unicamente a homens ou a mulheres, apesar de as imagens serem definitivamente sexuadas. Ao contrário, esses rostos masculinos e femininos implicam qualidades de energia receptivas ou diretivas: masculino e feminino em um nível mais pro­fundo e disponível a homens e mulheres. Essas figuras são maiores do que as das cartas numeradas dos Arcanos Menores, embora não tão abrangentes e profundas quanto as figuras dos Arcanos Maiores.

A Rainha de Ouros, por exemplo, compartilha algumas das qualidades terrenas da Imperatriz, mas incorpora todas as amplas e pro­fundas dimensões da Mãe do Mundo.

A Rainha de Copas comparti­lha alguns atributos intuitivos tanto da Sacerdotisa quanto da Lua; mas essas duas últimas são maiores, porque as profundezas do in­consciente contêm mais do que simplesmente as intuições e os sentimentos passionais encenados pela Rainha de Copas.

As cartas da corte contem seu próprio mistério, porque, frequen­temente, elas penetram na vida do indivíduo não somente como uma experiência interior, mas como pessoas reais. Aqui voltamos ao enig­ma do que a Psicologia chama de sincronicidade, porque, quando algo está maduro para ser desenvolvido dentro de nós, muitas vezes o encontramos no mundo exterior; e quando estivermos a caminho de nos tornar um certo tipo de pessoa e precisarmos desenvolver certas qualidades internas, frequentemente essa exata pessoa apa­rece "externamente" como um catalisador do qual podemos aprender mais sobre nós mesmos.

Muitos relacionamentos acontecem em nossas vidas, porque a outra pessoa incorpora algo que nós, com o tempo, devemos aprender a interiorizar. Dessa forma, as cartas da corte abrangem os domínios da psique e da matéria de maneira perturbadora, pois esses tipos de personalidades podem entrar em nossas vidas como pessoas, além de descrever qualidades que nós mesmos estamos cm processo de desenvolver.

Os naipes de Copas correspondem ao antigo elemento água que, como diziam, deu origem à vida. A água é fluida, sem forma, mutável e vaga, mas tão real e poderosa, à sua maneira, quanto rocha sólida. Os ritmos e as profundezas do mar são maravilhosos, mas perigosos. Assim também é o mundo do sentimento, pois, apesar de os sentimen­tos mudarem e assumirem sua coloração de acordo com a situação que os cercam, eles possuem seu próprio ritmo, realidade e poder.

As 14 cartas do naipe de Copas descrevem o desenvolvimento dos sen­timentos durante a vida, as maneiras típicas pelas quais as nossas emoções mudam e se aprofundam por meio de experiências huma­nas características, do catalisador de outras pessoas e dos tipos de caráter que incorporam o mundo do sentimento em sua forma mais pura. O símbolo da copa sempre foi associado ao coração, pois o fluido que contém é o mundo fluido do sentimento. Quer seja essa a água clara do amor espiritual ou o vinho vermelho-sangue da paixão, a copa da qual bebemos é o veículo pelo qual experimentamos o relacionamento.

O naipe de Paus corresponde ao antigo elemento fogo que, como diziam, surgiu espontaneamente do nada e podia alterar e transfor­mar tudo o que tocava sem mudar a si mesmo. O fogo é volátil, um transformador de formas, nem sólido nem líquido, mas um catalisa­dor que reduz objetos aos seus mais básicos componentes, transfor­mando a sua natureza. Assim também é o mundo da imaginação criativa, que pode produzir imagens do nada e que transforma obje­tos no mundo concreto e "real", incutindo neles significado e objeti-vo, embora a própria imaginação permaneça inatingível. O símbolo do bastão (naipe de Paus) é relacionado com a vara do mágico que, por meio do misterioso poder da imaginação, pode conjurar objetos a existir e pode perceber ligações que a mente comum não pode en­xergar.

As 14 cartas do naipe de Paus descrevem o desenvolvimento da imaginação criativa e dos desafios com os quais nos deparamos no mundo exterior, sua utilidade, os perigos da insensata imaginação excessiva e os personagens típicos que incorporam mais puramente o domínio da imaginação.

O naipe de Espadas corresponde ao antigo elemento ar que, sen­do invisível, se acreditava ser a respiração do espírito que concebeu a ideia da criação antes que fosse manifestada. A morada do céu era a sede de Zeus, rei dos deuses, de onde ele formulou suas leis e elaborou o seu plano para a evolução do homem.

Assim, o elemento ar simboliza o domínio da mente, as faculdades da conceituação e o pensamento abstraio que devem preceder qualquer ato de criação e que proporciona estrutura e significado à vida. A espada com seus dois gumes cortantes é uma imagem adequada para o poder ambiva­lente da mente, que pode penetrar a situação mais obscura e mais incompreensível com sua agudeza e, ao mesmo tempo, cortar com sua lâmina inflexível.

As 14 cartas do naipe de Espadas descrevem o desenvolvimento dessa faculdade racional em sua forma obscura e clara por meio de conflitos, disputas e separações que os pensamentos e as palavras podem provocar; pela clareza e pela compreensão que a mente pode oferecer, e pelos tipos característicos que integram o domínio da mente em sua forma mais pura.

O naipe de Ouros (Pentáculos) corresponde ao antigo elemento terra, a argila essencial da qual fomos formados e para a qual deve­mos voltar derradeiramente. A terra é tanto o nosso início quanto o nosso fim, e a experiência do corpo é a realidade original antes que qualquer sentimento, imagem ou espírito possa habitá-la. A terra pode ser trabalhada e formada para construir casas e outras criações, e a própria vida exige ajustes para as necessidades de nossos corpos por meio do alimento, do abrigo, da vestimenta e do dinheiro que simbo­liza o merecimento, o valor e a recompensa pela energia empregada. O símbolo do pentáculo - a moeda de ouro cunhada com a estrela de cinco pontas de Hermes, o deus da magia, dos mercadores e das transações - significa dinheiro. Mas o dinheiro em si é um dos sím­bolos mais profundos e intimamente ligados ao nosso sentido de valor e de merecimento em tudo o que realizamos na vida. O pentáculo também é um prato no qual o alimento pode ser servido, um recipien­te que guarda tudo o que criamos. As 14 cartas do naipe de Ouros descrevem o desenvolvimento da "realidade da função" e o ajuste gradativo, durante a vida, de necessidades, desafios, decepções e recompensas do mundo material, assim como os personagens típicos que incorporam o mundo da terra em sua forma mais pura.

Os antigos filósofos declaravam que esses quatro elementos estão em nós e, em um sentido interior, todos nós possuímos essas quatro diferentes dimensões da vida e quatro diferentes modos de nos adaptarmos a ela. Todos devemos passar por experiências ar­quetípicas nos quatro reinos, ou seja, elas tendem a seguir certos padrões humanos básicos. O curso dos relacionamentos humanos. por exemplo, é um caminho que, apesar de bem conhecido, todas as vezes que o trilhamos é como se fosse pela primeira vez. A nossa herança de Mitologia, folclore e contos de fadas, sem mencionar a grande literatura e arte do mundo, revela todas as típicas situações humanas do amor - separação, idealismo, decepção, rejeição, con­quista, realização, união e perda.

Em razão de nossas experiências serem típicas de cada um dos quatro reinos, exploraremos cada uma das cartas numeradas dos quatro naipes por meio de um mito particular que abrange as dez cartas e que incorpora essas experiências características. Explora­remos as quatro cartas da corte de cada naipe por intermédio de figu­ras humanas da Mitologia que personificam os tipos característicos daquele naipe. Dessa forma, poderemos examinar detalhadamente os essenciais padrões humanos do desenvolvimento que ocorre emocio­nal, criativa, intelectual e fisicamente.

Para as cartas numeradas do naipe de Copas, consideraremos o mito de Eros e Psique, pois essa é uma história arquetípica de amor cujo desenrolar se relaciona com as principais experiências nos rela­cionamentos com as outras pessoas.

Para as cartas numeradas do naipe de Paus, analisaremos o mito de Jasão e o Velocino de Ouro, pois essa é uma história de aventura e de conquista da imaginação criativa sobre as limitações da maté­ria. O desenrolar dessa história relaciona-se com as principais expe­riências no esforço para expandir as nossas vidas criativamente.
Para as cartas numeradas do naipe de Espadas, acompanhare­mos o mito de Orestes e a Maldição da Casa de Atreu, pois essa é uma história arquetípica dos usos e dos abusos da mente, e dos con­flitos, disputas e reconciliações que encontramos por meio de nossa ética e de nossos princípios.

E para as cartas numeradas do naipe de Ouros, investigaremos o mito de Dédalo, pois essa é uma história arquetípica do destino do espírito encarnado em matéria imperfeita e o desenvolvimento das destrezas e habilidades no mundo da forma.