Curso Grátis de Tarô para Principiante

Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Introdução

As Origens das Cartas de Tarô


As origens das cartas de Tarô - quem primeiro as idealizou, quan­do, onde e com que objetivo - permanecem vagas e duvidosas, apesar dos inumeráveis livros e artigos que tentaram desvendar o mistério que envolve tais cartas. O encanto permanente pelas cartas de Tarô é evidenciado não somente por alguns desses escritos bem funda­mentados e pesquisados e, às vezes, impressionantemente místicos, mas também pelo fascínio que exercem sobre os leigos, apesar das constantes tentativas por parte dos céticos em relegá-las a níveis inferiores de adivinhação, como a leitura de xícaras de café, bolas de cristal e outras. Ainda assim, as cartas de Tarô mantiveram a imaginação dos homens durante, pelo menos, 500 anos e possivelmente muito mais; e, sem dúvida, parece que o interesse continua o mesmo.

O que faz com que essas figuras continuem a exercer esse mágico encanto, inclusive em indivíduos que se consideram racionais e sem qualquer tendência em acreditar nos mistérios do ocultismo? A resposta pode ser, em parte, porque as cartas de Tarô não são "ocul­tas" - ou seja, elas não são sobrenaturais ou mágicas, no sentido em que essas palavras são geralmente usadas, e pelo fato de que não são propriedades exclusivas do iniciado esotérico, mesmo que al­guns estudantes pensem que o sejam. Evidências sugerem que, em meados do século XV - época em que os estudiosos acreditam que as cartas apareceram pela primeira vez -, elas eram disponíveis a qualquer pessoa que pudesse adquiri-las e quisesse dedicar-se à sua compreensão e ao seu uso. Neste livro, a nossa intenção é restaurar a acessibilidade original desse jogo de cartas para que não seja mais de domínio exclusivo do estudioso ou do ocultista que deliberada­mente mistifica o seu simbolismo.

Em diversas épocas, autores do assunto atribuíram a invenção das cartas a uma infinidade de fontes. Alguns alegam que a origem se encontra nos rituais religiosos e nos símbolos dos antigos egípcios;outros, nos cultos misteriosos de Mitra durante os primeiros séculos depois de Cristo. Ainda outros encontram paralelos com as crenças celtas pagas ou com os ciclos da poesia romântica do Santo Graal* que teriam surgido na Europa ocidental, na época medieval. Basea­dos no que é possível ver e tocar em museus, estudiosos mais sérios se concentraram nas cartas de Taro mais antigas, atualmente dispo­níveis, e acreditam que foram pintadas durante a Renascença. É claro que, se quisermos basear a nossa exploração das origens do Taro em evidência comprovada, os primeiros baralhos de Taro -aqueles que incluem tanto os quatro naipes do baralho quanto as estranhas imagens conhecidas como os Arcanos Maiores - surgi­ram durante a segunda metade do século XV e foram pintados na Itália. Existem dois desses baralhos: um deles é conhecido como o baralho de Carlos VI e o outro, como o baralho de Visconti-Sforza. Mas a existência desses maravilhosos baralhos de Taro não fornece qualquer indício de certeza.

Caso sejam, realmente, os primeiros a ser inventados, essa documentação não revela por que, ainda hoje, -quando deixamos para trás, há muito tempo, as crenças peculiares e a visão do mundo da Renascença -, achamos que seus símbolos e suas imagens têm a inexplicável sensação de um profundo significado. Essas lâminas parecem invocar memórias sutis e alguma associação com o mito, a lenda e o folclore e, apesar da objeção racional, alguma história ou segredo, que não podem ser totalmente formulados, nos escapam quando tentamos defini-las de maneira rígida demais.

A Renascença italiana englobou um ressurgimento do clássico pensamento grego com o seu espírito dinâmico de experimentação, aventura e empreendimento. Da triste, rígida e melancólica visão do mundo da Idade Média, o brilhante espírito animista da antiga Grécia explodiu no mundo ocidental com enorme energia e consequências incalculáveis. Manuscritos gregos - particularmente as obras de Platão, os neoplatônicos, os filósofos herméticos de Alexandria e do Oriente Médio - encontraram o caminho para o Ocidente depois do saque de Constantinopla pelos turcos em 1453. Esses manuscritos, que até então não estavam disponíveis na Europa desde que os godos invadiram Roma, chegaram a Florença em uma época na qual os governantes da cidade simpatizavam com esses escritos hereges e o novo espírito rapidamente se espalhou por causa da recente invenção da máquina de imprimir.

Esse movimento hermético neoplatônico desafiou ousadamente as crenças, que, durante muitos séculos, haviam sido consideradas sacrossantas, pois se confrontou diretamente com a autoridade da Igreja, denunciando a obediência cega aos dogmas e encorajando o desenvolvimento psicológico do indivíduo. A visão era tão pagã quanto cristã, e imagens dos deuses e deusas antigos começaram a aparecer na arte da Renascença sendo que, anteriormente, havia unicamente temas religiosos convencionais. O movimento invadiu primeiro a Europa ocidental, no exato momento em que as mais antigas cartas de Taro, das quais temos conhecimento, eram usadas.

É preciso conhecer um pouco dessa nova visão do mundo que o hermético neoplatonismo adotava para, dessa forma, podermos entender um pouco melhor o significado das cartas do Taro. Também poderemos ter uma ideia do motivo pelo qual o Taro caiu em tanto descrédito a ponto de suas cartas serem associadas ao próprio trabalho do Demónio. Essencialmente, a nova visão do mundo desafiava a velha ideia medieval de que o homem era uma pobre criatura pecadora que somente podia conhecer Deus por meio de Sua única intermediária, a Igreja. "Que grandioso milagre é o homem!" tornou-se o grito da reorganização da Renascença, pois, de acordo com a nova visão, o homem era o maravilhoso co-criador no Cosmos de Deus.

O movimento hermético neoplatônico acreditava que o ser humano era, na essência, um microcosmo do Universo maior e que, portanto, o autoconhecimento - conhecimento da alma - era o único e verdadeiro caminho religioso pelo qual era possível reconectar-se com as origens divinas. É claro que o autoconhecimento foi a primeira máxima dos gregos: "Conhece-te a ti mesmo", inscrita acima do por­tal do templo de Apolo, em Delfos. E o conhecimento do ego signifi­cava o conhecimento dos diversos esforços e impulsos interiores do homem e da mulher, alguns sombrios e outros iluminados, assim como o conhecimento dos ciclos de desenvolvimento da vida humana.


Para a recém-despertada mente da Renascença, a multiplicidade de deuses gregos parecia uma melhor e mais autêntica analogia dos padrões complexos do Universo do que o mundo estático da Trindade, com a sua exclusiva divindade masculina e caridosa. Além disso, se o homem fosse um grande milagre e co-criador no Cosmos, então teria direito de interferir consigo mesmo e com o seu mundo, e até de melhorar a criação não tão perfeita de Deus em vez de, obediente, aceitar o seu destino de acordo com os dogmas religiosos. É óbvio que a Igreja tinha de retaliar com grande ferocidade e, eventualmen­te, forçar essa nova visão à marginalização durante os dois séculos seguintes.

Junto aos maravilhosos deuses de múltiplas facetas, a Renascença também adotou um método grego de abordá-los: a arte dos sistemas de memorização que fora inicialmente desenvolvida como uma espécie de chave pictórica para a meditação. Ela era utilizada quan­do um indivíduo queria simplesmente lembrar o texto de um discurso ou de um poema, ou desejava experimentar um sentimento de ligação da alma com o Universo maior. Tais sistemas envolviam o estudo ou a meditação sobre uma série de imagens mágicas, cada uma das quais sendo um símbolo e, por conseguinte, tendo vários níveis de significados. Um exemplo desses sistemas de memorização, ainda usados atualmente, são as Estações da Via Sacra da Igreja Católica que procuram recriar na mente e no coração do observador toda a história da vida de Cristo, de sua morte e ressurreição.


Na Renascença, os sistemas de memorização foram associados aos talismãs mágicos ou emblemas, figuras ou amuletos destinados a evocar no observador o sentido de um certo poder agindo na vida em vários níveis. O objetivo dessa meditação era formar uma espécie de escada para alcançar níveis superiores de consciência e conseguir um discernimento do mundo divino. As imagens dos deuses gregos que aparecem em pinturas, como aquelas de Botticelli e as dos primeiros baralhos de Taro, não são meros ressurgimentos de veneração pagã. Elas eram consideradas símbolos de grandes leis agindo por toda a Criação. A meditação, com essas imagens, destinava-se à recuperação da "memória" do mundo divino da alma, elevando a consciência individual que se achava presa ao mundo trivial da maté­ria, e ligando a pessoa com a sua fonte verdadeira.

Naturalmente, a Igreja considerava o aparecimento dessas imagens pagãs como obra do Demónio e, energicamente, reprimiu os estudos que lidavam com esses assuntos heréticos. Até o advento da chamada Era da Iluminação, que introduziu a visão "científica" e, aparentemente, colocou um fim aos absurdos místicos dos séculos anteriores, as cartas de Taro foram relegadas à vida sombria dos ocultistas dos séculos XVIII e XIX. Não mais acessíveis ao público e sem qualquer importância para uma visão filosófica e espiritual aceitável à sociedade, as cartas foram progressivamente manipuladas e mudadas de acordo com as crenças espirituais particulares do grupo ou da ordem que as possuísse.

Portanto, as atuais cartas de Taro são interessantes mesclas influenciadas desde o pensamento cabalístico até as lendas arturianas, e das práticas mágicas atuais até o simbolismo rosa-cruz. Por mais interessantes que sejam, esses híbridos perderam sua universalidade original e o leitor que deseja aprender mais a respeito das cartas é, muitas vezes, confundido pelo simbolismo obscuro e, em alguns ca­sos, pela rígida doutrina moral e espiritual que foi incutida por uma escola de pensamento particularmente esotérica.

O Taro Mitológico

Neste livro, tentamos restaurar alguma de sua simplicidade origi­nal e da acessibilidade às cartas de Taro, redesenhando o baralho de acordo com as imagens dos deuses gregos tão caros aos artistas e autores da Renascença e que agregam os fundamentos culturais da vida ocidental. Os deuses gregos não são propriedade exclusiva de qualquer particular escola esotérica, doutrina religiosa ou caminho es­piritual. Amoral e, no entanto, contendo profundas verdades morais, eles antecedem e permeiam os nossos símbolos religiosos judeu-cris-tãos, assim como a arte e a literatura de toda a cultura ocidental.

Além disso, continuam sendo as imagens mais fundamentais e precisas que descrevem o funcionamento multilateral e multicolorido da psi­que humana. Eles são símbolos da própria natureza, a nossa própria natureza humana com sua profunda ambivalência de corpo e espíri­to, e seus mutuamente contraditórios esforços para a auto-realiza-ção e para a inconsciência.

A compreensão de nossa própria ambi­valência começou, apenas recentemente, a ser restaurada ao seu antigo objetivo pela moderna psicologia de profundidade, que inevita­velmente teve de voltar à fonte - os deuses pagãos - para poder entender o comportamento humano. Assim, tanto nas cartas como neste livro, aderimos aos tradicionais significados das cartas, ao mesmo tempo ressuscitando os velhos deuses enterrados sob séculos de "re­finamento".

Então, o que é mito? Os nossos dicionários oferecem várias defi­nições. Uma delas diz que mito é uma história irreal - uma perspecti­va que, sem dúvida, é válida em um sentido, mas inadequada em outro.

É verdade que nenhum arqueólogo chegou a descobrir os os­sos de Édipo ou de Hércules. Mas o que pode ser irreal em termos concretos, pode muito bem ser real no nível interior, como uma espé­cie de experiência subjetiva. A palavra mito pode também implicar um esquema ou um plano e é, justamente, esse significado que deve­mos considerar ao visualizarmos as cartas de Taro. Imagens mitoló­gicas são realmente figuras espontâneas criadas pela imaginação humana que descrevem, em linguagem poética, experiências e pa­drões humanos essenciais de desenvolvimento. Atualmente, a psicolo­gia usa o termo "arquétipo" para descrever esses padrões. Arquétipo significa um padrão que é universal e existente em todas as pessoas, em todas as culturas, em todos os períodos da história.

O nascimento, por exemplo, é uma experiência arquetípica. Isso é obviamente real em um nível concreto - todos nós, em certo tempo ou em outro, nascemos. Mas também é uma experiência psicológica de espécie arquetípica, porque sempre que iniciamos algo novo, ou entramos em uma nova fase da vida, há um sentido de nascimento. Nascimento também implica outros estados subjetivos, porque nas­cer significa abandonar as reconfortantes e serenas águas do útero materno, tanto em nível físico quanto psicológico. A morte também é uma experiência arquetípica; todos nós, algum dia, morreremos. Da mesma forma, a morte também é psicológica, porque a vida muda, como nós também mudamos; todas as vezes que há um final de qualquer espécie, uma separação ou o fim de uma fase da vida, há um sentido de morte.

A puberdade, a passagem da infância para a adolescência (e ao estado de homem ou mulher fértil, adulto), também é arquetípica. Todos nós passamos pelos profundos estágios físicos e emocionais da puberdade, entre 12 e 15 anos de idade. Mas também podemos ter essas passagens muitas vezes em nossa vida, em nível interior e subjetivo, sempre que passamos da maneira infantil e inocente de visualizar os acontecimentos para uma compreensão mais real da vida que nos atinge e aprofunda.

É por isso que um mito, como o rapto da virgem Perséfone por Hades, o deus do Inferno, tanto é a imagem do processo da puberdade, com a sua terrível separação do confortável mundo parental para um mundo totalmente desconheci­do da vida, quanto a imagem de uma experiência psicológica que pode ocorrer sempre que ficamos presos a ideias ingénuas e pontos de vista infantis sobre a vida, sendo forçados pela experiência a des­cobrir as profundidades desconhecidas da vida e de nós mesmos.

O mito retrata padrões arquetípicos da vida humana por meio de figuras e histórias. O mito grego* é uma imaginativa descrição, sofisti­cada e eternamente viva, do que somos feitos. Isso foi o que cativou a mente da Renascença e o que transpira nas imagens misteriosas das cartas de Taro, que transcendem às mudanças de cultura e de cons­ciência dos últimos quatro milénios e nos remetem - como os velhos sistemas de memorização - para o sentido de ligação com os antigos e eternos desígnios humanos.

Podemos agora ver que, na realidade, existem dois caminhos pe­los quais é possível abordar as cartas de Taro. Podemos enveredar pela abordagem histórica, que se limita essencialmente aos fatos, ou podemos empreender a abordagem psicológica, que é essencialmen­te arquetípica. Com a primeira podemos explicar - ou, pelo menos, podemos tentar explicar - as origens e intenções iniciais das cartas. Mas a segunda expõe a questão de seu eterno fascínio, apesar do fato de sermos mais bem versados cientificamente. No mundo das imagens da psique, as experiências não são ligadas pela casualidade, mas pelo significado. Outros padrões, que não os concretos, agem dentro de nós e, se não tivermos algum conhecimento da psique, as estranhas coincidências das cartas de Taro poderão nos parecer as­sustadoras ou perturbadoras.

A ligação entre os acontecimentos co-tidianos e as imagens das cartas de Taro não acontece porque as cartas são "mágicas", mas porque há um significado associado.

Isso é o que queremos dizer quando citamos nascimento, morte e puber­dade tanto como experiências externas quanto internas. Passamos por essas experiências constantemente em diferentes níveis e épo­cas de nossa vida, e há uma carta de Taro que descreve cada uma delas; de alguma forma, ela aparecerá misteriosamente, "sem causa aparente", em uma abertura de cartas no momento em que estiver­mos, internamente, vivendo uma experiência arquetípica.

Assim, a maneira pela qual o Taro "opera", a título de previsão, é tal como um espelho da psique. A natureza arquetípica das imagens atinge, de maneira oculta e inconsciente, a intuição do intérprete e reflete nele um conhecimento desconhecido ou percepções que se refiram à situação do cliente - aparentemente revelando fatos que, racionalmente, não seriam possíveis de ser descobertos.

É por isso que poderes de "clarividência" ou "psíquicos" não são pré-requisitos para um intérprete sensitivo, pois a consciência dos padrões arquetípicos ou correntes que opera na vida das pessoas é refletida nas imagens das cartas.

OS ARCANOS MAIORES

Agora podemos nos dedicar às próprias cartas para compreender melhor o grande desígnio, história ou mito arquetípicos retratados em suas antigas imagens.


As 22 cartas dos Arcanos Maiores do Taro consistem em uma série de imagens que retratam diferentes estágios de uma jornada. Esta é uma das viagens familiares de muitos mitos, lendas e contos de fadas, assim como de importantes ensinamentos religiosos. Trata-se da jornada da vida de cada ser humano, desde o seu nascimento, passando pela infância e o poder e a influência dos pais; a adoles­cência, com seus amores, conflitos e contestações; a maturidade, com suas experiências cotidianas e os desafios éticos e morais, per­das e crises, desespero, transformação e o despertar de novas espe­ranças para, eventualmente, alcançar e realizar um objetivo - que, por sua vez, leva a outra jornada.

Esse não é somente um ciclo de idade cronológica, mas também é aquele que ocorre várias vezes dentro do período de toda uma vida, pois tudo o que nos acontece tem início, meio e fim. Assim, a jornada representada pelos Arcanos Maiores é arquetípica, significando que, independentemente do que possam ser os detalhes específicos de uma vida individual, longa ou curta, banal ou dramática, boa ou má, alguns estágios estão à nossa espera no caminho do desenvolvimen­to psicológico. Todos nós fomos crianças e tivemos pais, e continua­mos tendo partes próprias com atitudes infantis e prontas para um novo começo.

Todos passamos por fracassos e sucessos, grandes ou pequenos e, apesar de certas vezes com relutância, todos nós crescemos. Dessa forma, a arquetípica jornada da vida, na realidade, uma jornada inte­rior que ocorre em muitos e diferentes níveis, pode ser encontrada em muitas manifestações criativas ao longo dos milénios. O famoso conto épico babilónico Gilgamesh, com o seu herói lutando contra as forças obscuras do mal, não é muito diferente do filme moderno Guer­ra nas Estrelas.

Mudanças internas provocam acontecimentos externos e estes promovem mudanças internas. Às vezes, é difícil dizer se, por exem­plo, um caso de amor provocou uma atividade criativa e uma nova percepção, ou se essa percepção e uma maneira mais criativa de enxergar a vida nos levaram a um caso de amor. Também é difícil dizer se o fracasso de um negócio nos leva a ser amargos e descon­fiados, ou se a desconfiança inata provoca o fracasso do negócio por (tieio da alienação dos colegas. Portanto, as imagens dos Arcanos Maiores descrevem tanto o estado interior do indivíduo em um de­terminado momento de sua vida quanto as experiências que ele poderá encontrar em seu cotidiano. Os dois estados andam em pa­ralelo porque é o próprio indivíduo que os fundamenta. Como o famoso psiquiatra Cari Jung* certa vez escreveu, a vida de uma pessoa é característica dela mesma.

Adivinhação e percepção psi­cológica caminham juntas com as figuras dos Arcanos Maiores, pois o que acontece no mundo externo está ligado ao nosso mundo inter­no. O mistério de por que uma carta específica aparece em uma abertura de cartas como se fosse "por acaso" e, no entanto, impres­sionantemente relevante não somente à condição psicológica do con­sulente (a pessoa que coloca a pergunta), mas também para as cir­cunstâncias do momento, é inexplicável em termos de causas co­muns. Por esse motivo, muitas pessoas têm medo das cartas, acredi­tando que estejam ligadas à magia ou ao sobrenatural, de alguma forma.
No entanto, elas o são tanto quanto é a nossa psique, cujas profundezas pouco conhecemos e que parece estar ligada ao mundo 'externo" por meio de conexões de múltiplos significados. De certa forma, compreender o significado interior de uma determinada expe­riência - "O que isso tem a ver comigo?" - pode ajudar-nos a en­frentá-la melhor e corresponder de uma forma mais rica e criativa, pois ela não nos parece mais casual, azar ou puro destino. Podemos enxergar traços de nossas próprias características ém tudo o que nos acontece.

A jornada dos Arcanos Maiores é a do Louco, a primeira das 22 figuras. Seguimos o Louco e, ao mesmo tempo, nós assumimos este papel no momento em que ele surge na escuridão da caverna mater­nal e mergulha no desconhecido. Encontramos as experiências fun­damentais da infância- os pais terrenos e os pais internos do espírito e da imaginação - nas cartas do Mago, da Imperatriz, do Imperador, da Sacerdotisa e do Hierofante. Reconhecemos os conflitos e pai­xões do adolescente dentro de nós nas cartas dos Namorados e do Carro. Deparamo-nos com os testes do mundo e os desafios morais da vida nas cartas da Justiça, da Temperança, da Força e do Eremita. Passamos por crises e perdas e o repentino golpe do destino represen­tado pela Roda da Fortuna, e sofremos o desamparo e o desespero do Enforcado e da Morte. Seguimos ainda o Louco, na confrontação con­sigo mesmo, como o arquiteto oculto de seu próprio destino no Diabo e na Torre. Dessa escuridão, nasce a esperança nas cartas da Estre­la, da Lua e do Sol; e a vitória sobre a escuridão e a reconciliação com a vida advêm com as cartas do Julgamento e do Mundo.
As imagens dos Arcanos Maiores são antigas e símbolos evoca­tivos de experiências de vida que pertencem à nossa condição e destino humanos.
Tais símbolos prestam dignidade à vida, porque descobrimos que outros lá estiveram antes de nós e encontraram o caminho, e cresceram e enriqueceram. Todas as cartas possuem significado ambivalente, de maneira a sugerir dimensões de expe­riências tanto negativas quanto positivas. Nenhuma das cartas é to­talmente positiva ou totalmente negativa, apesar de algumas serem mais fáceis ou mais difíceis em termos de qualidade da experiência que descrevem. É por isso que não utilizamos o método de inverter as cartas, interpretando-as como positivas se aparecerem "de cabe­ça para cima" e negativas, "de cabeça para baixo". Essa técnica de inversão é uma inovação moderna e pode confundir em vez de elucidar o significado da carta. O "peso" de positivo ou negativo torna-se mais compreensível no contexto do padrão geral da abertura de car­tas que discutiremos mais amplamente no capítulo apropriado. Mas uma experiência arquetípica e, portanto, a figura arquetípica que a incorpora, é uma mescla tão sutil de positividade e de negatividade que é impossível separá-las totalmente uma da outra.

Todas as cartas dos Arcanos Maiores são rituais de passagem -estágios ou processos, e não resultados finais ou lugares estáticos imutáveis. Cada estágio da vida leva ao seguinte e, apesar de poder­mos, de maneira compreensiva, tentar reter o tempo e permanecer em um lugar confortável, não está em nós, mortais, influir no ciclo do movimento da vida para que estagne em um único esconderijo. Portanto, ao final da jornada, o Louco recomeça a sua caminhada, porque, quando sentimos que alcançamos a meta e realizamos os nossos de­sígnios, uma outra meta, mais profunda ou mais alta, materializa-se além dela, de maneira que todo fim, na realidade, é uma preparação para algo mais que nos leva a reiniciar o ciclo.
Agora vamos examinar cada uma das 22 cartas dos Arcanos Maiores com mais detalhes.

0 - O LOUCO

A carta do Louco, a primeira dos Arcanos Maiores, retrata um jovem selvagem vestido com retalhos de peles de ani­mais e de diversas cores, dançando em abandono extático à beira de um precipício. Na cabeça, uma coroa de folhas de vinha sobre seus cabelos castanhos e um par de chifres na fronte, semelhantes aos de um bode.

Seu olhar está voltado para o horizonte, onde o Sol está apenas nascendo. Ao seu redor, uma paisagem árida com pedras marrons e cinzas. A sua esquerda, escondida pelas sombras da noite que se retira, está a entrada da caverna da qual saiu. Acima dela, em um galho seco, uma águia empoleirada.

Aqui encontramos o herói de nossa jornada à guisa do misterioso deus Dioniso, o que nasceu duas vezes. Ele era filho do grande Zeus, rei dos deuses, e de Semeie, uma mortal, princesa de Tebas. A esposa de Zeus, Hera, furiosa por sua infidelidade, disfarçou-se de ama-seca e sugeriu a Semeie que testasse a devoção de seu amante pedindo-lhe que aparecesse em toda a sua divina glória.

Como ele havia prometido a Semeie que concederia tudo o que o seu coração desejasse, Zeus estava preso à sua palavra quando ela insistiu que lhe revelasse a sua divindade. Com relutância, ele se manifestou como trovão e raio, e Semeie foi consumida pelas chamas. Mas Zeus conseguiu salvar a criança. Hermes, mensageiro dos deuses e patrono da magia, costu­rou o feto na coxa de Zeus e foi assim que Dioniso nasceu.

Hera continuou perseguindo a estranha criança de chifres e en­viou os Titãs, os deuses da Terra, para que cortassem Dioniso em pedaços. Mas Zeus salvou o coração da criança, o qual ainda batia, e o transformou em uma poção de sementes de romã. A bebida má­gica foi oferecida à virgem Perséfone por Hades, o obscuro deus do Submundo, quando este a raptou. Perséfone ficou grávida e foi as­sim que Dioniso renasceu no Submundo.

Ele, então, foi chamado Dioniso-Iaco, o que nasceu duas vezes, deus da luz e do êxtase. Ordenado por seu pai Zeus a viver entre os homens e a compartilhar de seus sofrimentos, ele foi acometido de loucura por Hera e vagou pelo mundo seguido por sátiros selvagens, mulheres aloucadas e ani­mais. Ele deu à humanidade o presente do vinho e concedia o êxtase inebriante e a redenção espiritual àqueles que queriam se desvenci­lhar do poder e das riquezas materiais. Posteriormente, seu pai divi­no, Zeus, pediu que ele subisse para o Olimpo, onde ocupou o seu lugar à direita do rei dos deuses.

No sentido interior, Dioniso, o Louco, é uma imagem do nosso misterioso impulso de mergulhar no desconhecido. O nosso lado con­servador, cauteloso e realista, observa com horror esse espírito sel­vagem e jovem que, confiando no céu, está preparado para pular no precipício sem qualquer hesitação.

A loucura de Dioniso existe pe­rante a nossa parte ligada ao mundo da forma, dos fatos e da ordem lógica. Mas, em um sentido mais profundo, não se trata de loucura, pois é o impulso para a mudança que nos atinge inadvertidamente sem qualquer base racional e sem um programa planejado de ação. O deus é retratado em peles de animais porque, de certa forma, essa dimensão intuitiva e irracional para a personalidade humana é uma espécie de sexto sentido, um instinto animal que ouve uma música com a qual ouvidos cansados e acostumados à realidade concreta não estão sintonizados.

Dioniso é o filho do rei dos deuses e é o espírito de seu pai com o qual ele está sintonizado, apesar de ordena­do a viver na Terra com os mortais; mas quando esse impulso nos atinge é difícil saber se ele procede da morada divina ou de um lugar mais sombrio, do Submundo.

Assim, Dioniso, o Louco, representa o impulso irracional para a mudança e abertura dos horizontes da vida frente ao desconhecido. O Louco encontra-se no início de sua jornada e, quando somos atingidos pelo misterioso impulso que representa, também nos coloca­mos à beira de uma jornada.

Às vezes, esses impulsos irracionais podem ser destrutivos como também podem ser criativos, e frequentemente são os dois juntos. Às vezes, o deus selvagem pode merguLhar no precipício e deparar-se com situações penosas e prejudiciais, as quais também podem proporcionar inícios incrivelmente criativos, a condição na qual se encontra o indivíduo desesperadamente ávido de alimento espiritual que ele ou ela não pode realmente entender. Mas, se nós não correspondermos a esses chamados do outro mun­do, afundamos então em vidas monótonas, banais e sem sentido, e chegamos ao final de uma vida perguntando-nos o que perdemos e por que o mundo parece tão vazio.

Por conseguinte, o Louco é uma figura altamente ambivalente, pois não há qualquer garantia, no início dessa jornada, de chegarmos em segurança ou, se até mesmo, che­garemos. Por outro lado, não iniciar é negar o deus que, em nível interior, significa negar tudo em nós que seja jovem, criativo e que esteja em contato com o que é maior do que nós mesmos.

Em nível divinatório, Dioniso, o Louco, inaugura o advento de um novo capítulo da vida quando aparece em uma abertura de cartas. Um risco de alguma espécie é necessário, uma vontade de mergu­lhar no desconhecido.

O Louco é tão ambíguo quanto Dioniso, pois não podemos saber se penetraremos na percepção divina do Louco ou acabaremos simplesmente parecendo loucos. Dessa forma, no meio da ambiguidade, da atividade e do medo, começa a grande jor­nada da vida retratada pelo Arcano Maior do Taro.

1 - O MAGO

A carta do Mago apresenta um jovem forte e esbelto, de cabelos pretos encaracolados, que se encontra em uma encruzilhada. Ele veste uma curta túnica branca e um manto de viagem vermelho. A sua mão esquerda aponta para o céu, enquanto com a direita ele aponta para uma pedra plana que está à sua frente, no centro da convergência das estradas. Sobre a pedra estão reunidos quatro objetos: um cálice, uma espada, uma vara flamejante ou caduceu e um pentáculo.

Atrás dele, um cenário árido com pedras marrons e cinzas - uma continuação do cenário apresentado na carta do Louco. Duas ramificações da estrada desaparecem na distância rochosa. o deus Hermes, guia dos viajantes, patrono dos ladrões e dos mentirosos, soberano da magia e da adivinhação e pro­motor da boa sorte repentina e de suas mudanças. É chamado de "Trapaceiro" por ser ambíguo e enganador e, no entanto, ele é o mensageiro da confiança dos deuses e o guia das almas no Submundo.

Na Mitologia grega*, Hermes era o filho de Zeus, rei dos deuses, e da misteriosa ninfa Maia, também chamada de Mãe da Noite. Por­tanto, ele é o filho tanto da luz espiritual quanto da escuridão primor­dial, e as suas cores - vermelho e preto - refletem a mistura das paixões terrenas e da claridade espiritual que fazem parte de sua natureza.

Ainda bebé, Hermes engatinhou para fora de seu berço e roubou um rebanho de gado de seu irmão Apolo, o deus-Sol. Para enganar Apolo, ele vestiu sandálias ao revés para que o deus, irado, procurasse o culpado na direção errada. Quando, finalmente, Apolo o confrontou para saber quem havia roubado o seu gado, Hermes presenteou-o com uma lira que havia feito da carapaça de uma tartaruga. Hermes elogiou seu irmão com um discurso astuto, mas melífluo, dizendo-lhe que o presente era para honrar o seu maravilhoso dom musical.

O deus-Sol ficou tão orgulhoso que se esqueceu do gado e até presen­teou Hermes com o dom da adivinhação. Com isso, Hermes tornou-se o mestre dos quatro elementos e, posteriormente, ensinou aos homens as habilidades da Geomancia (adivinhação pela terra), Piromancia (adi­vinhação pelo fogo), Hidromancia (adivinhação pela água) e Aeromancia (adivinhação pelo ar). Ele era sempre venerado em encruzilhadas, nas quais estátuas eram erigidas para honrá-lo e invocar a sua bênção sobre os viajantes, os errantes e os sem-teto.

No sentido interior, Hermes, o Mago, é o guia. Isso significa que em algum lugar dentro de nós, não importa quão perdidos ou confu­sos estejamos, em qualquer momento da vida, temos os recursos da previsão muitas vezes ocultos da consciência, mas que podem intuir a direção a ser tomada e as escolhas a empreender. O Mago nem sempre atende quando é chamado, pois Hermes é um deus astuto e brincalhão. Ele tem suas próprias ideias do que possa ser importante. Chega à noite, muitas vezes na forma de sonhos perturbadores ou à guisa de reunião com outra pessoa que se torna significativa como catalisadora da jornada. Ou, então, ele pode aparecer como uma pista repentina ou a descoberta de que temos à disposição mais do que um pensamento. O livro que "acidentalmente" nos cai nas mãos, ou a ocasional visita de um amigo, ou qualquer pequena "virada do destino" são obras do Mago, o guia interior.

De certa forma, o Mago é o educador espiritual e protetor do Louco assim como, no mito, o deus Hermes conseguiu costurar o feto Dioniso na coxa de Zeus, protegendo-o até o seu nascimento. Hermes, o Mago, é o poder in­consciente a partir do qual cuida de nós, apesar de não podermos vê-lo, e que aparece como por mágica nos momentos mais críticos e difíceis da vida, para oferecer orientação e sabedoria.

Hermes não era um deus no qual fosse possível confiar para de­cisões comuns dos afazeres cotidianos. Ele podia trapacear e con­fundir e, muitas vezes, suas orientações faziam homens e mulheres se perderem na noite ao longo de caminhos intricados e afastados, levando o viajante a lugares estranhos e frustrantes. Seguir o guia interior não significa sempre empreender escolhas seguras para ga­rantir bons resultados. Frequentemente, eles são o oposto.

Mas, como Hermes é o mestre dos quatro elementos, a sua sabedoria pode pe­netrar todas as fases da vida - a mente, a imaginação, o coração e o corpo. Sem ele não temos absolutamente qualquer recurso interior e, portanto, acabaremos sempre confiando na orientação de outras pes­soas e destinados a viajar como gado nas mesmas trilhas desgasta­das como todos fazem. O Louco encontra o Mago somente após ter enfrentado o precipício, pois as visitações do guia interior não ocor­rem quando nos escondemos na segurança da caverna maternal.

No sentido divinatório, Hermes, o Mago, aponta para dons e habi­lidades criativas que ainda não se manifestaram. Ele pode aparecer como uma onda de energia e uma intuição de excitantes oportunida­des novas. Ele pressente o discernimento e uma percepção de possi­bilidades inexploradas. O Louco é cego e tem unicamente o sentido animal de um significado a ser encontrado em algum lugar, de algu­ma forma. Mas, pelo seu encontro com Hermes, o Mago, torna-se claro que a jornada é possível e que ele possui capacidades que ain­da devem ser desenvolvidas.

2 - A IMPERATRIZ

A carta da Imperatriz retrata uma bela mulher grávida, de longos cabelos castanhos, em pé no meio de um campo de ceva­da em maturação. Sua saia é urdida com muitas e diferentes plantas e a barra é feita de ramos de folhas de louro. Em volta do pescoço, um colar de 12 pedras preciosas. Ela porta uma coroa com um diadema de castelos e torres. Atrás dela, em um cenário de campos férteis, água flui para um lago.

Aqui encontramos a grande deusa Deméter, a Mãe da Terra, re­gente de toda a natureza e protetora das jovens criaturas indefesas. No mito grego, Deméter amadurecia anualmente o trigo dourado e, ao final do verão, as pessoas lhe ofereciam agradecimentos pela fertilidade da terra. Deméter reinava os ciclos ordenados da nature­za e a vida de todas as coisas em crescimento; daí a saia que ela veste.

Ela preside a gestação e o nascimento da nova vida, abençoando os rituais do casamento como veículo para a continuidade da natureza. Deméter é uma deusa matriarcal, uma imagem do poder dentro da própria terra, que não precisa de qualquer validação do céu. Dizem que ela ensinou aos homens as artes de arar e de semear a terra e, às mulheres, as artes de moer o trigo para fazer o pão.

Deméter vivia com sua filha Perséfone, abrigada dos conflitos e das disputas do mundo. Porém, um dia essa vida pacífica e contente foi violentamente invadida. Perséfone havia saído para passear e não voltara. Angustiada, Deméter procurou-a em todos os lugares, mas sua filha havia desaparecido sem deixar vestígios. Finalmente, após anos de buscas infrutíferas, ela veio a conhecer o destino de Perséfone. Diziam que Hades, o senhor obscuro do Submundo, se apaixonara pela jovem e saíra de seu domínio para a superfície da Terra em sua carruagem, puxada por dois cavalos negros, e a raptara.

Furiosa, Deméter permitiu que a Terra ficasse árida e recusou-se a restaurá-la à sua antiga abundância. Como ela não podia suportar essa mudança - apesar de Perséfone ter concordado em comer a romã, fruta do Submundo, e Hades tê-la tratado com honradez e feito dela a sua rainha -, parecia que toda a humanidade pereceria por falta de alimento. Por fim, graças à intercessão do inteligente e previdente deus Hermes, chegou-se a um acordo: durante nove me­ses do ano, Perséfone viveria com a sua mãe, mas deveria voltar para seu marido obscuro durante os outros três.

Deméter nunca chegou a uma conclusão com essa solução. To­dos os anos, quando a sua filha estava ausente, a Mãe-Terra sofria de tristeza. As flores murchavam, as árvores deixavam cair suas folhas e a Terra entrava em um período sem vida e frio. Mas todos os anos, com o retorno de Perséfone, a esplendorosa Primavera vol­tava a reavivar a Terra.

No sentido interior, a imagem de Deméter, a Imperatriz, reflete a experiência da maternidade. Isso não significa somente o processo físico de gestação, nascimento e alimentação da jovem e indefesa criatura. Também é a experiência interior da Grande Mãe: a descoberta do corpo como algo valioso e precioso que merece cuidado; a experiência de ser parte da natureza e estar enraizado na vida natu­ral; a apreciação dos Sentido e os simples prazeres da existência cotidiana.

Sem a Grande Mãe dentro de nós, nada podemos levar à frutificação, pois esse é o nosso lado que possui a paciência e a delica­deza de esperar até o momento de estar maduro para a ação. Sem ela, não podemos apreciar o nosso ser físico e vivemos desligados em um mundo puramente intelectual, sem qualquer base ou respeito pela rea­lidade.

A experiência da mãe de uma criança está ligada ao sentimen­to de segurança e de confiança na vida e, da mesma forma, a ima­gem da Imperatriz está ligada ao sentimento interno de segurança e confiança no presente. Ela é sábia, mas não de maneira racional. A sua é a sabedoria da natureza, que sabe e entende que todas as coisas se movem em ciclos e amadurecem no tempo apropriado.

Entretanto, como todas as figuras do baralho do Taro, Deméter tem o seu lado obscuro, pois a natureza também significa estagnação do espírito, apatia e indiferença que neutralizam qualquer possibilida­de de mudança. Deméter não somente é a Boa Mãe, mas também a Mãe Enlutada que não pode renunciar às suas posses e que se vinga de qualquer intrusão de conflitos da vida em seu mundo organizado e paradisíaco.

Essa Mãe Enlutada pode estar repleta de amargura e de ressentimento, pois a vida exige que mudanças, separações e finalizações ocorram. Assim, quando o Louco em sua jornada arque­típica encontra Deméter, a Imperatriz, ele é impulsionado para as dimensões sombrias e iluminadas de sua própria natureza instintiva.

No sentido divinatório, o aparecimento da Imperatriz em uma aber­tura de cartas sugere o advento de uma fase mais terrena da vida. Pode ocorrer um casamento ou o nascimento de uma criança, pois esses também exigem paciência e alimentação da Grande Mãe. Por meio dessa carta, penetramos no domínio do corpo e dos instintos como um lugar de paz e também de estagnação; lugar em que a vida é dada, mas também é sufocada. Dessa maneira, o Louco, a criança do céu, descobre que vive em um corpo físico e é uma criatura não somente espiritual, mas também material.

3 - O IMPERADOR

A carta do Imperador retrata um homem maduro, de ombros e peito amplos e musculosos. Seus belos e compridos cabelos e barba são castanho-avermelhados e seus olhos azul-claros como o céu. Ele nos confronta sentado em um trono dourado no topo de uma montanha. Sua veste é de cor púrpura bordada a ouro e, em sua cabeça, uma coroa dourada. Com sua mão direita, ele segura três raios, e, com a esquerda, o globo do mundo. Uma águia está pousada sobre o seu ombro. Atrás dele, estende-se um acúmulo de picos nevados.

Aqui encontramos o grande Zeus, rei dos deuses, que os gregos chamavam de Pai de Todos, criador do mundo e soberano dos deu­ses e dos homens. Na Mitologia, Zeus era o filho mais jovem dos Titãs Cronos e Réa. Uma profecia havia sido revelada a Cronos de que, um dia, um de seus filhos o destronaria e ocuparia o seu lugar. Para se salvaguardar, ele decidiu destruir os seus filhos e, durante cinco anos seguidos, à medida que Réa dava à luz os seus filhos e filhas, Cronos os arrancava de seus braços e os engolia antes que abrissem os olhos.

É claro que isso não agradava Réa que, quando soube que um sexto filho estava para nascer, fugiu secretamente para Arcádia e, em uma gruta, deu à luz Zeus. Então, ela envolveu uma grande pedra em faixas e apresentou-a a Cronos como seu filho. Ele imediata­mente a engoliu. Com o tempo, Zeus cresceu e apresentou-se a Cro­nos disfarçado de copeiro. Ele preparou uma poção para o seu pai a qual o enjoou tão violentamente que vomitou as cinco crianças ilesas, as quais havia engolido, assim como a pedra que Réa lhe havia levado no lugar de Zeus. Zeus então levou seus irmãos e irmãs a uma rebelião contra Cronos e, destronando-o, inaugurou um novo reinado.

O novo rei dos deuses fez do Monte Olimpo a sua morada e estabeleceu uma hierarquia de deuses que obedeciam à sua lei su­prema. Seus símbolos de poder eram o trovão e o raio. Seu espírito volátil, fogoso e dissoluto expressou-se não somente nas tempesta­des elétricas, mas também nas muitas amantes que ele perseguiu e nos muitos filhos que gerou. Entre eles estava Atena (deusa da justi­ça), Diké (deusa da lei natural), as três Moiras ou Parcas (deusas do destino) e as nove Musas (que presidem as artes liberais). Sua espo­sa, Hera, deusa do casamento e dos nascimentos, reinava como a sua consorte. Zeus concedia o bem e o mal de acordo com as leis que ele mesmo estabelecia. Ele também era deus dos lares e da amizade, e o protetor de todos os homens.

No sentido interior, Zeus, o Imperador, é a imagem da experiência da paternidade. É o pai que encarna os nossos ideais espirituais, os nossos códigos éticos, a auto-suficiência com a qual sobrevivemos no mundo, a autoridade e a ambição que nos levam às realizações, a disciplina e a presciência necessárias para alcançar as nossas me­tas. Esse princípio masculino, tanto nos homens quanto nas mulhe­res, difere da nutrição e do amor incondicional da mãe com os quais nos deparamos na carta da Imperatriz.

Aqui, o mais alto valor é concedido ao espírito e não ao corpo, e o que é exigido de nós é a ação, em vez do fluir intuitivo com a natureza.O nosso pai interior também promove o auto-respeito porque é essa nossa parte que pode assumir uma posição da qual é possível enfrentar os desafios da vida.

Zeus podia ter compaixão e defender os fracos e os pobres, mas também podia mostrar a sua ira e a sua vingança caso a sua autoridade fosse contestada e suas leis fossem violadas. Dessa forma, Zeus, o Imperador, tem o seu lado sombrio expresso, em nível interior, pela rigidez e pela implacável retidão. Estar em relacionamento com o pai interior significa possuir um sen­tido de autopoder, a capacidade de implementar ideias e concretizá-las no mundo. Ser dominado pelo pai interior significa estar preso a um conjunto de crenças que esmaga todos os sentimentos humanos com sua inflexibilidade e arrogância.

Então, tal como o próprio Zeus, devemos derrocar o antigo regime, inaugurando uma nova lei mais criativa para não nos tornarmos tiranos fúteis ou para não sermos envolvidos pelo feitiço de um tirano do mundo externo. Ao descobrir o mundo rico e fecundo das necessidades e dos prazeres do corpo, o Louco, agora, deve encontrar os princípios éticos que devem reger a vida, pois sem o Imperador somos meros joguetes guiados interna e externamente pelo instinto cego, culpando outras pessoas e a sociedade por nossos problemas, em razão do fato de não podermos encontrar a experiência interior da força representada pelo pai.

No sentido divinatório, Zeus, o Imperador, prevê um confronto com relação à questão do princípio do pai em sua forma tanto positiva quanto negativa. Somos desafiados a manifestarmos para concretizar uma ideia criativa, para construir no mundo, talvez para estabelecer um negócio ou a estrutura de um lar familiar. Devemos assumir uma posição para nos tornarmos efetivos e poderosos, para expressar­mos as nossas ideias e ética.

Também devemos considerar o momento em que o jovem rei se torna o rígido e opressivo tirano, e quando as nossas ideologias interferem na vida e no desenvolvimen­to. Quando o Louco encontra o Imperador, após a sua permanência temporária no mundo dos instintos, ele aprende a enfrentar a vida sozinho, com seus próprios recursos e de acordo com a ética que deve desenvolver para si. Ele, então, pode progredir em sua jornada com a certeza de ser efetivo na vida, porque acredita em algo maior cuja autoridade ele mesmo incorpora.

4 - A SACERDOTISA

A carta da Sacerdotisa retrata uma jovem esbelta e delicada, de pele clara, longos cabelos pretos e olhos escuros, portando um vestido branco, simples e longo. Em sua cabeça, uma coroa doura­da. Em sua mão direita, ela segura uma romã aberta ao meio para mostrar suas múltiplas sementes. Em sua mão esquerda, um buque de narcisos brancos que também se espalham pelo chão. Em cada lado da escadaria, na qual ela se encontra, há uma coluna; a da esquerda é preta e a da direita, branca. Atrás dela, no alto da escadaria, um portal dá passagem a um rico cenário verde que também aparece na carta da Imperatriz.

Aqui encontramos Perséfone, rainha do Submundo, filha de Deméter, a Mãe-Terra, e guardiã dos segredos dos mortos. Na carta da Impe­ratriz, vimos como, de acordo com o mito, Hades, senhor do Submundo, apaixonara-se pela jovem Perséfone quando ela colhia flores nos cam­pos, saindo de sua morada para raptá-la. Levando-a para o seu mundo sombrio, ele lhe ofereceu uma romã, e ela aceitou. Ao comê-la, ela participou da fruta dos mortos e, assim, ficou eternamente ligada ao deus.

Perséfone governava o Submundo durante três meses do ano e, apesar de passar nove meses no mundo da luz com a sua mãe Deméter, ela não podia contar os segredos que lhe foram revelados no mundo dos mortos. O reino de Hades, cheio de mistérios e rique­zas, era cercado pelo terrível rio Estige, que nenhum ser humano vivo podia atravessar sem a permissão do próprio Hades; mesmo quando Hermes, mensageiro dos deuses e guia das almas, podia es­coltar os heróis excepcionais que conseguiam o consentimento do deus.

Inclusive as almas dos mortos não podiam atravessar o rio sem pagar uma moeda a Caronte, o velho barqueiro encarregado da tra­vessia do Estige, pois nos portais do reino de Hades encontrava-se Cérbero, o terrível cão de três cabeças, que devorava qualquer intru­so, vivo ou morto, que não respeitasse as leis desse reino invisível. Dessa forma, ao comer a romã, Perséfone deixava para trás a sua infância inocente, tornando-se a guardiã desse mundo sombrio e seus segredos.

No sentido interior, Perséfone, a Sacerdotisa, é uma figura de ligação com o misterioso mundo interior para o qual a psicologia de profundidade deu o nome de "inconsciente". É como se embaixo e além do mundo da luz, que acreditamos ser a realidade, houvesse um outro mundo oculto, cheio de riquezas e potenciais, que não podemos penetrar sem o consentimento de seus governantes invisíveis. Esse mundo contém os nossos potenciais a ser desenvolvidos, assim como as facetas mais sombrias e primitivas da personalidade. Também contém o segredo do destino do indivíduo que, na escuridão, se en­contra em estado embrionário até que a maturidade seja alcançada para a sua manifestação.

Perséfone, a Sacerdotisa, é a incorporação da nossa parte que conhece os segredos do mundo interior. Mas ela é apenas percebida pela consciência desperta e aparece por meio de fugazes fragmen­tos de sonhos ou por estranhas coincidências que nos fazem imagi­nar se existe algum padrão oculto agindo em nossas vidas.

Perséfone é uma personagem sedutora e fascinante, mas ela não revela os seus segredos. Da mesma maneira, o mundo obscuro do inconsciente, vislumbrado por meio de sonhos, fantasias e intuições, também é sedutor e fascinante; mas, quando procuramos entendê-lo pelo intelecto e "dominá-lo" para os nossos próprios propósitos, ele emudece e nos escapa. O mundo sombrio de Perséfone proporciona unicamente vislumbres obscuros de padrões e movimentos em ação no indivíduo, que requerem paciência e tempo antes que possam ser trazidos à luz do dia.

O mito de Perséfone enfatiza o movimento cíclico do tempo, retratando um ritmo misterioso, um constante vai­vém de algo. As sementes da mudança e de novos potenciais aguar­dam silenciosamente no útero do Submundo antes de serem transferidas aos cuidados da Mãe-Terra para serem levadas a nas­cer no mundo material. Perséfone, a Sacerdotisa, é uma imagem da lei natural em ação nas profundezas da alma que governa o desenrolar do destino a partir de uma fonte invisível e que somente é revelada por meio do sentimento, da intuição e do mundo obscuro dos sonhos.

No sentido divinatório, o aparecimento da Sacerdotisa em uma abertura de cartas prevê um aumento dos poderes da intuição e im­plica uma espécie de encontro com o oculto mundo interior governa­do por Perséfone. O indivíduo pode ser atraído inexplicavelmente para esse mundo por meio do interesse pelo ocultismo ou pelo esote­rismo, ou ainda por meio de um poderoso sonho ou de um sentido interno de que "alguma coisa" esteja agindo na vida das pessoas.

Desse modo, o Louco que aprendeu um pouco mais a respeito de sua natureza física e de suas necessidades, assim como o seu lugar no mundo por meio de seus pais terrenos, a Imperatriz e o Impera­dor, agora penetra no mundo da noite para ir ao encontro, muitas vezes confuso e surpreso, da figura silenciosa que encarna a Mãe em um nível mais profundo e sutil - o útero do inconsciente no qual o segredo de seu verdadeiro propósito e o padrão de seu destino estão contidos.

5 - O HIEROFANTE

A carta do Hierofante retrata uma estranha figura: um Centauro, com o tronco, os braços e a cabeça de homem e o corpo de um cavalo. Seus longos cabelos e barba castanhos e seu rosto maduro e benigno sugerem um sacerdote ou um professor. Sua mão direita está levantada em um antigo sinal de bênção, enquanto a esquerda segura um pergaminho. Aos seus dois lados, uma coluna de pedra. Atrás dele é vista a rocha bruta da caverna que é tanto a sua morada como o seu templo. Uma luz é dirigida sobre a sua cabeça coroada por meio de uma abertura no teto da caverna.

Aqui encontramos Quiron, rei dos Centauros, curador, sacerdote e sábio educador de todos os jovens heróis da Mitologia. O próprio nascimento de Quiron foi um verdadeiro mistério, pois ele nasceu da união de Ixion, - filho do deus da guerra, Ares -, com uma nuvem que Zeus formou à semelhança de sua esposa Hera, para impedir que Ixion fizesse amor com a própria deusa.

O centauro foi educado por Apolo, o deus-Sol, e Ártemis, a deusa da Lua, e, graças à sua grande sabedoria e espiritualidade, ele foi eleito rei dos centauros, cuja tarefa era incutir nos jovens príncipes gregos os valores espiri­tuais e o respeito pela lei divina que eles deviam aprender antes mes­mo das artes de reinar e das proezas das armas.

Quiron também era um grande curador e conhecia o segredo das ervas e das plantas. Mas ele era incapaz de curar a si mesmo. Um dia, seu amigo Héracles visitou-o em sua caverna; o herói grego acabara de matar Hidra com as suas nove cabeças venenosas. Aci­dentalmente, Héracles arranhou o Centauro na coxa com uma de suas flechas que haviam sido embebidas no sangue do monstro. Esse sangue era puro veneno e todo o conhecimento que Quiron possuía não conseguiu fazer com que ele o extraísse da ferida. Como era imortal, ele não podia morrer e, assim, foi condenado a conviver com a dor, sacrificando a felicidade do mundo e dedicando-se a ensinar a sabedoria espiritual.

No sentido interior, Quiron, o Hierofante, é a nossa parte que invoca o espírito para poder compreender o que nos é exigido por Deus. Ele é o nosso educador espiritual interno, o sacerdote que estabelece uma ligação entre a consciência terrena e o conheci­mento intuitivo da lei de Deus. O mundo de Perséfone, a Sacerdoti­sa, é sombrio e fugaz, e não pode ser compreendido pelo intelecto, mas o mundo de Quiron pode ser elucidado e interpretado pela men­te.

A palavra antiga pontifex para sacerdote significa "fazedor de pontes", pois o papel do sacerdote, tanto dentro quanto fora de nós', é servir de pai espiritual, estabelecendo um relacionamento entre o homem e Deus e tornando clara a natureza das leis pelas quais de­vemos viver para estarmos em relação correta com o divino. As leis do Imperador, que incorporam o princípio do pai na Terra, dizem respeito ao comportamento correto no mundo.

Mas as leis do Hierofante se referem ao comportamento correto aos olhos de Deus. Entretanto, Quiron não simboliza qualquer sistema religioso ortodo­xo. Ele é uma criatura selvagem, meio homem e meio animal, e o seu templo não tem qualquer manipulação humana, porém, mais exa-tamente, é uma caverna em uma montanha.

Assim, a lei espiritual que ele transmite não é uma lei coletiva baseada em dogmas, mas sim, individual e somente pode ser percebida por meio do nosso sa­cerdote interior. Portanto, pessoas diferentes experimentam Deus de uma maneira diferente, e atingimos o nosso entendimento espiri­tual de acordo com o nosso entendimento particular do que "Deus" possa realmente significar.

A ferida de Quíron faz com que ele seja o Curador Ferido, aquele que, por meio de sua própria dor, pode compreender e apreciar a dor alheia e, portanto, pode enxergar muito além do que aqueles que estão cegamente satisfeitos. E então Quíron, o Hierofante, repre­senta a nossa parte ferida em que algum problema insolúvel ou uma limitação qualquer nos aprofunda e nos torna misericordiosos quan­do, ao contrário, seríamos meras superficialidades de bondade sem qualquer sentido real do que possa significar. O verdadeiro sacerdo­te está aberto à dor e aos desejos do mundo, porque, ele mesmo, sofre.

A imagem de Quíron nos liga ao valor das limitações insuperáveis ou das feridas dentro de nós que, apesar de causarem sofrimento na vida cotidiana, assim mesmo nos obrigam a questionar e a abrir o caminho para uma maior compreensão das leis superiores da vida. Esse paradoxo também é sugerido pelo próprio Centauro, pois, sen­do metade deus e metade cavalo, ele se utiliza tanto do instinto quan­to do espírito, além de conter uma dualidade que faz parte de nossa condição humana. O homem não é totalmente animal nem totalmen­te divino, mas uma mistura de ambos, e deve aprender a conviver com os dois. Dessa mescla, surge a sabedoria do Centauro, que par­ticipa tanto do conhecimento de Deus quanto do conhecimento da lei natural - Deus manifestando-se no mundo das formas.

No sentido divinatório, quando Quíron, o Hierofante, aparece em uma abertura de cartas, ele implica que o indivíduo começará a, ati-vamente, procurar respostas de nível filosófico. Isso pode ocorrer como o estudo de uma filosofia particular ou de um sistema de crença, ou ainda como o compromisso profundo de busca por um significado para a vida. O Hierofante pode aparecer na forma de um analista, de um psicoterapeuta, de um sacerdote ou de um mentor espiritual na vida exterior, para quem nos voltamos à procura de consolo e ajuda. O Louco, então, emerge de sua descoberta do Submundo e dos po­deres ocultos do subconsciente à procura de respostas para o enig­ma de si mesmo e para o significado de sua vida. Ao encontrar-se com o Hierofante, ele descobre a sua parte que pode começar a formular e a expressar uma filosofia pessoal e uma visão individual do espírito que o guiam ao deixar para trás a sua infância, preparan-do-se para enfrentar os desafios da vida.

6 - OS NAMORADOS

A carta dos namorados retrata um jovem formoso vestido em simples trajes de pastor, segurando um cajado na mão direita; em sua mão esquerda, uma maçã dourada. Três mulheres se exibem, pois se trata de um concurso de beleza e a maçã dourada será o prémio da escolhida. A mulher à esquerda tem um porte majesto­so e maduro, com cabelos castanhos e olhos claros, um vestido de cor púrpura e porta um diadema dourado na cabeça. Ela oferece ao jovem o globo do mundo. A mulher ao centro é jovem, sedutora e de cabelos pretos. Sua túnica transparente cor-de-rosa revela mais do que esconde. Ela oferece um cálice de ouro. A mulher à direita é fria e casta, vestida com armadura completa de luta; seus cabelos claros estão quase totalmente cobertos pelo elmo de guerreiro. Ela oferece uma espada. Atrás das quatro figuras, estende-se um cenário ondulante de colinas verdejantes.

Aqui encontramos o príncipe Paris que foi incumbido por Zeus de presidir um concurso de beleza entre as três deusas - Hera, Afrodite e Atena. Quando Paris nasceu, um oráculo previu que um dia ele representaria a derrocada do império do pai. Com medo dessa pro­fecia, o rei Príamo, seu pai, sentenciou-o à morte, abandonando-o à sua própria sorte no topo de uma colina. Mas um pastor que por ali
passava o salvou e criou. Ele cresceu pastando ovelhas e passava horas a imaginar conquistas românticas, pois era um jovem bonito e encantador.

Quando, no Monte Olimpo, uma disputa ocorreu entre Hera (rai­nha dos deuses), Afrodite (deusa do amor sensual) e Atena (deusa da justiça) quanto à mais bela das três, Zeus decidiu que Paris, com sua rica e vasta experiência do assunto, seria o melhor juiz para o concurso. Hermes foi enviado para informar o jovem dessa dúbia honra que lhe era conferida pelo rei dos deuses.

Inicialmente, Paris recusou o pedido, sabendo muito bem que, ao escolher uma delas, as outras duas nunca o perdoariam. Mas Her­mes o ameaçou com a ira de Zeus e Paris então sugeriu dividir a maçã em três partes, pois de que forma ele poderia fazer uma esco­lha entre tais beldades? Mas Hermes também não aceitou essa descul­pa. Por conseguinte, as deusas se exibiram perante o jovem. Hera ofereceu-lhe o governo do mundo, caso a escolhesse; Atena ofereceu torná-lo o mais poderoso e justo dos guerreiros; e Afrodite simples­mente abriu a sua túnica e ofereceu-lhe o cálice do amor, prometendo-lhe a mulher mortal mais bonita do mundo como esposa.
O resultado era previsível. Sendo jovem e inexperiente com respeito aos seus valores internos, Paris escolheu Afrodite sem qual­quer hesitação.

O seu prémio foi a famosa Helena, rainha de Esparta, que, inconvenientemente, era casada. Hera e Atena sorriram e pro­meteram que não o culpariam por sua escolha e, em seguida, saíram de braços dados confabulando a ruína de Tróia. E assim começou a conflagração da guerra troiana, que se iniciou com a raiva do marido traído e terminou com a ruína total da cidade de Tróia e de toda a casa real. O oráculo comprovou a sua autenticidade.

No sentido interno, o Juízo de Paris, como ficou conhecido na Mitologia, é uma imagem do primeiro grande desafio da vida em face do desenvolvimento individual: o problema da escolha no amor. Esse dilema não diz respeito unicamente à decisão entre duas mu­lheres ou dois homens, também se refere aos nossos valores, porque as escolhas refletem o tipo de pessoa que queremos ser. Por ser jovem e em razão de suas necessidades sexuais, Paris não pôde realmente escolher de uma perspectiva madura; sua escolha derivou de seus desejos e não de suas verdadeiras necessidades. Aqui está o problema do livre-arbítrio contra as compulsões dos instintos.

As consequências das escolhas no amor são enormes, pois afe-tam todos os níveis da vida. A compulsiva escolha de Paris resulta derradeiramente no grande conflito da Guerra de Tróia. Aqui não se trata da escolha "errada", pois ele ainda não está centrado o sufi­ciente para comparar a atração erótica de Afrodite com a sedução da esposa de outra pessoa. Também pouco conhece de si mesmo para decidir se o poder terreno ou a liderança de um guerreiro são igualmente importantes para ele. O concurso lhe é imposto assim como os desafios que surgem para todos nós antes que estejamos prontos para eles e, de certa maneira, o seu "erro" é necessário e inevitável.

O desejo por outra pessoa implica o desenvolvimento dos valores individuais e o autoconhecimento por meio das confusões e dos conflitos que derivam de nossas escolhas. Essa situação não pode ser evitada, por ser arquetípica. Paris é a nossa parte que, go­vernada pela incontida necessidade da satisfação do desejo, ainda não pode enxergar que todas as opções têm consequências pelas quais somos, no fim, responsáveis. Sem passar por meio da iniciação pelo fogo, não podemos entender como criamos o nosso futuro, mas colocamos a culpa no destino, no acaso ou em outra pessoa, em vez de colocá-la em nossa própria falta de reflexão.

No sentido divinatório, quando a carta dos Namorados aparece em uma abertura de cartas, ela prevê a necessidade de algum tipo de escolha, geralmente no amor. O Louco, que descobriu a sua própria dualidade, agora deve colocar os seus valores em teste. Às vezes isso significa um triângulo amoroso, mas também pode significar o problema de um casamento apressado ou a escolha entre o amor e uma carreira profissional ou alguma outra atividade criativa. Essa carta implica a necessidade de analisar cuidadosamente as conse­quências de nossas próprias escolhas, em vez de sermos cegamente impelidos, como Paris, a uma conflagração de graves consequências.

7 - O CARRO

A carta do Carro retrata um bonito homem viril de cabelos castanhos encaracolados, olhos azuis e rosto corado, dirigindo uma carruagem de guerra em bronze. Ele veste armadura e elmo também em bronze e uma túnica de cor vermelho-sangue. Em sua cintura, ele carrega um escudo de bronze e, ao seu lado, uma grande lança. Ele segura as rédeas de dois cavalos, um branco e outro preto, que puxam a carruagem em direções opostas. A estrada poeirenta passa por um cenário deserto e avermelhado, enquanto grandes nuvens se aproximam indicando uma iminente tempestade.

Aqui encontramos Ares, o deus da guerra, que, de acordo com a Mitologia, foi concebido por Hera, rainha dos deuses, sem o concur­so da semente masculina. Como deus da guerra, as atividades de Ares se concentravam nas lutas. Seus dois escudeiros, Deimos (Medo) e Fobos (Terror) - que também diziam ser seus filhos -, acom-panhavam-no nos campos de batalha. Diferentemente da deusa Atena que, como deusa guerreira, representava a estratégia e a previsão, Ares adorava o calor e a glória da batalha com uma exultante libera­ção de sua força ao desafiar o inimigo.

Ares não era um deus apreciado por estar associado ao conflito e ao derramamento de sangue, e Zeus e Atena não gostavam dele em razão de sua força bruta e falta de refinamento. Mas Afrodite, deusa do amor, possuía gostos diferentes. Impressionada com o vigor do formoso guerreiro que, sem dúvida, comparava ao seu pouco favo­recido marido Hefesto, o deus ferreiro, ela se apaixonou por Ares. O sentimento foi logo retribuído. Ares tomou a inescrupulosa vantagem da ausência de Hefesto para desonrar a união conjugal. Mas o marido descobriu o caso adúltero e planejou uma bem engendrada vingança. Secretamente, forjou uma rede tão fina que era quase impossível de ser detectada, mas tão resistente que não podia ser quebrada. Ele colocou a rede sobre a cama em que os amantes se amavam.

No encontro seguinte, no momento em que estavam repousando, Hefesto deixou cair a rede e chamou todos os deuses para testemunhar a vergonha da esposa e de seu amante. Mas a paixão de Ares ainda era ardente, apesar do ocorrido e, mais tarde, dessa sua união com Afrodite, ele gerou uma filha, Harmonia, cuja qualidade, como o nome sugere, era o equilíbrio harmónico entre o amor e a discórdia.

No sentido interior, Ares, o condutor do Carro, é a representação dos instintos agressivos guiados e direcionados pela vontade da cons­ciência. Os cavalos que puxam o Carro em direções opostas são retratos dos nossos conflitantes impulsos animais, cheios de vitalida­de e, no entanto, negando-se a trabalhar em harmonia. Eles devem ser controlados com força e firmeza, mas sem repressão e sem quebrá-los, para não perder o poder e a força para sobreviver e criar o nosso caminho de vida. Ares, o deus sem pai, de certa forma é a imagem dos instintos naturalmente agressivos e competitivos do pró­prio corpo, pois lhe falta o pai espiritual arquetípico que poderia provê-lo de visão e de significado. Mas a sua vontade férrea e grande cora­gem são uma dimensão necessária do caráter humano, pois somente a visão espiritual não basta para sobreviver em um mundo difícil e competitivo.

Tendo criado o conflito como resultado de suas escolhas amoro­sas, agora o Louco deve enfrentar a segunda maior lição da vida: o criativo controle dos violentos e turbulentos impulsos da natureza instintiva. Portanto, por meio da figura de Ares, o condutor do Carro, ele atinge a maturidade. Na carta dos Namorados, o Louco ainda é um adolescente impelido pelos sonhos românticos e pelo desejo de possuir um objeto maravilhoso. Mas, por meio do Carro, ele aprende a assumir as consequências de suas ações como homem e enfrenta a raiva e o conflito que ele criou dentro e fora de si mesmo. Tal como o Louco, nós - homens e mulheres - devemos aprender a lutar con­tra os opostos e as necessidades conflitantes dentro de nós mesmos, caso pretendamos sobreviver na selva da vida.

Na Mitologia, Ares sempre entra em conflito, seja por uma dispu­ta irada com alguém ou pela sua brutal busca por um objeto de amor. Mas sobrevive a todas as suas humilhações e derrotas, das quais ressurge ainda mais forte. Derradeiramente, ele gera uma criança que incorpora a serenidade que pode ser encontrada ao final de um conflito criativamente administrado. A discórdia que Ares encarna é uma experiência necessária. Por mais que queiramos nos tornar espiritualmente comprometidos e nos empenhemos em amar de­sinteressadamente, os impulsos agressivos internos continuarão exis­tindo. Eles podem ser deserdados e confinados no subconsciente, do qual ressurgem como uma doença ou são projetados sobre outros que, por sua vez, liberam a sua agressividade sobre nós. Mas, se pudermos enfrentar os desafios de Ares, então poderemos ser ho­nestos a respeito dessa força interior, e o esforço para aprender a contê-la e a dirigi-la promoverá o desenvolvimento de toda a perso­nalidade.

No sentido divinatório, quando o Carro aparece em uma abertura de cartas, ele prevê um conflito ou uma disputa que podem resultar em uma personalidade mais forte. É possível chegar a um confronto não somente com a agressão de outras pessoas, mas também com os nossos próprios impulsos competitivos e agressivos. Esse conflito não pode ser evitado, mas deve ser enfrentado com força e reserva. E, dessa maneira, o Louco alcança a harmonia aprendendo a admi­nistrar suas próprias contradições e passa do mundo da adolescência para o estágio seguinte de sua jornada.

8 - A JUSTIÇA

Esta carta da Justiça retrata uma linda jovem vestida com arma­dura de guerra e elmo prateados, sentada em um trono de prata. Em sua mão direita, ela segura uma espada ereta; em sua mão esquerda, ela segura uma balança. Seus cabelos claros e túnica branca fazem eco à pureza das duas colunas e do pórtico branco que a enquadram. Sob seus pés, um piso de mármore com padrão xadrez em branco e preto. Uma coruja está pousada sobre o seu ombro esquerdo.

Aqui encontramos Atena, deusa da Justiça, com a qual nos depara­mos na carta dos Namorados. Seu pai era Zeus, rei dos deuses, que havia sido advertido por Urano que, caso gerasse uma criança com a sua primeira esposa, Métis, deusa da sabedoria, ela seria mais pode­rosa do que ele. Para evitar essa eventualidade, ele engoliu Métis antes que pudesse dar à luz a criança que ela carregaVa. Logo após, Zeus foi acometido por uma insuportável dor de cabeça. Para curá-lo, Hefesto, o deus ferreiro, abriu-lhe a cabeça com um machado de bronze e da ferida aberta surgiu Atena completamente armada, sol­tando um grande grito de vitória. Com esse cenário, todos os imortais ficaram atónitos e maravilhados. A deusa tornou-se a filha favorita de Zeus e essa preferência era tão marcante que despertou o ciúme dos outros deuses.

As tendências guerreiras de Atena foram imediatamente aparen­tes, mas ela era diferente de Ares, o deus da guerra, em muitos aspectos. As artes da guerra que Atena cultivava não se baseavam no amor pelo conflito e pelo derramamento de sangue. Ao contrário, elas surgiam dos altos princípios e do excelente reconhecimento da necessidade de lutar para sustentar e preservar a verdade. Ela era uma estrategista e não uma guerreira insana, e equilibrava a agres­são e a força física de Ares com lógica, diplomacia e inteligência. Ela protegia os bravos e os valentes, e tornou-se a protetora de muitos heróis. A proteção que oferecia a Perseu, a Ulisses e a outros guer­reiros famosos consistia sempre em armas que precisavam ser usa­das com inteligência, previsão e planejamento.

Atena era uma impressionante exceção na sociedade do Olimpo em razão da sua castidade. Também prestou um valioso serviço à humanidade. Ela ensinou a arte de domar cavalos e promoveu habi­lidades e profissões como a tecelagem e o bordado. Suas atividades diziam respeito não somente ao trabalho útil, mas também à criação artística. Por conseguinte, ela era considerada uma deusa civilizadora, embora também fosse, uma guerreira quando se tratava de proteger a pacífica civilização sob o seu cuidado.

No sentido interior, Atena, a deusa da Justiça, é uma figura da exclusiva faculdade humana do julgamento refletivo e do pensamento racional. Para os gregos, essa faculdade era divina porque dife­renciava o homem do animal. Portanto, eles consideravam Atena nascida da cabeça do grande Zeus, imune ao contágio da mãe corpórea que poderia ligá-la ao mundo físico e dos instintos dos quais compartilhamos com os animais. Os julgamentos de Atena não se baseiam no sentimento pessoal, mas na objetiva avaliação imparcial de todos os fatores contidos em uma situação e nos princípios éticos estabelecidos como parâmetros rígidos próprios para qualquer esco­lha.

A castidade de Atena pode ser considerada um símbolo de integri­dade e de pureza de sua faculdade refletiva, que não é influenciada pelo desejo pessoal. Seus ensinamentos das artes da civilização tam­bém refletem a capacidade da mente em manter a natureza indomada sob controle, transformando-a por meio do planejamento claro e obje-tivo. Sua presteza em lutar pelos princípios e não pelas paixões surge da capacidade mental em fazer escolhas baseadas na reflexão, man­tendo os instintos sob controle.

A carta da Justiça é a primeira das quatro cartas dos Arcanos Maiores que tradicionalmente eram chamadas de Quatro Lições Morais. Essas cartas - a Justiça, a Temperança, a Força e o Eremita - referem-se ao desenvolvimento das faculdades individuais neces­sárias para que funcionemos efetivamente na vida. Todas contri­buem para o que a Psicologia denomina de a formação do ego, o que significa o sentido do "eu" que todos nós devemos ter para poder experimentar um sentido de merecimento e de valor na vida, e para enfrentar os desafios da vida a partir de uma base estável e propria­mente individual.

O Louco, que passou pelos dois grandes desafios da juventude -o desejo erótico e a agressão -, agora enfrenta a necessidade de construir o seu caráter e desenvolver as faculdades que o ajudarão a lidar com as incontáveis experiências da vida. Portanto, quando o Louco se encontra com Atena, deusa da Justiça, ele deve aprender como pensar claramente e como cultivar a faculdade de uma mente equilibrada. Ele deve aprender a pesar uma e outra coisa - algo que ainda não podia fazer na carta dos Namorados - e chegar ao julga­mento mais imparcial possível. A Justiça não é possível se não res­peitarmos a imparcialidade e a verdade como importantes princípios éticos, em vez de um bom comportamento adotado ao querermos ser apreciados pelas outras pessoas. Atena ergue-nos acima da nature­za e representa os nossos esforços para a perfeição concebida pela mente humana e pelo espírito.

No sentido divinatório, quando a Justiça aparece em uma abertu­ra de cartas, ela implica a necessidade de um pensamento equilibra­do e de uma tomada de decisão imparcial. Mas, tal como a espada de Atena, essa carta possui duas facetas. Existem fases da vida nas quais a fria reflexão de Atena é gelada demais, muito idealista e destrutiva do calor do relacionamento pessoal. Sua espada pode cor­tar o coração com verdades gerais que não se adaptam a uma situa­ção particular. Dessa forma, a Justiça, como todos os Arcanos Maiores, é uma figura ambivalente. O Louco deve desenvolver o que Atena representa, mas não pode permanecer eternamente em seu templo puro e deve passar adiante para a Lição Moral seguinte.

9 - A TEMPERANÇA

A carta da Temperança retrata uma linda e jovem mulher de cabelos pretos, trajando túnicas com as cores do arco-íris, e asas com cores de várias tonalidades. Ela está com um dos pés dentro de um rio, límpido e o outro sobre a terra seca. Ao longo das margens do rio crescem lírios vermelhos. Atrás dela, um arco-íris estende-se pelo céu. Em suas mãos ela segura dois cálices, um de ouro e outro de prata, e despeja água de um para o outro.

Aqui encontramos íris, a deusa do arco-íris e mensageira de Hera, rainha dos deuses. íris era a contraparte feminina de Hermes, o emissário de Zeus, e era amada tanto pelos deuses quanto pelos mortais por causa de sua natureza bondosa e afetuosa. Se Hera ou Zeus quisesse transmitir uma mensagem aos homens, íris voava ligeiramente para a Terra, onde assumia feições humanas ou aparecia em sua forma divina. Ela fendia o ar tão rápido quanto o próprio vento Zéfiro, que era o seu consorte. Outras vezes ela deslizava pelo arco-íris que fazia ponte entre o Céu e a Terra. Ela transpunha as águas com a mesma facilidade e, até, o Submundo abria-se para ela quando, a pedido de Zeus, ali se dirigia para reabastecer o seu cálice com água do rio Estige, da qual os imortais se serviam para se prote­ger dos feitiços malignos. Quando os deuses voltavam de suas jorna­das para o Olimpo, íris desatrelava os cavalos de suas carruagens e servia néctar e ambrósia aos viajantes.
íris não somente entregava as mensagens de Hera, mas também executava as suas vinganças, apesar de, mais frequentemente, ofe­recer ajuda e assistência. Ela preparava o banho de Hera, ajudava-a com a sua toalete e, dia e noite, permanecia ao pé do trono de sua patroa. Em uma versão da Mitologia, foi íris e não Afrodite que deu à luz Eros, o deus do amor.

No sentido interior, íris, deusa do arco-íris, é uma imagem da segunda das qualidades ou faculdades que o Louco deve aprender para formar uma individualidade estável: um coração equilibrado. Enquanto Atena, que incorpora a Justiça, é justa e objetiva, íris, que incorpora a Temperança, é boa e misericordiosa, e a sua compaixão não é enjoativa nem sentimental. íris está ligada à função do senti­mento, que é diferente do que chamamos de emoção, pois esta é a reação visceral de uma situação, enquanto o sentimento é uma ativa e inteligente faculdade de escolha. A função do sentimento é ser ponte em constante mudança entre os opostos, um atencioso sentido das necessidades de uma situação particular visando à harmonia e ao relacionamento como meta final. E assim, íris despeja água in­cessantemente de um cálice para o outro, porque o sentimento deve fluir de modo constante e ser renovado de acordo com os requisitos de cada momento. Se os preceitos éticos de Atena são necessaria­mente estáticos e universais, o objetivo da harmonia de íris exige um perpétuo ajuste fluido de sentimento, algumas vezes positivo e outras vezes negativo. Dessa forma, ela pode oferecer uma atenciosa as­sistência ou executar a vingança de Hera. Mas derradeiramente ela serve aos propósitos femininos em vez dos masculinos, e qualquer que seja a resposta mutante do fluxo - até mesmo raiva e conflito, a meta é sempre a cooperação, a harmonia e um relacionamento me­lhor.

Geralmente não pensamos em sentimento como uma função inte­ligente, como ocorre com o pensamento racional. No entanto, as duas cartas, a Justiça e a Temperança, são consideradas tanto opos­tas quanto complementares. Atena e íris são duas imagens contradi­tórias, uma servindo o Pai de cuja cabeça nascera; a outra, a Mãe; uma sustentando a verdade abstraía mesmo à custa do coração indi­vidual, a outra protegendo o coração individual mesmo à custa da verdade abstrata. Apesar de essas duas deusas não serem inimigas na Mitologia - pois íris não tinha inimigos, no entanto elas podem ser inimigas dentro de nós, pois muitas vezes oferecerão diferentes soluções para um mesmo problema. Em que se baseia a nossa deci­são: no pensamento racional ou nos ditames do que os nossos senti­mentos indicam ser o caminho apropriado para a preservação do relacionamento? A presença dessas duas figuras em sequência nos Arcanos Maiores sugere que o Louco, representando cada um de nós, deve integrar ambas. Por isso, tendo aprendido por meio de Atena a pensar claramente, o Louco encontra íris, a deusa do arco-íris, e deve aprender a delicada avaliação do sentimento que é tão diferente da primitiva emoção reativa ou do sentimentalismo hipócrita.

Mas até íris, a deusa do arco-íris, pode ser ambivalente. A cons­tante mudança de sentimento para preservar o relacionamento pode produzir a estagnação, porque nada além do sentimento pode fazer com que seja impossível respirar. Nada pode ser falado a respeito, nenhuma diferença discutida, nenhum conflito que possa levar ao crescimento, porque a harmonia é tudo. Esse estado não permite espaço para a separação porque ela ameaça a solidão, e íris, amiga tanto dos deuses como dos mortais, podendo funcionar em todos os níveis da vida, deverá sempre servir alguém com devoção e não pode existir em seu próprio direito. Portanto, a Temperança sem a Justiça torna-se água estagnada, na qual nenhuma mudança é permi­tida ocorrer e a mente sufoca de mero tédio.

No sentido divinatório, quando aparece a Temperança na abertu­ra de cartas, ela implica a necessidade de um fluxo de sentimento no relacionamento. íris, a guardiã do arco-íris, sugere o potencial para a harmonia e a cooperação, resultando em um bom relacionamento ou em um casamento feliz. Somos desafiados com o problema de apren­der a desenvolver um coração equilibrado e, ao mesmo tempo, ser­mos gentilmente lembrados de que o Louco não pode permanecer para sempre até mesmo com a linda íris, e deve passar adiante para a Lição Moral seguinte.

10 - A FORÇA

A carta da Força retrata um homem musculoso e poderoso com cabelos castanhos encaracolados, vestindo apenas uma tanga vermelha. Ele está embrenhado em uma luta selvagem com um leão envolvendo seus fortes braços no pescoço do animal; no momento crítico ele está vencendo a luta. Rodean­do os dois, as paredes rochosas de uma caverna escura. Pela entrada da caverna é possível ver um cenário árido de colinas
marrons.

Aqui encontramos o grande guerreiro heracles chamdo Hercules pelo romanos, que na Mitologia era o heroi invencivel. Ele era o filho de Zeus, rei dos deuses, com uma mortal chamada Alcmena, rei dos deuses, com uma mortal chamada Alcmena. A esposa de Zeus estava, como de costume, com ciúme da criança nascida do adultério do marido, dessa maneira o perseguiu com ter­ríveis castigos. Ela fez com que ficasse louco e, em sua loucura, inadvertidamente assassinou a sua esposa e seus filhos. Héracles pediu aos deuses que lhe dessem alguma tarefa para expiar os seus crimes, e o oráculo de Delfos ordenou-lhe que se sujeitasse a 12 anos de trabalhos forçados a serviço do terrível rei Euristeus que Hera favorecia. E assim, o herói sujeitou-se voluntariamente a servir o favorito da deusa, que o perseguiu em reparação de um crime do qual ela era, definitivamente, a responsável.

O primeiro dos famosos Doze Trabalhos que o rei Euristeus exi­giu de Héracles era a conquista do Leão da Neméia, um enorme animal cuja pele era à prova de ferro, bronze e pedra. Como o leão havia despovoado a vizinhança, Héracles não pôde encontrar nin­guém que o dirigisse à sua toca. Finalmente, ele encontrou o animal lambuzado de sangue de sua última vítima. Héracles disparou uma série de flechas, que não conseguiam penetrar a sua grossa pele. Em seguida, usou a sua espada, que simplesmente acabou se dobrando; depois usou o seu bastão, que se despedaçou na cabeça do leão. Então Héracles cobriu uma das entradas da caverna em que o leão se escondia com uma rede e entrou na caverna pelo outro lado. O leão arrancou-lhe um dos dedos, mas Héracles conseguiu agarrá-lo pelo pescoço e o sufocou até a morte com suas próprias mãos. Ele então lhe cortou a pele com uma de suas e afiadas garras e passou a usá-la sempre como armadura e a cabeça como elmo, tornando-se tão invencível quanto o próprio leão.

No sentido interior, Héracles lutando com o Leão da Neméia é a imagem do problema em conter o poderoso e selvagem animal den­tro de nós, preservando, ao mesmo tempo, as qualidades animais que são criativas e vitais. O leão é um tipo especial de animal e reflete um aspecto diferente da psique humana, quando o comparamos aos cavalos fogosos da carta do Carro. Na Mitologia, o leão sempre foi associado com a realeza, mesmo quando está em seu estado mais destrutivo, e esse rei dos animais é, ainda, a imagem de um início infantil, selvagem e totalmente egocêntrico de uma especial indivi­dualidade. Portanto, o Leão da Neméia não é totalmente mau e possui uma pele mágica que pode oferecer invencibilidade. Essa invencibilidade está ligada ao sentido de permanência interior que procede de um sólido sentido do "eu". Quando vestimos a pele do leão que conquistamos, as opiniões das outras pessoas - os grandes "Eles" que amedrontam os corações dos tímidos - pouco significam, pois estamos armados com o nosso próprio sentido indestrutível de identidade.

Por mais prometedor que seja o seu potencial, o leão é selvagem e cruel em sua forma animal. Esse lado de uma pessoa descontrola­da é o impulso do "eu primeiro" que, sem pensar duas vezes, destrói qualquer um ou qualquer coisa em seu caminho, desde que a sua gra­tificação seja assegurada. A raiva é uma das manifestações desse impulso - não uma raiva sadia que seria apropriada para a situação, mas explosiva e furiosa quando não conseguimos o nosso intento. O orgulho implacável é outra de suas facetas - não o auto-respeito, mas uma bombástica e inchada auto-importância que pode nos tornar sel­vagens e rígidos com aqueles dos quais dependemos ou que nos rou­bam o centro das atenções. De muitas formas, o leão, como a crian­ça irada em nós, exige que o mundo esteja à nossa volta, destruindo cega e aleatoriamente quando isso não acontece. Mas, se esse ani­mal for conquistado, então podemos apropriar-nos de sua pele mági­ca que, em termos psicológicos, significa integrar o poder vital da besta, fazendo com que sirva a um ego consciente e responsável. Por conseguinte, a conquista do leão não é verdadeiramente uma morte, mas uma espécie de transformação, de maneira que a força e a determinação do animal sejam expressas por um humano, e não por um animal. Aqui está a ambivalência da carta da Força, pois Héracles poderia simplesmente destruir o animal sem que qualquer benefício fosse extraído do massacre. Essa é a faceta negativa de Héracles dentro de nós: o tipo de força que reprime todo instinto sem qualquer transformação, deixando para trás uma concha dentro da qual vive uma alma sem paixão, sem ira e sem uma verdadeira identidade.

No sentido divinatório, quando a carta da Força aparece em uma abertura de cartas, ela implica uma situação na qual um embate com o leão interior é inevitável, sendo necessário o controle da raiva e do orgulho insensato. Coragem, força e autodisciplina são solicitadas para enfrentar a situação. Por meio dessa experiência podemos en­trar em contato com o animal, mas também com uma parte nossa que é representada por Héracles, o herói que pode domá-la. Portan­to, tendo desenvolvido as faculdades da mente e o sentimento, o Louco agora aprende a lidar com o seu próprio exclusivismo, surgin­do desse encontro com confiança em si e integridade para com o próximo.

11 - O EREMITA

A carta do Eremita retrata um ancião de barba branca envolto em túnica cinza, tendo seu rosto meio encoberto por um capuz. Em sua mão direita, ele carrega uma lanterna que brilha em uma luz dourada; na mão esquerda, uma foice. Um corvo está pousado em seu ombro. Atrás dele, um cenário frio e enevoado de montanhas cinzas sob um céu carregado e opressivo.

Aqui encontramos o antigo deus Cronos, cujo nome significa Tem­po. Na Mitologia, Urano (o Céu) e Gaia (a Terra) uniram-se e gera­ram a primeira raça, os Titãs ou deuses da Terra, entre os quais Cronos era o mais jovem. Mas Urano considerava a sua progénie com horror, pois eram todos feios, imperfeitos e de carne. Por conseguinte, ele trancou os Titãs nas profundezas do Submundo para que não ofendessem a seus olhos. Mas Gaia irritou-se e planejou vingar-se do marido. De seu peito, retirou uma pedra de sílex e mo­delou uma afiada foice que ela deu ao astuto Cronos, seu filho mais jovem. Ao cair da noite, Urano chegou em casa como de costume. Enquanto seu pai quanto dormia, com a ajuda de sua mãe, Cronos armou-se da foice e castrou Urano, jogando seus genitais ao mar.

Cronos então libertou seus irmãos e tornou-se soberano da Terra. Sob o seu longo e paciente reinado, o trabalho da Criação foi com­pletado. Essa época na Terra ficou conhecida como a Era de Ouro, em razão da abundância sobre a qual Cronos presidia. Como deus do Tempo, ele presidiu e administrou a passagem das estações, o nasci­mento e o crescimento seguidos pela morte, gestação e renascimen­to; era venerado tanto como o Anjo da Morte, que estabelecia os limites que o homem e a natureza não podiam ultrapassar, quanto o deus da fertilidade. Mas o próprio Cronos não podia aceitar as leis cíclicas que havia estabelecido, pois, quando foi profetizado que um dia o seu filho o destronaria, como fizera com o seu próprio pai Ura­no, passou a engolir os seus filhos assim que nasciam, para que pu­desse preservar o seu domínio. E assim continua a história de Zeus contada na carta do Imperador e que, na Mitologia, derrubou Cronos e se estabeleceu no reino dos deuses do Olimpo. Alguns dizem que Cronos foi banido para as profundezas do Submundo, mas outros dizem que foi para as Ilhas Abençoadas onde dorme, esperando o início de uma nova Era de Ouro.

No sentido interior, Cronos, o Eremita, é a imagem da última das quatro Lições Morais que o Louco deve aprender: a lição do tempo e as limitações da vida mortal. A ninguém é permitido viver além de seu tempo e nada permanece imutável; e essa é uma simples e óbvia faceta da vida que, apesar de sua simplicidade e do fato de ser evi­dente, para nós é doloroso aprender e da qual muitas vezes nos conscientizamos já com certa idade e com a dura experiência. Cro­nos é um deus que incorpora o significado do tempo e, assim mesmo, ele não o aceita. Então ele é humilhado e destronado, e aprende a ser sábio na solidão e no silêncio. De muitas maneiras, é a imagem do próprio corpo que inexoravelmente envelhece e, no entanto, revolta-se contra o seu mortal destino. O problema da solidão e de descobrir que derradeiramente somos sós e mortais são dilemas que todos os seres humanos devem enfrentar. Aceitar essa condição também é, de certa forma, uma verdadeira separação interna dos pais e da in­fância, pois significa o sacrifício da fantasia que algum dia, em algum lugar, alguém virá e fará com que tudo melhore. "E então eles vive­ram felizes para sempre" é um sentimento que não pode sobreviver no mundo de Cronos. A juventude passa para a maturidade e nunca pode ser recuperada de maneira concreta. Mas a memória e a sabe­doria são adquiridas com o passar do tempo, assim como o dom da paciência.

A lição do Eremita só pode ser aprendida por meio de lutas e conquistas. Cronos é a contraparte de Héracles, pois a luta não pára o tempo. Somente a aceitação do tempo dará direito aos prémios da Idade de Ouro de Cronos. Por meio da limitação imposta e das cir­cunstâncias que somente o tempo, e não a luta, pode liberar, o Louco desenvolve a postura reflexiva, introvertida e solitária de Cronos, o Eremita. De certa maneira, Cronos é uma imagem de humildade que frequentemente se inicia pela humilhação diante do que não pode­mos mudar, mas que pode resultar em uma qualidade de calma e de serenidade sem as quais não poderemos suportar os obstáculos e as desilusões que a vida, às vezes, nos reserva. Entretanto, por mais sábio que seja o intelecto, por mais quente que seja o coração, por mais forte que seja o sentido de identidade, as vicissitudes da vida nos esmagariam se fôssemos incapazes de encontrar em nós mesmos a paciência e a prudência do Eremita, que nos ensina como suportar e esperar em silêncio. A face negativa de Cronos é a calcificação, uma resistência teimosa à mudança e à passagem do tempo. Mas a face criativa desse deus antigo e ambivalente é a sagacidade para mudar o que pudermos, para aceitar o que não pudermos e para esperar em silêncio até conhecermos suas diferenças.

No estado divinatório, a carta de Cronos, o Eremita, prevê um tem­po de solidão ou de isolamento das atividades extrovertidas da vida, para que a sabedoria da paciência possa ser adquirida. Há uma opor­tunidade para estabelecer fundamentos sólidos, se tivermos vontade de esperar. E assim, o Louco finalmente atinge a maturidade, haven­do desenvolvido uma mente e um coração, um firme sentido de iden­tidade e, finalmente, um profundo respeito por suas próprias limita­ções na grande passagem do tempo.

12 - A RODA DA FORTUNA

A carta da Roda da Fortuna retrata três mulheres sentadas dentro de uma caverna escura. A primeira é jovem e tece em uma roca dourada. A segunda é elegante e madura, e mede o comprimento de um fio entre as suas mãos. A terceira é de mais idade e segura um par de tesouras. No centro, entre elas, há uma roda dourada ao redor da qual quatro figuras humanas são colocadas em posições diferentes. Pela abertura da caverna, um cenário com muito verde é visível.Aqui encontramos as três deusas do Destino que os gregos cha­mam de Moiras ou Parcas. Na Mitologia, as Moiras eram filhas da Mãe Noite, concebidas sem pai. Cloto fiava, Láquesis media e Atropos, cujo nome significa "aquela que não pode ser evitada", cortava. As três teciam o fio da vida humana na escuridão secreta da caverna e seus trabalhos não podiam ser desfeitos por deus algum, nem mesmo por Zeus. Uma vez que o destino de um indivíduo fosse tramado, ele seria irrevogável e não poderia ser alterado; e a extensão de vida e a época da morte fariam parte do destino que as Moiras estabeleces­sem. Se alguém tentasse desafiar o destino, tal como alguns heróis o fizeram, ele era afetado pelo que se chamava de "hubris" ou "hybris", que significa arrogância aos olhos dos deuses. É claro que esse indi­víduo não podia fugir ao seu destino e, às vezes, sofria um terrível castigo infligido pelos deuses por tentar superar os limites estabeleci­dos pelas Moiras. Dizem que certa vez Apolo, o deus-Sol, zombou e embriagou as Moiras para poder salvar da morte o seu amigo Admeto. Mas geralmente se acreditava que o próprio Zeus temia as donas do destino por não serem filhas de qualquer deus, mas a progénie das profundezas da Noite, o mais antigo poder do Universo.

No sentido interior, as três Moiras, detentoras da Roda da Fortu­na, apresentam a imagem de uma profunda e misteriosa lei agindo no indivíduo, desconhecida e ainda invisível, que parece precipitar re­pentinas mudanças e subverter os padrões estabelecidos da vida. As quatro figuras na Roda da Fortuna representam as diferentes expe­riências da jornada, pois, quando a vida age dessa maneira, no início não nos preocupamos em procurar a fonte por de trás da Roda, mas sim nossas reações à mudança. O homem no topo foi impulsionado para o sucesso pelo giro da Roda, enquanto o homem no fundo foi esmagado pelo que ele acredita ser "azar" - sem sorte alguma -, quando, na realidade foi a evidente ação de algum misterioso padrão. O homem à direita iniciou a sua subida, ajudado pelo mesmo poder invisível que coroou uma pessoa e derrubou outra; enquanto o ho­mem à esquerda, contra a sua vontade, iniciou a sua descida, pois a Roda girou e a sua "sorte" está se exaurindo.
Entretanto, a carta da Roda da Fortuna não diz respeito às mu­danças bruscas da sorte, do acaso ou por acidente. Atrás da Roda estão as Moiras que planejam de maneira inteligente e organizada as aparentes mudanças aleatórias da vida. Essas figuras antigas estão dentro de nós, bem no fundo do útero do inconsciente, e não fazem parte da personalidade consciente. Nós somente as percebemos por
meio dos efeitos externos que parecem ser obra do Destino, mas que surgem das profundezas de nossa alma e não de um poder externo.

Na realidade, a experiência da Roda da Fortuna é a vivência da­quele "Outro" dentro de nós que, geralmente, projetamos no mundo exterior para poder culpar as pessoas, além de nós mesmos, pelas bruscas mudanças de sorte. O giro da Roda da Fortuna nos obriga a estarmos conscientes desse "Outro", o movimento inteligente que está por trás da Roda e que é o destino que todos temos dentro de nós mesmos. A imagem da própria Roda é profunda, pois seu aro giratório assemelha-se ao cenário em constante movimento com o qual nos deparamos durante a vida; porém o eixo está sempre no centro, uma essência ou fonte constante e imutável. O eixo é como o "eu" oculto que "escolhe" (apesar de não ser uma escolha do ego consciente) voltar-se para as várias situações, acontecimentos, ca­minhos e pessoas. O Destino não vem ao nosso encontro; ao contrá­rio, somos nós que nos dirigimos a ele. Na carta da Sacerdotisa, o Louco descobre a faculdade intuitiva dentro de si, personificada por Perséfone, que pode entrever o padrão em ação.

Na carta da Roda da Fortuna, o Louco encontra o poder que tece o padrão, a própria fonte de vida, distante e invisível, mais antigo do que os mais antigos deuses, com um domínio tão absoluto que nem sequer o rei dos deuses ousa desafiar. Até o espírito está sujeito aos comandos desse centro invisível que os gregos representaram com as Moiras e que desmantelam a nossa complacência e a nossa ilusão de controle.

É possível que a dificuldade e até o medo que algumas pessoas têm com respeito ao estudo do Taro, da Astrologia* e de outras práicas proféticas sejam, em parte, devidos à ansiedade que surge quando a personalidade consciente, acostumada a tomar decisões e com a ilusão da vontade onipotente, confronta-se com esse "Outro" nas profundezas. Apesar de também nos pertencer, não está em nosso
poder controlá-lo, assim como Zeus temia as Moiras. Por conseguin­te, a Roda da Fortuna é mais do que um indicador de mudança. Ela é o emissário de uma profunda jornada interna pela qual o Louco, a nossa própria imagem, gradativamente chega a termos com o seu próprio destino.

No sentido divinatório, a Roda da Fortuna prevê uma mudança repentina da sorte. Isso pode ser tanto no sentido positivo quanto no negativo, mas, independentemente de como gira, ela sempre promo­ve o crescimento e uma nova fase da vida. Não podemos prever o que virá ao nosso encontro - ou melhor, qual será a transformação. Mas por trás dessas mudanças estão as Moiras, uma imagem do centro dentro de nós mesmos. Portanto, o Louco é despertado de sua acomodação e começa a descida para a sua própria fonte.

13 - O ENFORCADO

A carta do Enforcado retrata um homem maduro, de cabelos e barba castanhos. Apesar de estar acorrentado em posição inverti­da, quase nu à beira de um precipício, ele ainda mantém uma expressão serena em seu rosto. Atrás dele, apresenta-se um cenário obscuro de rochas escarpadas, enquanto o Sol do crepúsculo reflete um brilho sanguíneo em seu corpo e ilumina a sua cabeça. Acima dele, uma águia se aproxima.

Aqui encontramos Prometeu, o Titã que desafiou a lei de Zeus roubando o fogo dos deuses para entregá-lo ao homem, que sabia muito bem que sofreria as consequências. O nome Prometeu signifi­ca "antevisão", e o Titã possuía o dom da profecia. Na Mitologia, também se dizia que ele criou o homem a partir da terra e da água de suas próprias lágrimas, enquanto Atena soprou vida na criatura. Prometeu tinha uma profunda compaixão pela sorte da humanidade por ele ser o seu criador.

Mas Zeus confirmava a sua divina supremacia sobre os homens ocultando-lhes o fogo. Isso significava a falta de progresso e de ilu­minação, pois sem o fogo o homem era condenado a viver como um animal, alimentando-se de carne crua e escondendo-se em caver­nas. Prometeu pegou um pouco do fogo sagrado da forja de Hefesto, escondeu-o no caule oco de um funcho e levou-o para a Terra.

Indignado com o roubo, Zeus resolveu exterminar a humanidade por meio de uma inundação a fim de destruir os culpados, pois ele não somente havia sido ferido em seu orgulho, mas com o fogo o homem poderia tentar tornar-se divino. Mas Prometeu advertiu seu filho Deucalião, que construiu uma arca e nela embarcou com sua esposa Pirra. A inundação durou nove dias e nove noites e no décimo dia o dilúvio cessou e Deucalião ofereceu sacrifício a Zeus. Tocado com sua piedade, o rei dos deuses concordou com o seu pedido de renovar a raça humana.

Mas Prometeu não teve a mesma sorte. Como havia previsto, Zeus prendeu-o com correntes indestrutíveis em um alto despenha­deiro nas montanhas do Cáucaso. Todos os dias uma águia descia das alturas para devorar o seu fígado, que a cada noite se refazia para que a tortura fosse mantida indefinidamente. Após trinta anos, Zeus permitiu que ele fosse resgatado por Héracles, que matou a águia e quebrou as correntes do prisioneiro. Prometeu tornou-se imortal e passou a usar um anel de um dos elos da corrente que o prendia como símbolo de seu cativeiro enquanto a grata humanidade erigia altares para honrar o seu benfeitor.

No sentido interior, Prometeu, o Enforcado, é o retrato do sacrifí­cio voluntário para um bem maior. O sacrifício pode ser representado por uma atitude externa ou interna, mas é realizado voluntariamente, aceitando o sofrimento que possa ser exigido. Na carta da Roda da Fortuna, o Louco depara-se com os bruscos golpes da sorte que provocam mudanças extremas na vida. Mas nós, tal como o Louco, podemos corresponder a essas mudanças de várias formas. Algumas pessoas não conseguem se adaptar e continuam agarrando-se ao passado. Outras se tornam amargas e culpam a vida, Deus, a sociedade ou qualquer outra pessoa. A figura de Prometeu é um símbolo da nossa parte que possui a percepção necessária para com­preender que essas mudanças podem ser úteis no desenrolar de um padrão interno que ainda não está claro. Por conseguinte, o Titã re­presenta uma atitude de submissão voluntária para com aquele cen­tro misterioso cujos padrões dependem dos giros da Roda.
Prometeu, o Enforcado, implica a aceitação da espera na escuri­dão. Ele está suspenso, torturado pela ansiedade e pelo medo de que o seu sacrifício possa ter sido em vão e, no entanto, mantém uma expressão serena. E, finalmente, a sua tortura o transforma, assim como o seu relacionamento com os deuses, pois o dom da imortalida­de lhe é concedido. De muitas formas, Prometeu abre mão do con­trole para que um novo e maior sentido de vida possa emergir. Como Prometeu criou o homem, pode-se dizer que ele mesmo também o fosse - uma espécie de espírito visionário dentro de nós que enxerga maiores possibilidades e está disposto a abandonar tudo o que anteri­ormente mantínhamos como sagrado para conseguir essa consciência maior. Como resultado, inicialmente Prometeu torna-se extremamente vulnerável, pois, se estivermos preparados a fazer esse sacrifício em confiança, então estaremos abertos para a vida, e ela poderá nos machucar. Mas o preço dessa entrega de defesas e a realização dessa jornada na solidão e na dúvida parecem ser necessárias para que tudo o que nos sustenta tenha um sentido real quando não puder­mos nos sustentar.

Isso é o que as religiões querem dizer com a verdadeira fé que somente pode ser adquirida por meio de nossas experiências na vida. A carta do Enforcado é um desabrochar natural da Roda da Fortuna, pois implica a disposição em confiar naquele "Outro" que sabe, me­lhor do que o ego, o que pode ser necessário e correto para o nosso desenvolvimento.

No sentido divinatório, Prometeu, o Enforcado, prevê a necessi­dade de um sacrifício voluntário com o propósito de adquirir algo de maior valor. Esse pode ser o sacrifício de algo externo que anterior­mente proporcionou segurança, na esperança de que algum poten­cial possa ter espaço para o seu desenvolvimento. Ou pode ser o sacrifício de uma atitude preferida, como a superioridade intelectual, ou um ódio inesquecível ou uma busca insistente por uma fantasia inatingível. Dessa forma, o Louco responde ao desafio do giro da Roda com uma disposição em colocar a sua confiança nas tramas invisíveis do inconsciente e aguarda - muitas vezes com medo e ansiedade - na esperança de uma vida nova e melhor.

14 - A MORTE

A carta da Morte retrata uma figura envolta em uma túnica preta e seu rosto escondido por um elmo escuro. Suas mãos estão abertas para receber os presentes oferecidos pelos pequenos humanos que se ajoelham diante dela. Um deles lhe oferece uma coroa dourada e outro, uma pilha de moedas. O terceiro, uma criança, oferece-lhe uma flor. Atrás dessa figura sombria, flui um rio escuro. Do lado mais próximo do rio, a terra é seca e árida. Do outro lado, a terra verdejante é gradativamente iluminada pelo Sol que está apenas surgindo no horizonte.

A.qui encontramos Hades, o deus sombrio e senhor do Submundo, com o qual nos deparamos na carta da Imperatriz como o raptor de Perséfone, filha de Deméter. Na Mitologia, Hades era conhecido como o Invisível. Ele também era chamado de Plutão, que significa "riqueza", porque o seu reino era repleto de riquezas escondidas. Hades, filho dos Titãs Cronos e Réa, foi salvo por seu irmão Zeus quando Cronos engolira os seus filhos. Zeus então concedeu a Hades o domínio do Submundo como parte da herança. Sobre esse mundo, o deus sombrio governava como dominador absoluto. Quando emer­gia para o mundo da luz, o seu elmo o tornava invisível para que nenhum mortal o visse. Os rituais da morte exigiam que uma moeda de ouro fosse colocada na boca do morto, pois sem essa oferta a Hades a alma seria condenada a vagar eternamente às margens do rio Estige, à beira do reino do Submundo.
Apesar de ser-lhe conferido menos status do que ao seu irmão Zeus, ele tinha um poder maior, porque a sua lei era irrevogável. Uma vez que uma alma entrava no domínio de Hades, nenhum deus, nem sequer o rei dos deuses, poderia resgatá-la. Apesar de alguns heróis, como Orfeu e Teseu, entrarem ilicitamente no reino de Hades enganando o barqueiro Caronte e conseguindo passar por Cérbero, o cão que guarda a entrada, nenhum deles voltou para o mundo da luz da mesma forma. O poder irrevogável de Hades era tal que os deu­ses juravam seus votos solenes e suas maldições pelas águas do rio Estige, que era veneno puro e, ao mesmo tempo, conferia a imortali­dade.

No sentido interior, Hades, o Senhor da Morte, é a figura perma­nente e final do ciclo da vida. Quando mudamos, uma nova atitude ou circunstâncias novas podem surgir, mas o caminho anterior está morto e nunca mais voltará à sua forma original. Portanto, Hades é o símbolo daquela finalidade que experimentamos em todos os encer­ramentos, assim como sua túnica preta é o símbolo do luto, necessá­rio para o preparo do novo ciclo.

Na carta do Enforcado, deparamo-nos com a experiência da submis­são voluntária às leis ocultas da psique - a decisão de abandonar algo na esperança de que uma nova fase da vida possa emergir. Hades, o Senhor da Morte, representa aquele estado intermediário o qual so­mos levados a enfrentar com a total finalidade de nossa perda, antes do início de uma nova evolução.

A carta da Morte não simboliza necessariamente um final "negativo". A experiência do final irrevogável pode significar acontecimentos alegres como um casamento ou o nascimento de uma criança. Mas esses acontecimentos não somente têm a conotação de um novo iní­cio, como também podem significar a morte de um velho estilo de vida e essa perda deve ser reconhecida e lamentada. E é por isso que temos os modernos rituais como, por exemplo, a despedida de soltei­ros, que reconhece a perda de um estado civil.

Muitas vezes as mulheres (como também os homens) ficam terrivelmente deprimidas com o nascimento de uma criança, porque ainda não houve o reconhecimento de que uma fase da vida morreu e que algo novo nasceu. Assim, uma moeda deve ser paga a Hades, porque ele preside a todos os finais e aos novos começos, sendo que o final é tão importante quanto o começo, devendo ser reconhecido e sentido. Vamos para o Submundo totalmente nus, pois não podemos levar conosco os antigos padrões e atitudes que nos haviam proporciona­do segurança.

Por conseguinte, a carta da Morte não é uma descrição da morte física, mas a inevitável mudança dos ciclos da vida que sempre en­volvem uma finalização. Aos olhos de Hades, a vida pode ser conside­rada como uma sequência de mortes, começando com o abandono das águas reconfortantes do útero para a cruel realidade da separada exis­tência física. Nunca mais viveremos no paraíso abençoado do corpo de nossa mãe. A infância deve morrer para que a adolescência e o desenvolvimento sexual se iniciem, e a juventude, por mais tempo que a prolonguemos com dietas, exercícios e cosméticos, finalmente morrerá para dar lugar à maturidade da meia-idade. Todo relaciona­mento, até o melhor, tem os seus ciclos de começo e fim, pois os nossos sentimentos mudam com o passar do tempo e à medida que cresce a nossa compreensão das outras pessoas. Com o casamento, deixamos para trás o nosso estado de solteiro, assim como deixamos a nossa juventude para trás com o nascimento de nossos filhos, o que nos lembra a nossa mortalidade. E assim, Hades, o Senhor da Morte, é o nosso companheiro invisível durante toda a vida e para quem devemos pagar o nosso tributo.

No sentido divinatório, a carta da Morte implica algo que deve chegar ao fim. Se essa experiência será penosa ou não, depende da capacidade da pessoa em aceitar e reconhecer a necessidade de encerramentos e finalizações. A carta da Morte prevê a oportunida­de de uma nova vida, caso a velha possa ser abandonada. E, dessa maneira, o Louco avança no Submundo deixando para trás a sua vida anterior e preparando-se para um futuro ainda desconhecido.

15 - O DIABO

A carta do Diabo retrata um Sátiro, uma criatura metade homem e metade bode, dançando à música de uma siringe (flauta de sete tubos) que ele segura em sua mão esquerda. Com a mão direita, ele segura duas correntes, cada uma presa a um colar ao redor do pescoço de uma figura humana nua. As figuras - um homem e uma mulher - têm pequenos chifres como aqueles do Sátiro. Apesar de suas mãos e pernas estarem livres para dançar, eles estão presos às suas correntes de medo e de fascinação pela música. Ao redor, aparecem as paredes escuras da caverna.

Aqui encontramos o grande deus Pan que os gregos veneravam como o Grande Todo. Na Mitologia, Pan era filho de Hermes e da ninfa Dríope. Quando nasceu, ele era tão feio - com chifres, barba, cauda e patas de bode - que a sua mãe fugiu apavorada e Hermes o levou para o Olimpo para entreter os deuses. Pan assombrava os bosques e os pastos da Arcádia, e personificava o espírito fértil e fálico da natureza selvagem e indomada. Ocasionalmente ele podia ser amigável com os homens, vigiando seus rebanhos, gado e col­meias. Também participava das festas das ninfas das montanhas e ajudava os caçadores a encontrarem suas presas. Em certa ocasião, ele perseguiu a casta ninfa Siringe até o rio Ladon, onde ela se trans­formou em um feixe de caniços para fugir dos indesejáveis abraços peludos. Como não podia individualizá-la dos outros, ele cortou vá­rios caniços, dos quais fez uma siringe ou flauta de Pan.

Do nome Pan derivamos a palavra "pânico", afinal ele se divertia provocando pequenos sustos aos viajantes solitários. Ele era despre­zado pelos outros deuses que, no entanto, exploravam os seus pode­res. Apolo, o deus-Sol, adulando-o, conseguiu dele a arte da profe­cia; Hermes copiou uma flauta que ele havia deixado cair, declarou ser sua a invenção e vendeu-a a Apolo. E foi assim que o deus-Sol recebeu ilicitamente a sua música e o seu dom da profecia do deus da natureza com aspecto de bode, feio e indomado.

No sentido interior, Pan, o Diabo, é a imagem da sujeição ao mais rude e instintivo aspecto da natureza humana. Como o deus era ve­nerado pelo medo, em cavernas e grutas, sua imagem dentro de nós sugere algo que tanto tememos quanto nos fascinam os rudes e pri­mitivos impulsos sexuais que consideramos "maus" em razão de sua natureza compulsiva.

Desde o início da Era Cristã, o deus Pan foi estabelecido como a figura do Diabo, completo com seus chifres e trejeito irónico, e des­prezado pelas pessoas "espirituais", como Apolo o desprezou, na Mitologia grega. Plutarco conta que, durante o domínio do imperador Tibério, um marinheiro que passava perto das Ilhas Equinades, no Mar Egeu, ouviu uma voz misteriosa chamando-o três vezes, dizen­do: "Quando chegar a Palodes, proclame que o deus Pan está mor­to". Isso ocorria no exato momento em que o Cristianismo* nascia na Judeia.
Mas a presença dessa carta entre os Arcanos Maiores do Taro sugere que Pan não morrera, mas havia sido relegado aos recessos mais profundos do inconsciente, representando tudo aquilo que te­memos, odiamos, desprezamos e, no entanto, nos mantém presos pelo próprio medo e desgosto.

O problema da vergonha do corpo e dos impulsos sexuais, parti­cularmente os que a psicanálise tanto fez para trazer à luz neste século - fantasias de incesto, fascinação pelas funções corporais e excreções, o sentimento de ser sujo e mau, peludo, feio e inferior -, são os que Pan, o Diabo, personifica. Até o homem, ou a mulher, mais "liberado" sexualmente pode sentir essa vergonha secreta a respeito de seu corpo. Podemos sentir alguma nobreza e romantismo no leão furioso na carta da Força ou nos obstinados cavalos da carta do Carro. Contudo, é mais difícil perceber nobreza em Pan. Mas, na Mitologia, Pan não era ruim, ele só era indomado, amoral e natural. A paralisia dos humanos que os leva ao terror e à fascinação cria o problema. Acarta do Diabo implica bloqueios e inibições, geralmente sexuais, que surgem pela falta de compreensão do deus. Apesar de feio, ele é o Grande Todo - a vida nua e crua do próprio corpo, amoral e rude, mas assim mesmo um deus. A energia empregada em manter o Diabo em sua caverna, vergonhoso e oculto, é energia per­dida para a personalidade, mas que pode ser liberada com um efeito imensamente poderoso se tivermos a coragem de encarar Pan.

Por conseguinte, o Louco deve aprender a enfrentar com humil­dade seus próprios aspectos mais inferiores e mais vergonhosos, ou permanecerá eternamente preso aos seus próprios medos. Então, para poder esconder esse segredo vergonhoso, ele deve pretender ser superior e, assim, projeta a sua parte animal em outras pessoas, levando ao preconceito, à inveja e até a perseguição de indivíduos e de raças que, para ele, são "maus".

No sentido divinatório, a carta de Pan, o Diabo, implica a necessi­dade de um confronto com tudo o que na personalidade seja sombrio, vergonhoso e inferior. O Louco deve libertar-se adquirindo conheci­mento e, por meio da aceitação honesta e humilde de Pan, deve liberar o poder criativo que está acorrentado ao seu próprio pânico e autodesprezo. E, assim, ele chega ao coração do Labirinto e enfren­ta a sua própria escuridão nas sombras essenciais de seu corpo para tornar-se o que ele sempre foi - simplesmente natural.

16 - A TORRE

A carta da Torre retrata um edifício de pedra construído em um alto rochedo com vistas para o mar. Das profundezas das águas, surge uma figura poderosa e ameaçadora, com uma coroa de ouro sobre os cabelos castanhos embrenhados de algas e um rabo de peixe que pode ser visto entre as ondas furiosas. Ela aponta o seu tridente ao edifício, que é atingido por um raio e fendido. O mar espuma e o céu é preto e ameaçador, iluminado pelos relâmpagos de uma tempestade.

Aqui podemos ver o famoso Labirinto do rei Minos que foi atingido por um terremoto quando o irado deus Poseidon emergiu das águas para derrubar o seu domínio. Na Mitologia, Minos era o rico e pode­roso rei de Creta. Foi-lhe dado esse poder por Poseidon, deus dos terremotos e das profundezas do oceano, que concordara em tornar Minos soberano dos mares se esse lhe oferecesse em sacrifício um magnífico touro branco. Mas o rei Minos não queria se desfazer de seu touro e escondeu-o entre o rebanho, substituindo-o por um ani­mal inferior. Furioso com o ato de arrogância e de repúdio ao pacto, Poseidon pediu ajuda a Afrodite, a deusa do amor. Afrodite fez com que a esposa de Minos, Pasifae, se apaixonasse perdidamente pelo touro branco. A rainha subornou Dédalo, o artesão do palácio, para que construísse uma vaca de madeira. Pasifae entrou na vaca e o touro branco penetrou Pasifae, e dessa união nasceu o Minotauro, a vergonha de Minos, uma criatura com o corpo de um homem e a cabeça de um touro que se alimentava de carne humana. Aterroriza­do, o rei escondeu essa criatura no coração de um grande Labirinto de pedra que Dédalo construíra a pedido do rei.

Mas o reino não podia permanecer estagnado eternamente e ain­da com esse vergonhoso segredo escondido em seu seio. Assim, Teseu, filho de Poseidon, com a ajuda de Ariadne, filha de Minos, entrou no Labirinto e matou o Minotauro. No mesmo instante, o deus levantou-se furioso de sua cama no oceano e atingiu o Labirinto. A construção foi reduzida a entulho pelo terremoto, enterrando o rei Minos junto ao corpo do Minotauro, e os escravos que eram manti­dos sob o poder de Minos foram imediatamente libertados. Teseu foi proclamado rei de Creta, uma nova era foi inaugurada e o Labirinto nunca mais foi erguido.

No sentido interior, a Torre atingida por Poseidon é uma imagem do colapso dos velhos métodos. A Torre é a única estrutura construí­da pelo homem nos Arcanos Maiores e, portanto, é uma representa­ção das estruturas interna e externa que construímos, como Minos, em defesa contra a vida e como esconderijo para ocultar das outras pessoas o nosso lado menos agradável. De várias formas, a Torre é uma imagem das fachadas socialmente aceitas que adotamos para esconder o nosso animal interior. Então usamos as nossas profissões, as nossas boas credenciais, as nossas associações com instituições e companhias respeitáveis, as nossas atitudes sociais cuidadosamente elaboradas, os nossos sorrisos educados e os nossos intercâmbios mais
diplomáticos, as nossas aparências mais inspiradas e as nossas mo­rais familiares mais rígidas, para ocultar aquele segredo vergonhoso que na carta do Diabo aguarda pelo Louco no Submundo. A Torre é uma estrutura de valores falsos ou superados, de atitudes para com a vida que não emergem de todo o ser, mas são papéis que, como em uma peça de teatro, representamos para impressionar a audiência. Da mesma forma, a Torre também representa as estruturas que cons­truímos no mundo externo para incorporar o nosso eu incompleto.

Assim, quando o Louco confronta o grande deus Pan em nosso Labirinto interior, ele é transformado pelo encontro. Ele se torna hu­milde, mais completo e mais real. Inevitavelmente, essa transforma­ção resultará em mudanças que afetarão a vida exterior. Da mesma maneira que as nossas atitudes são alteradas por qualquer encontro com o que está no subconsciente, também os estilos de vida que escolhemos são alterados. Um dos motivos de tantas pessoas teme­rem esse processo de olhar interiormente é que elas apenas vislum­bram que, havendo descoberto a própria natureza real, não podem mais fingir aos olhos do mundo. O encontro honesto com o Diabo provoca uma profunda integridade interior e, assim, a Torre, o edifí­cio que representa os valores do passado, deve cair. O Louco perce­be as maneiras pelas quais ele traiu o seu "eu" essencial e o choque é semelhante ao tridente de Poseidon atingindo o Labirinto: derruba as defesas e liberta as nossas partes que haviam sido escraviza­das. De muitas maneiras, o Minotauro é como o Diabo, porque ambos representam um segredo animal ligado ao corpo e aos ver­gonhosos sentimentos sexuais que devem ser escondidos, até de nós mesmos, se quisermos nos mostrar inocentes e íntegros aos olhos da sociedade.

No sentido divinatório, quando a Torre aparece em uma abertura de cartas, prevê a derrubada de formas existentes. Essa carta, como as cartas da Morte e do Diabo, depende muito da atitude do indivíduo com relação a quanto lhe é difícil e penoso lidar com ela. É claro que é mais criativo perguntarmo-nos em que ponto estamos restritos e presos a uma falsa persona ou auto-imagem, porque o desejo de romper com essas estruturas irreais pode evitar muita angústia e dor. Mas parece que a Torre cairá de qualquer maneira, indepen­dentemente de nossa vontade, não por causa de alguma maliciosa fatalidade externa, mas porque algo no indivíduo atingiu um ponto insuportável e não pode mais viver assim confinado.

17 - A ESTRELA

A carta da Estrela retrata uma jovem linda, de cabelos compridos e claros, ajoelhada diante de uma arca aberta da qual sai um enxame de criaturas voadoras que escurece o ambiente. Mas o olhar da jovem está fixo na estrela brilhante, em que pode ser vista uma figura feminina em brilhantes vestes brancas.

Aqui encontramos Pandora que, segundo a Mitologia, abriu uma arca que Zeus havia maliciosamente doado à humanidade, liberando assim todos os males. Depois que Prometeu roubou o fogo sagrado dos deuses para doá-lo aos homens, o rei dos deuses resolveu punir severamente a raça humana, o que culminou em uma grande inunda­ção, descrita na carta do Enforcado. Entretanto, antes dessa inunda-ção, a sua raiva foi mais sutil, mas não o aplacou. Zeus pediu a Hefesto, o deus ferreiro, para fazer um corpo de argila e água, dar-lhe força vital e voz humana, e fazer dele uma virgem de grande beleza equiparada à das deusas do Olimpo. Todas as divindades cumularam a criatura de dons especiais e foi-lhe dado o nome de Pandora. Mas Hermes colocou traição em seu coração e mentiras em sua boca. Zeus enviou essa mulher para Epimeteu, irmão de Prometeu, juntamente com uma grande arca. Mas Epimeteu, que havia sido avisado por seu irmão a não aceitar qualquer presente de Zeus, inicialmente a recusou. Mas depois, lembrando-se da terrível vingança que o rei dos deuses havia infligido a Prometeu, apressou-se em se casar com Pandora.
Antes de ser aprisionado e acorrentado em seu pico solitário, Pro­meteu conseguiu advertir Epitemeu a não tocar no cofre e este, por sua vez, avisou Pandora. Mas, apesar de sua beleza, Pandora era preguiçosa, perversa e ignorante. Não levou muito tempo para que a curiosidade a fizesse abrir a arca, e os terríveis males que Zeus ha­via ali colocado escaparam e se espalharam sobre toda a Terra, con­tagiando a humanidade. Somente a esperança, que, de alguma for­ma, havia sido presa na arca com os males, não fugiu.

No sentido interior, a imagem de Pandora e da Estrela da Esperan­ça é o símbolo da nossa parte que, apesar da decepção, da depressão e da perda, ainda pode prender-se a um sentido de significado e de futuro que poderia surgir da infelicidade passada. A Estrela não re­presenta uma convicção plena de planos futuros ou uma solução para os problemas, ou ainda um guia para a ação. Tal como as cartas do Eremita e do Enforcado, a carta da Estrela recomenda a espera, pois o sentido da esperança é uma ténue luz que brilha e guia, mas não dissipa totalmente a escuridão. Portanto, a Esperança é apre­sentada como uma figura feminina, porque é o nosso lado irracional - a intuição - que percebe a Estrela no meio de um enxame de males indesejáveis.

A esperança não afugenta os males ou desfaz a vingança que Zeus planejou. Mas, de alguma forma, e misteriosa­mente, ela oferece fé e, portanto, os olhos de Pandora na figura não olham para a infelicidade da condição humana, mas para o vago, irracional e inexplicável sentido de que o Sol está prestes a surgir.

Essa qualidade de esperança nada tem a ver com expectativas planejadas. Ela é ligada com algo bem fundo dentro de nós que, algu­mas vezes, foi chamado de vontade de viver e que - mesmo sendo uma experiência subjetiva sem qualquer razão visível e concreta -muitas vezes pode representar a diferença entre a vida e a morte. Os médicos conhecem bem essa vontade nos pacientes - a esperança e a vontade de viver no indivíduo que frequentemente encontra os recursos internos para lutar contra a doença que, do contrário, o mataria.

Da mesma forma, indivíduos que sofreram circunstâncias trági­cas ou se confrontaram com desafios maiores do que a capacidade humana pode suportar - como aquelas pessoas que passaram pela experiência do aprisionamento em campos de concentração na Ale­manha e na Polónia durante a Segunda Grande Guerra, ou presenci­aram a destruição de famílias nas invasões russas daTchecoslováquia em 1948 e da Hungria em 1956 - muitas vezes expressaram a sua crença em um sentimento interior de fé e de significado que fizeram a diferença entre a sobrevivência e o completo colapso e a morte.

A Esperança é algo misterioso e profundo, pois parece transcen­der qualquer coisa que a vida nos apresente na forma de catástrofe. No entanto, ela não surge por um ato de vontade, assim como a Estrela não aparece, no mito de Pandora, por meio de qualquer ato deliberado de sua parte. Ela simplesmente está ali, misteriosamente presa na arca, com todos os males, e caso o indivíduo possa vislum­brar o seu brilho delicado, a resposta às dificuldades pode ser radi­calmente alterada. Por conseguinte, a Estrela, a visão norteadora da esperança e da promessa, não surge de uma intenção, mas das cin­zas da Torre que foi destruída.

O Louco aguarda, no meio do entulho, sem saber como e o que reconstruir. No meio dessa confusão e do colapso de velhas atitudes e estruturas, surge a débil e evasiva, mas potente, Estrela da Espe­rança.

No sentido divinatório, quando a Estrela aparece em uma aber­tura de cartas, ela é um indício de esperança, significado e fé em meio a dificuldades. Mas a Estrela também é ambivalente e pode prevenir contra a esperança cega que não prevê qualquer ação ne­cessária. A carta da Estrela anuncia o advento de promessas, uma experiência positiva para o Louco que passou pelo colapso de tudo o que acreditava ter valor em sua vida.

18 - A LUA

A carta da Lua retrata uma misteriosa figura feminina com três rostos, coroada com um diadema da Lua em suas três fases. O seu cabelo é prateado e ela veste uma longa túnica que flui em uma poça de água a seus pés. A sua frente, há um cão de três cabeças e na poça um caranguejo procura sair da água. Atrás dela, o céu é escuro e iluminado somente pela luminescência de sua coroa.

]Aqui encontramos Hécate, a antiga deusa do Submundo, regente da Lua, da magia e dos feitiços. Na Mitologia, Hécate era, às vezes, confundida com Artemis, a deusa da Lua, uma divindade bem mais antiga e poderosa tanto no céu quanto embaixo da terra. Filha de Zeus c Hera, incorreu na ira da mãe ao roubar-lhe um pote de ruge.

Ela fugiu para a Terra c escondcu-se na casa de uma mulher que estava para dar à luz. A experiência com o nascimento tornou-a im­pura e, como consequência, foi levada ao Submundo para que a mancha fosse lavada. Ao contrário, ela se tornou uma das soberanas do Submundo e veio a ser chamada a Rainha Invencível, presidindo as purificações e as expiações. Como deusa dos feitiços, ela enviava demónios à Terra para atormentar os homens em seus sonhos; era acompanhada de Cérbero, o guardião de três cabeças do portal do Submundo, que era a sua forma anima! e seu espírito familiar. Os lugares que ela mais assombrava eram as encruzilhadas, tumbas e cenas de crimes; por isso é que imagens sagradas eram erigidas nas encruzilhadas e veneradas na véspera da lua cheia.

O próprio Zeus honrou Hécate de tal forma que nunca lhe negou o antigo poder que sempre possuiu: de conceder ou de negar os de­sejos dos mortais. Suas companheiras no Submundo eram as três Erínias ou Fúrias, que castigavam as ofensas contra a natureza e representavam, de maneira ameaçadora, as três Moiras ou o Desti­no. E, assim, Hécate é uma das mais antigas imagens da Mitologia, presidindo a magia, o nascimento, a morte, o Submundo e o destino.

No sentido interior, Hécate, a deusa da Lua, é uma imagem das profundezas misteriosas do inconsciente. Já nos deparamos com esse estranho e fugaz reino em duas outras cartas dos Arcanos Maiores: a Sacerdotisa e a Roda da Fortuna. Essas três cartas estão ligadas em significado e representam uma progressão no aprofundamento da compreensão e da experiência do mundo do inconsciente.

Por meio de Perséfone, a Sacerdotisa, o Louco conscientizou-se de uma intuição de suas profundezas pessoais, um "eu" secreto por Irás da vida cotidiana. E, por meio das Moiras que presidem a Roda da For­tuna, ele experimentou o poder do Destino por intermédio de mudan­ças bruscas que revelam uma lei invisível ou um padrão intencional interior. Na carta da Lua, encontramos na imagem de Hécate o oceano da grande coletividade do inconsciente, do qual não somente o indiví­duo, mas a própria vida emergiu.

Hécale é muito mais do que um retrato das profundezas pessoais. Ela encarna o princípio feminino da própria vida e os três rostos, as três fases da Lua, refictem o seu poder multifacetado sobre o Céu, a Terra e o Submundo. Em lermos psicológicos, é desse reino oceânico da imaginação humana que os grandes mitos, os símbolos religiosos e as obras de arte sempre nasceram. E um mundo caótico, confuso c sem limites, do qual o indivíduo com sua jornada pessoal e a sua busca do "eu" é somente uma pequena parte.

O encontro com Hécate, a deusa da Lua, é uma confrontação com o mundo transpessoal no qual os limites individuais se dissolvem e o sentido de direção e do ego se perdem. É como se devêssemos esperar, submersos nas águas desse mundo, enquanto os novos po­tenciais surgem para, eventualmente, tornar-se o nosso futuro. Mas as águas escuras do inconsciente coletivo contêm tanto o positivo quanto o negativo e, às vezes, é difícil distinguir seus movimentos alternados de loucura e de delírio. Ele pode ser um mundo apavoran­te c cheio de ansiedade, pois viver no reino presidido por Hécate significa viver sem conhecimento e sem compreensão. Algo pas­sou por nós e levou consigo o passado, preparando o caminho para o futuro; mas devemos esperar, assim como o feto espera no útero da mãe.

O único caminho para o reino de Hécate é o "Caminho Real" dos sonhos que, como o caranguejo, nos atormenta com um vislumbre c depois volta para a água. A carta da Lua é uma carta de gestação cheia de confusão, ansiedade e perplexidade. Temos apenas o mun­do dos sonhos e a Estrela da Esperança para nos guiar, pois essa imagem do feminino não é pessoal como a da Sacerdotisa. E vaga, ilusória, impessoal e incorpora os humores alternados e a confusão. Hécate não pode ser realmente compreendida, pois é a deusa da magia e inicia o Louco em um mundo maior do que ele próprio, aque­la água primordial que dá origem à vida.

No sentido divinatório, a carta de Hécate, a deusa da Lua, prevê um período de confusão, flutuação c incerteza. Estamos presos ao inconsciente e somente podemos esperar e agarrarmo-nos às imagens incertas dos sonhos e ao sentido de esperança e de fé. Assim, o Louco aguarda o seu renascimento nas águas de um útero maior, apenas consciente de que a sua jornada de desenvolvimento pessoal é tão-somente uma pequena fração de uma vida ampla e desconheci­da que abrange milénios, seguindo eternamente fértil, mas incompleta.

19 - O SOL

A carta do Sol retrata um homem classicamente elegante e de porte atlético, cabelos loiros e com uma coroa de folhas de louro,portando em sua cabeça o disco dourado do Sol. Ele tem asas douradas e veste uma curta túnica branca. Em sua mão direita, ele segura um arco e uma aljava de flechas; com sua mão esquer­da, ele segura uma lira. Ele está em pé entre duas colunas de um pórtico construído em pedras de um dourado pálido. Atrás dele, um cenário verde-dourado pontilhado de árvores de louro brilha sob um quente céu azul. Aqui encontramos Apolo, o radiante deus-Sol, o cavalheiro do Olimpo e senhor da profecia, da música e do conhecimento. O seu apelido era Febo, que significa "aquele que brilha" e, na Mitologia, dizem que seus lugares preferidos eram os altos picos das montanhas. Ele era filho de Zeus e de Leto, a deusa da Noite.

Diferentemente das outras crianças, Apolo não foi amamentado por sua mãe, mas alimentado com néctar c com doce ambrósia assim, imediatamente, o recém-nascido arrancou as suas faixas e ficou dotado do vigor de um ho­mem. Ele andava com seu arco e suas flechas de longo alcance -que Hefesto, o deus ferreiro, havia feito para ele - à procura de um lugar para o seu santuário. Mas o lugar que ele escolheu, um desfila­deiro montanhoso, era a morada da serpente fêmea Píton, uma cria­tura enviada por Hera que, por ciúmes, queria destruir Leto, a mãe de Apolo. O deus matou Píton com uma de suas flechas, coroou-se com louros e chamou o seu novo santuário de Delfos.

Em Delfos, ele estabeleceu o seu oráculo, que era interpretado por uma sacerdotisa posteriormente conhecida como Pitonisa. To­dos os anos, no outono, Apolo saía de Delfos para visitar a misteriosa terra dos Hipcrbóreos, onde ele podia deliciar-se com o eterno céu brilhante. Apolo era o inimigo da escuridão e podia suprimir a maldi­ção da culpa por crimes de sangue e os consequentes sofrimentos.

Entretanto, ele era um deus ardiloso, pois o seu oráculo era ambíguo e vago, e as suas flechas podiam matar tanto animais quanto ho­mens. Consequentemente, ele era considerado o deus da morte brusca, como também o curador que dissipava as doenças e as sombras. A profecia, geralmente o dom das divindades do Submundo, foi grada­tivamente apropriada a Apolo até ele mesmo se tornar o deus da visão de longo alcance.

No sentido interior, Apolo, o deus-Sol, é a imagem do poder da consciência em dissipar a escuridão. Tal como Hécate que, sob o nome de Artemis, na Mitologia era irmã gémea de Apolo, o deus personifica algo maior do que a capacidade do indivíduo em adquirir conhecimento e percepção. Apolo é a imagem do impulso para a consciência que existe em todos nós e, portanto, ele é o complemen­to natural e a antítese de Hécate. Durante muitos séculos e por meio da ascensão e queda de muitas culturas e civilizações, o impulso para o conhecimento e o desejo de liberdade da sujeição à natureza obscura e desconhecida levaram a humanidade para picos impressionantes, mas perigosos. Apolo representa o espírito do impulso intelectual combinado com a visão do futuro que engloba o ideal da perfeição.

Assim, o encontro do Louco com Apolo, o deus-Sol, proporciona-lhe esperança e clareza após a longa noite de espera no útero de Hécate. Por meio de muitas tentativas e perdas, o Louco manteve o seu objetivo e a sua integridade; mas a carta da Lua é um lugar escuro no qual, apesar do fim da jornada estar próximo, o Louco perdeu a sua confiança c o seu poder de ação. Mas Apolo é o dissipador do medo e a sua luz brilhante dissipa as sombras. As som­bras da Lua são como os medos noturnos da infância, que nos fazem sentir pequenos e insignificantes diante da vastidão do desconhecido, ameaçados pelas formas gigantescas que se desenham na escuridão.

Apolo é a imagem da esperança e da fé que surge em todos nós independentemente dos nossos impulsos, uma herança humana de nobreza e de determinação que pode restaurar a fé do Louco em si mesmo, porque também é a fé no significado e no propósito da jorna­da humana. A carta do Sol simboliza o espírito indómito que sempre lutou contra a superstição, a inépcia, a ignorância e a sujeição ao fatalismo e ao desespero.

E esse espírito que luta contra a serpente Píton, a encarnação do poder negativo, do instinto cego e do medo primitivo. A música de Apolo nos arrebata, pois ela utiliza a comunicação transpessoal, atra­vessando culturas e séculos e incorporando a tragédia e o triunfo humanos.

Apolo é um grande deus, respeitado por todos os outros deuses, inclusive até as Moiras foram, em certa época, sujeitas à sua vonta­de - mas somente uma única vez. Entretanto, o deus-Sol também é ambivalente, pois luz excessiva e repentina pode matar se o conheci­mento for prematuro, e destrói o tempo e a escuridão necessários à gestação. Portanto, a carta do Sol segue a carta da Lua. O calor escaldante do Sol pode queimar, por não respeitar as leis da Nature­za. Na Mitologia, Apolo era frequentemente rejeitado em seus avan­ços com as mulheres, pois sua luz era brilhante demais.

No sentido divinatório, a carta de Apolo, o deus-Sol, prevê um tempo de clareza, otimismo e confiança renovada. Torna possível compreender o padrão, planejar o futuro e empreender o caminho para a frente. Os feitiços da noite são dissipados e agora o Louco está de posse da antevisão, do propósito e de uma fé no impulso do espírito humano. Dessa forma, ele se depara com o grande princípio masculino da vida que age tanto no homem quanto na mulher e pro­gride para a sua meta.

20 - O JULGAMENTO

A carta do Julgamento retrata um jovem de cabelos pretos encaracolados, trajando uma túnica branca e um manto de viagem vermelho. Em sua cabeça, um elmo alado e, em seus pés, sandálias aladas. Em sua mão direita, ele segura o caduceu, a vara mágica entrelaçada por duas cobras. Aos seus lados e apenas visíveis, duas colunas, uma branca e outra preta. As escadas em que se encontra ascendem para uma porta pela qual é possível entrever um cenário verde no qual o Sol está apenas surgindo. Diante dele estão vários caixões gravados dos quais os mortos se levantam, esten- dendo-lhe seus braços e desfazendo-se de suas mortalhas.

Aqui, à medida que nos aproximamos do fim do ciclo dos Arcanos Maiores, deparamo-nos com o deus com o qual nos encontramos no início - Hermes, o Psicopompo, Condutor de Almas. Na carta do Mago, Hermes aparece como o guia interior do Louco no início de sua jorna­da da vida - trapaceiro, protetor dos viajantes perdidos e mago, o qual pode indicar o caminho por meio das misteriosas intuições que, na Mitologia, diziam que o deus dispensava.

Agora, ele é revelado como uma divindade poderosa do Submundo, emissário de Hades, que con­voca gentil e eloquentemente os moribundos aplicando a sua vara dourada sobre seus olhos. Mas Hermes também podia convocar as almas dos mortos de volta à vida, como também introduzi-las no do­mínio de Hades.

Na Mitologia, quando Tântalo, o rei da Lídia, cortou o seu filho em pedaços para servi-los aos deuses, Hermes reuniu-os, devolvendo a vida ao jovem. Como arauto dos deuses, Hermes também libertava heróis, como Teseu, que entravam no reino de Hades ilicitamente e ali ficavam presos. Ele também guiou Orfeu nesse reino obscuro à procura de sua esposa Eurídice e o guiou novamente para fora quan­do esse a perdeu pela segunda vez. Dessa forma, o Hermes da carta do Julgamento não é somente o guia, mas também aquele que con­voca e leva as almas para o seu juízo, preparando-as para uma nova vida.

No sentido interior, Hermes, o Psicopompo, é a imagem de um processo que ocorre em certos momentos críticos da vida, como, por exemplo, um exame de consciência, quando as experiências do pas­sado são reunidas e consideradas como parte de um padrão inteli­gente e cujas consequências devem ser compreendidas e aceitas. Esse processo não é uma função intelectual, mas uma ideia do que é engendrado no Submundo da inconsciência. É uma chamada para os mortos se erguerem, para que as muitas e variadas ações e decisões que executamos sejam reunidas a fim de produzir um resultado. O artista passa por esse processo quando, depois de muitas horas, se­manas ou até anos, na tentativa de formular, pesquisar, praticar uma técnica e dar forma a uma vaga ideia ou imagem, finalmente algo "acontece" e uma nova obra criativa vem à luz.

Esse mesmo processo pode ser visto na psicoterapia, em que um indivíduo luta, durante um longo tempo, com as memórias e senti­mentos desconectados do passado e do presente, preso e bloqueado, e, de repente, há uma coesão e o seu padrão de vida finalmente faz sentido. Esse processo pode ocorrer em qualquer plano de vida no
qual nos debatemos e lutamos cegamente diante de uma situação para repentinamente o esforço ser recompensado, surgindo uma sín­tese e um novo desenvolvimento.
Assim é Hermes no máximo de seu poder mágico, revelado como o verdadeiro senhor de toda a jornada do Louco, juntando por meio de um misterioso processo de intuição as experiências e as percepções angariadas em cada estágio da jornada e, magicamente, mesclando-as para formar o início de uma nova e mais ampla personalidade.

Portanto, a figura de Hermes conduzindo as almas para o julga­mento representa um processo de nascimento, que levará a uma personalidade mais completa que, de maneira irracional, provém das experiências combinadas do passado, entremeadas pelo discernimento e pelo sentido de que, na realidade, eventos e opções aparentemente aleatórios estão secretamente ligados.

O juiz dos mortos decide qual futuro merecem os esforços passa­dos e é nesses esforços das cartas passadas que o futuro do Louco é edificado. A carta do Julgamento simboliza a recompensa dos es­forços empenhados, apesar de o juiz estar em nosso interior e não no mundo exterior. Também pagamos por nossos erros de inconsciên­cia e colhemos os frutos da recusa em assumir a responsabilidade de nossas próprias escolhas em cada estágio da jornada.

O Julgamento não é somente a imagem de um novo começo, mas é o início que emerge do passado. Na filosofia oriental, isso é chama­do de carma. Cada pessoa semeia o seu próprio campo e deverá colher o que foi produzido de seu plantio. Apesar de frequentemente ser considerado trapaceiro e mentiroso, na função de Psicopompo, Hermes não permite que a alma minta. Tudo deve ser computado c o Louco encontra finalmente as consequências de todas as escolhas que fez na vida.

No sentido divinatório, quando o Julgamento aparece em uma abertura de cartas, ele prevê um tempo de recompensa por esforços passados. Esse é o período da síntese, da realização do que fizemos e onde nós mesmos criamos o futuro que agora nos aguarda. Trata-se de uma carta ambígua, pois também pode implicar um confronto incómodo com nossas fugas e traições. Nem sempre a recompensa é agradável. Agora, o Louco deve responder por sua jornada, pois chegou o tempo da colheita e tanto os erros quanto os esforços cria­tivos do passado são reunidos para formar o futuro.

Independente­mente do que acontece ao indivíduo em termos de experiências, a carta do Julgamento anuncia o fim de um capítulo da vida. Mas, diferentemente da carta da Morte, ela não implica o luto. Ao contrá­rio, é a clara percepção de quanto fomos autênticos com relação a nós mesmos.

21 - O MUNDO

A carta do Mundo retrata uma serpente dourada enrolada na forma de um ovo que come a própria cauda. Dentro do círculo, uma estranha figura está dançando, metade homem e metade mulher, alada, com uma coroa de louros e segurando em cada uma das mãos uma vara dourada. Em volta da serpente, surgindo das nuvens, um cálice, uma espada, uma tocha e um pentáculo dourado.

Aqui encontramos Hennafrodito que, na Mitologia, era filho de Hermes e de Afrodite. Em uma versão da lenda, ele nasceu como um ser de duplo sexo, mas, em outra versão, essa dualidade ou uni­dade foi adquirida. Originalmente, Ucrmafrodito era uma criança de género masculino e, para esconder o seu nascimento ilícito, Afrodite imediatamente o confiou às ninfas do Monte Ida, que o criaram na floresta. Com a idade de 15 anos, ele era um jovem selvagem cujo principal prazer era caçar nos bosques da montanha. Um dia ele chegou às margens de um lago límpido cujo frescor convidativo fez com que ali se banhasse. A ninfa Salmácis, que governava o lago, apaixonou-se por ele. Ela declarou o seu amor a Hermafrodito c o tímido jovem tentou rejeitá-la. Mas Salmácis o abraçou e o cobriu de beijos. Ele continuou resistindo, porém a ninfa gritou: "Ó deuses! Façam com que jamais algo me separe dele ou ele de mim!" Imedia­tamente, seus dois corpos foram unidos e se tomaram um só.

As quatro figuras que cercam a imagem de Hermafrodito na carta do Mundo pertencem a quatro divindades: Afrodite, a deusa do amor; Zeus, o rei dos deuses; Atena, a deusa da sabedoria; e Poseidon, o deus dos terremotos. Já nos deparamos com esses sím­bolos na carta do Mago: o cálice do amor, a vara da imaginação criativa, a espada do intelecto e o pentáculo da realidade física. Es­ses quatro elementos, nós os encontraremos novamente ao explo­rarmos os quatro naipes dos Arcanos Menores. A serpente em volta de Hermafrodito é a antiga Serpente do Mundo que, como sabemos, incorpora o próprio poder primordial instintivo da vida que se devora e se recria eternamente.

No sentido interior, Hermafrodito é a imagem da experiência de estar completo. Macho e fêmea são mais do que identificações limi­tadas aos órgãos sexuais. São as grandes polaridades que englobam todos os opostos da vida. O ser de duplo sexo, nascido em uma ver­são e adquirido em outra, é o símbolo da potencial integração dos opostos na personalidade. Hermafrodito nasceu dessa forma porque o potencial dessa integração é inerente a todos nós. Mas, de outra maneira, Hermafrodito adquiriu a dupla sexualidade por meio das múltiplas experiências durante toda a jornada dos Arcanos Maiores que derradeiramente levam a esse ser completo. As qualidades do cuidado materno e das éticas paternas, intuição e expressão física, mente e sentimento, relacionamento e solidão, conflito e harmonia, espírito e corpo -- todos esses opostos que brigam dentro de nós e causam essa disputa em nossas vidas, nessa carta são considerados unidos, vivendo em harmonia dentro do grande círculo da Serpente do Mundo que c a imagem da vida inesgotável.

A imagem de integralidade, o sentido de estar completo, como é retratada na carta do Mundo, é uma meta ideal e não algo que possa­mos possuir totalmente. Somos humanos e, portanto, imperfeitos; o andrógino divino está além do nosso alcance. Mas podemos vislum­brar esse estado sempre que houver um sentido de cura interna, quando duas partes conflitantes dentro de nós chegarem a se confrontar para, em seguida, encontrar uma solução que leva à paz e à harmonia.

Geralmente, quando nos deparamos com esses opostos na vida e dentro de nós mesmos, negamos que esse conflito exista, reprimindo metade e rclegando-o ao Submundo do inconsciente. Ou projetamos a metade desconfortável sobre outra pessoa, ou sobre algo que per­tença ao mundo externo, e gastamos energia lutando contra alguma coisa que está realmente dentro de nós. O estado de ambivalência faz parte da condição humana e, no entanto, quantos de nós têm a coragem de admitir essa nossa ambivalência? Nós dizemos: "É claro que quero me casar!", ou: "É claro que quero ter filhos!", ou: "E claro que te amo!", ou: "É claro que acredito em Deus!", ou: "É claro que gosto do meu trabalho!" Mas como seres humanos que somos, também somos complexos e a jornada do Louco é de desco­berta por meio dos nossos próprios opostos, consciente e inconscien­te juntos.

A carta do Mundo é a última dos Arcanos Maiores e o fim da jornada do Louco, mas também é um ovo que insinua ser a semente de uma nova jornada. Dessa forma, sempre que tivermos um senti­mento de "chegada" e houver um momento de realização e de cura, um novo desafio surge, uma nova descoberta da velha jornada espi­ralada. E assim continuamos a crescer e a mudar, sempre nos mo­vendo para a frente e para Hermafrodito, a imagem da integralidade, mas somente conseguindo realizar pequenos avanços e, às vezes, de maneira muito sutil.

No sentido divinatório, quando o Mundo aparece em uma abertu­ra de cartas, ele prevê um tempo de realização e de integração. Esse é um período de triunfo da bem-sucedida conclusão de um assunto, ou a realização de um objetivo que foi duramente trabalhado. Mas esse pico é simplesmente o vislumbre de algo misterioso e evasivo, e Hermafrodito se torna um feto que, eventualmente, surge da caver­na como o Louco.
Assim, o grande ciclo dos Arcanos Maiores termina onde se ini­cia, pois poderíamos começar com Hermafrodito como o futuro po­tencial da personalidade que leva ao nascimento do Louco. E, dessa maneira, o círculo, como a Serpente do Mundo, completa-se.