Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Introdução

As Origens das Cartas de Tarô


As origens das cartas de Tarô - quem primeiro as idealizou, quan­do, onde e com que objetivo - permanecem vagas e duvidosas, apesar dos inumeráveis livros e artigos que tentaram desvendar o mistério que envolve tais cartas. O encanto permanente pelas cartas de Tarô é evidenciado não somente por alguns desses escritos bem funda­mentados e pesquisados e, às vezes, impressionantemente místicos, mas também pelo fascínio que exercem sobre os leigos, apesar das constantes tentativas por parte dos céticos em relegá-las a níveis inferiores de adivinhação, como a leitura de xícaras de café, bolas de cristal e outras. Ainda assim, as cartas de Tarô mantiveram a imaginação dos homens durante, pelo menos, 500 anos e possivelmente muito mais; e, sem dúvida, parece que o interesse continua o mesmo.

O que faz com que essas figuras continuem a exercer esse mágico encanto, inclusive em indivíduos que se consideram racionais e sem qualquer tendência em acreditar nos mistérios do ocultismo? A resposta pode ser, em parte, porque as cartas de Tarô não são "ocul­tas" - ou seja, elas não são sobrenaturais ou mágicas, no sentido em que essas palavras são geralmente usadas, e pelo fato de que não são propriedades exclusivas do iniciado esotérico, mesmo que al­guns estudantes pensem que o sejam. Evidências sugerem que, em meados do século XV - época em que os estudiosos acreditam que as cartas apareceram pela primeira vez -, elas eram disponíveis a qualquer pessoa que pudesse adquiri-las e quisesse dedicar-se à sua compreensão e ao seu uso. Neste livro, a nossa intenção é restaurar a acessibilidade original desse jogo de cartas para que não seja mais de domínio exclusivo do estudioso ou do ocultista que deliberada­mente mistifica o seu simbolismo.

Em diversas épocas, autores do assunto atribuíram a invenção das cartas a uma infinidade de fontes. Alguns alegam que a origem se encontra nos rituais religiosos e nos símbolos dos antigos egípcios;outros, nos cultos misteriosos de Mitra durante os primeiros séculos depois de Cristo. Ainda outros encontram paralelos com as crenças celtas pagas ou com os ciclos da poesia romântica do Santo Graal* que teriam surgido na Europa ocidental, na época medieval. Basea­dos no que é possível ver e tocar em museus, estudiosos mais sérios se concentraram nas cartas de Taro mais antigas, atualmente dispo­níveis, e acreditam que foram pintadas durante a Renascença. É claro que, se quisermos basear a nossa exploração das origens do Taro em evidência comprovada, os primeiros baralhos de Taro -aqueles que incluem tanto os quatro naipes do baralho quanto as estranhas imagens conhecidas como os Arcanos Maiores - surgi­ram durante a segunda metade do século XV e foram pintados na Itália. Existem dois desses baralhos: um deles é conhecido como o baralho de Carlos VI e o outro, como o baralho de Visconti-Sforza. Mas a existência desses maravilhosos baralhos de Taro não fornece qualquer indício de certeza.

Caso sejam, realmente, os primeiros a ser inventados, essa documentação não revela por que, ainda hoje, -quando deixamos para trás, há muito tempo, as crenças peculiares e a visão do mundo da Renascença -, achamos que seus símbolos e suas imagens têm a inexplicável sensação de um profundo significado. Essas lâminas parecem invocar memórias sutis e alguma associação com o mito, a lenda e o folclore e, apesar da objeção racional, alguma história ou segredo, que não podem ser totalmente formulados, nos escapam quando tentamos defini-las de maneira rígida demais.

A Renascença italiana englobou um ressurgimento do clássico pensamento grego com o seu espírito dinâmico de experimentação, aventura e empreendimento. Da triste, rígida e melancólica visão do mundo da Idade Média, o brilhante espírito animista da antiga Grécia explodiu no mundo ocidental com enorme energia e consequências incalculáveis. Manuscritos gregos - particularmente as obras de Platão, os neoplatônicos, os filósofos herméticos de Alexandria e do Oriente Médio - encontraram o caminho para o Ocidente depois do saque de Constantinopla pelos turcos em 1453. Esses manuscritos, que até então não estavam disponíveis na Europa desde que os godos invadiram Roma, chegaram a Florença em uma época na qual os governantes da cidade simpatizavam com esses escritos hereges e o novo espírito rapidamente se espalhou por causa da recente invenção da máquina de imprimir.

Esse movimento hermético neoplatônico desafiou ousadamente as crenças, que, durante muitos séculos, haviam sido consideradas sacrossantas, pois se confrontou diretamente com a autoridade da Igreja, denunciando a obediência cega aos dogmas e encorajando o desenvolvimento psicológico do indivíduo. A visão era tão pagã quanto cristã, e imagens dos deuses e deusas antigos começaram a aparecer na arte da Renascença sendo que, anteriormente, havia unicamente temas religiosos convencionais. O movimento invadiu primeiro a Europa ocidental, no exato momento em que as mais antigas cartas de Taro, das quais temos conhecimento, eram usadas.

É preciso conhecer um pouco dessa nova visão do mundo que o hermético neoplatonismo adotava para, dessa forma, podermos entender um pouco melhor o significado das cartas do Taro. Também poderemos ter uma ideia do motivo pelo qual o Taro caiu em tanto descrédito a ponto de suas cartas serem associadas ao próprio trabalho do Demónio. Essencialmente, a nova visão do mundo desafiava a velha ideia medieval de que o homem era uma pobre criatura pecadora que somente podia conhecer Deus por meio de Sua única intermediária, a Igreja. "Que grandioso milagre é o homem!" tornou-se o grito da reorganização da Renascença, pois, de acordo com a nova visão, o homem era o maravilhoso co-criador no Cosmos de Deus.

O movimento hermético neoplatônico acreditava que o ser humano era, na essência, um microcosmo do Universo maior e que, portanto, o autoconhecimento - conhecimento da alma - era o único e verdadeiro caminho religioso pelo qual era possível reconectar-se com as origens divinas. É claro que o autoconhecimento foi a primeira máxima dos gregos: "Conhece-te a ti mesmo", inscrita acima do por­tal do templo de Apolo, em Delfos. E o conhecimento do ego signifi­cava o conhecimento dos diversos esforços e impulsos interiores do homem e da mulher, alguns sombrios e outros iluminados, assim como o conhecimento dos ciclos de desenvolvimento da vida humana.


Para a recém-despertada mente da Renascença, a multiplicidade de deuses gregos parecia uma melhor e mais autêntica analogia dos padrões complexos do Universo do que o mundo estático da Trindade, com a sua exclusiva divindade masculina e caridosa. Além disso, se o homem fosse um grande milagre e co-criador no Cosmos, então teria direito de interferir consigo mesmo e com o seu mundo, e até de melhorar a criação não tão perfeita de Deus em vez de, obediente, aceitar o seu destino de acordo com os dogmas religiosos. É óbvio que a Igreja tinha de retaliar com grande ferocidade e, eventualmen­te, forçar essa nova visão à marginalização durante os dois séculos seguintes.

Junto aos maravilhosos deuses de múltiplas facetas, a Renascença também adotou um método grego de abordá-los: a arte dos sistemas de memorização que fora inicialmente desenvolvida como uma espécie de chave pictórica para a meditação. Ela era utilizada quan­do um indivíduo queria simplesmente lembrar o texto de um discurso ou de um poema, ou desejava experimentar um sentimento de ligação da alma com o Universo maior. Tais sistemas envolviam o estudo ou a meditação sobre uma série de imagens mágicas, cada uma das quais sendo um símbolo e, por conseguinte, tendo vários níveis de significados. Um exemplo desses sistemas de memorização, ainda usados atualmente, são as Estações da Via Sacra da Igreja Católica que procuram recriar na mente e no coração do observador toda a história da vida de Cristo, de sua morte e ressurreição.


Na Renascença, os sistemas de memorização foram associados aos talismãs mágicos ou emblemas, figuras ou amuletos destinados a evocar no observador o sentido de um certo poder agindo na vida em vários níveis. O objetivo dessa meditação era formar uma espécie de escada para alcançar níveis superiores de consciência e conseguir um discernimento do mundo divino. As imagens dos deuses gregos que aparecem em pinturas, como aquelas de Botticelli e as dos primeiros baralhos de Taro, não são meros ressurgimentos de veneração pagã. Elas eram consideradas símbolos de grandes leis agindo por toda a Criação. A meditação, com essas imagens, destinava-se à recuperação da "memória" do mundo divino da alma, elevando a consciência individual que se achava presa ao mundo trivial da maté­ria, e ligando a pessoa com a sua fonte verdadeira.

Naturalmente, a Igreja considerava o aparecimento dessas imagens pagãs como obra do Demónio e, energicamente, reprimiu os estudos que lidavam com esses assuntos heréticos. Até o advento da chamada Era da Iluminação, que introduziu a visão "científica" e, aparentemente, colocou um fim aos absurdos místicos dos séculos anteriores, as cartas de Taro foram relegadas à vida sombria dos ocultistas dos séculos XVIII e XIX. Não mais acessíveis ao público e sem qualquer importância para uma visão filosófica e espiritual aceitável à sociedade, as cartas foram progressivamente manipuladas e mudadas de acordo com as crenças espirituais particulares do grupo ou da ordem que as possuísse.

Portanto, as atuais cartas de Taro são interessantes mesclas influenciadas desde o pensamento cabalístico até as lendas arturianas, e das práticas mágicas atuais até o simbolismo rosa-cruz. Por mais interessantes que sejam, esses híbridos perderam sua universalidade original e o leitor que deseja aprender mais a respeito das cartas é, muitas vezes, confundido pelo simbolismo obscuro e, em alguns ca­sos, pela rígida doutrina moral e espiritual que foi incutida por uma escola de pensamento particularmente esotérica.

O Taro Mitológico

Neste livro, tentamos restaurar alguma de sua simplicidade origi­nal e da acessibilidade às cartas de Taro, redesenhando o baralho de acordo com as imagens dos deuses gregos tão caros aos artistas e autores da Renascença e que agregam os fundamentos culturais da vida ocidental. Os deuses gregos não são propriedade exclusiva de qualquer particular escola esotérica, doutrina religiosa ou caminho es­piritual. Amoral e, no entanto, contendo profundas verdades morais, eles antecedem e permeiam os nossos símbolos religiosos judeu-cris-tãos, assim como a arte e a literatura de toda a cultura ocidental.

Além disso, continuam sendo as imagens mais fundamentais e precisas que descrevem o funcionamento multilateral e multicolorido da psi­que humana. Eles são símbolos da própria natureza, a nossa própria natureza humana com sua profunda ambivalência de corpo e espíri­to, e seus mutuamente contraditórios esforços para a auto-realiza-ção e para a inconsciência.

A compreensão de nossa própria ambi­valência começou, apenas recentemente, a ser restaurada ao seu antigo objetivo pela moderna psicologia de profundidade, que inevita­velmente teve de voltar à fonte - os deuses pagãos - para poder entender o comportamento humano. Assim, tanto nas cartas como neste livro, aderimos aos tradicionais significados das cartas, ao mesmo tempo ressuscitando os velhos deuses enterrados sob séculos de "re­finamento".

Então, o que é mito? Os nossos dicionários oferecem várias defi­nições. Uma delas diz que mito é uma história irreal - uma perspecti­va que, sem dúvida, é válida em um sentido, mas inadequada em outro.

É verdade que nenhum arqueólogo chegou a descobrir os os­sos de Édipo ou de Hércules. Mas o que pode ser irreal em termos concretos, pode muito bem ser real no nível interior, como uma espé­cie de experiência subjetiva. A palavra mito pode também implicar um esquema ou um plano e é, justamente, esse significado que deve­mos considerar ao visualizarmos as cartas de Taro. Imagens mitoló­gicas são realmente figuras espontâneas criadas pela imaginação humana que descrevem, em linguagem poética, experiências e pa­drões humanos essenciais de desenvolvimento. Atualmente, a psicolo­gia usa o termo "arquétipo" para descrever esses padrões. Arquétipo significa um padrão que é universal e existente em todas as pessoas, em todas as culturas, em todos os períodos da história.

O nascimento, por exemplo, é uma experiência arquetípica. Isso é obviamente real em um nível concreto - todos nós, em certo tempo ou em outro, nascemos. Mas também é uma experiência psicológica de espécie arquetípica, porque sempre que iniciamos algo novo, ou entramos em uma nova fase da vida, há um sentido de nascimento. Nascimento também implica outros estados subjetivos, porque nas­cer significa abandonar as reconfortantes e serenas águas do útero materno, tanto em nível físico quanto psicológico. A morte também é uma experiência arquetípica; todos nós, algum dia, morreremos. Da mesma forma, a morte também é psicológica, porque a vida muda, como nós também mudamos; todas as vezes que há um final de qualquer espécie, uma separação ou o fim de uma fase da vida, há um sentido de morte.

A puberdade, a passagem da infância para a adolescência (e ao estado de homem ou mulher fértil, adulto), também é arquetípica. Todos nós passamos pelos profundos estágios físicos e emocionais da puberdade, entre 12 e 15 anos de idade. Mas também podemos ter essas passagens muitas vezes em nossa vida, em nível interior e subjetivo, sempre que passamos da maneira infantil e inocente de visualizar os acontecimentos para uma compreensão mais real da vida que nos atinge e aprofunda.

É por isso que um mito, como o rapto da virgem Perséfone por Hades, o deus do Inferno, tanto é a imagem do processo da puberdade, com a sua terrível separação do confortável mundo parental para um mundo totalmente desconheci­do da vida, quanto a imagem de uma experiência psicológica que pode ocorrer sempre que ficamos presos a ideias ingénuas e pontos de vista infantis sobre a vida, sendo forçados pela experiência a des­cobrir as profundidades desconhecidas da vida e de nós mesmos.

O mito retrata padrões arquetípicos da vida humana por meio de figuras e histórias. O mito grego* é uma imaginativa descrição, sofisti­cada e eternamente viva, do que somos feitos. Isso foi o que cativou a mente da Renascença e o que transpira nas imagens misteriosas das cartas de Taro, que transcendem às mudanças de cultura e de cons­ciência dos últimos quatro milénios e nos remetem - como os velhos sistemas de memorização - para o sentido de ligação com os antigos e eternos desígnios humanos.

Podemos agora ver que, na realidade, existem dois caminhos pe­los quais é possível abordar as cartas de Taro. Podemos enveredar pela abordagem histórica, que se limita essencialmente aos fatos, ou podemos empreender a abordagem psicológica, que é essencialmen­te arquetípica. Com a primeira podemos explicar - ou, pelo menos, podemos tentar explicar - as origens e intenções iniciais das cartas. Mas a segunda expõe a questão de seu eterno fascínio, apesar do fato de sermos mais bem versados cientificamente. No mundo das imagens da psique, as experiências não são ligadas pela casualidade, mas pelo significado. Outros padrões, que não os concretos, agem dentro de nós e, se não tivermos algum conhecimento da psique, as estranhas coincidências das cartas de Taro poderão nos parecer as­sustadoras ou perturbadoras.

A ligação entre os acontecimentos co-tidianos e as imagens das cartas de Taro não acontece porque as cartas são "mágicas", mas porque há um significado associado.

Isso é o que queremos dizer quando citamos nascimento, morte e puber­dade tanto como experiências externas quanto internas. Passamos por essas experiências constantemente em diferentes níveis e épo­cas de nossa vida, e há uma carta de Taro que descreve cada uma delas; de alguma forma, ela aparecerá misteriosamente, "sem causa aparente", em uma abertura de cartas no momento em que estiver­mos, internamente, vivendo uma experiência arquetípica.

Assim, a maneira pela qual o Taro "opera", a título de previsão, é tal como um espelho da psique. A natureza arquetípica das imagens atinge, de maneira oculta e inconsciente, a intuição do intérprete e reflete nele um conhecimento desconhecido ou percepções que se refiram à situação do cliente - aparentemente revelando fatos que, racionalmente, não seriam possíveis de ser descobertos.

É por isso que poderes de "clarividência" ou "psíquicos" não são pré-requisitos para um intérprete sensitivo, pois a consciência dos padrões arquetípicos ou correntes que opera na vida das pessoas é refletida nas imagens das cartas.

OS ARCANOS MAIORES

Agora podemos nos dedicar às próprias cartas para compreender melhor o grande desígnio, história ou mito arquetípicos retratados em suas antigas imagens.


As 22 cartas dos Arcanos Maiores do Taro consistem em uma série de imagens que retratam diferentes estágios de uma jornada. Esta é uma das viagens familiares de muitos mitos, lendas e contos de fadas, assim como de importantes ensinamentos religiosos. Trata-se da jornada da vida de cada ser humano, desde o seu nascimento, passando pela infância e o poder e a influência dos pais; a adoles­cência, com seus amores, conflitos e contestações; a maturidade, com suas experiências cotidianas e os desafios éticos e morais, per­das e crises, desespero, transformação e o despertar de novas espe­ranças para, eventualmente, alcançar e realizar um objetivo - que, por sua vez, leva a outra jornada.

Esse não é somente um ciclo de idade cronológica, mas também é aquele que ocorre várias vezes dentro do período de toda uma vida, pois tudo o que nos acontece tem início, meio e fim. Assim, a jornada representada pelos Arcanos Maiores é arquetípica, significando que, independentemente do que possam ser os detalhes específicos de uma vida individual, longa ou curta, banal ou dramática, boa ou má, alguns estágios estão à nossa espera no caminho do desenvolvimen­to psicológico. Todos nós fomos crianças e tivemos pais, e continua­mos tendo partes próprias com atitudes infantis e prontas para um novo começo.

Todos passamos por fracassos e sucessos, grandes ou pequenos e, apesar de certas vezes com relutância, todos nós crescemos. Dessa forma, a arquetípica jornada da vida, na realidade, uma jornada inte­rior que ocorre em muitos e diferentes níveis, pode ser encontrada em muitas manifestações criativas ao longo dos milénios. O famoso conto épico babilónico Gilgamesh, com o seu herói lutando contra as forças obscuras do mal, não é muito diferente do filme moderno Guer­ra nas Estrelas.

Mudanças internas provocam acontecimentos externos e estes promovem mudanças internas. Às vezes, é difícil dizer se, por exem­plo, um caso de amor provocou uma atividade criativa e uma nova percepção, ou se essa percepção e uma maneira mais criativa de enxergar a vida nos levaram a um caso de amor. Também é difícil dizer se o fracasso de um negócio nos leva a ser amargos e descon­fiados, ou se a desconfiança inata provoca o fracasso do negócio por (tieio da alienação dos colegas. Portanto, as imagens dos Arcanos Maiores descrevem tanto o estado interior do indivíduo em um de­terminado momento de sua vida quanto as experiências que ele poderá encontrar em seu cotidiano. Os dois estados andam em pa­ralelo porque é o próprio indivíduo que os fundamenta. Como o famoso psiquiatra Cari Jung* certa vez escreveu, a vida de uma pessoa é característica dela mesma.

Adivinhação e percepção psi­cológica caminham juntas com as figuras dos Arcanos Maiores, pois o que acontece no mundo externo está ligado ao nosso mundo inter­no. O mistério de por que uma carta específica aparece em uma abertura de cartas como se fosse "por acaso" e, no entanto, impres­sionantemente relevante não somente à condição psicológica do con­sulente (a pessoa que coloca a pergunta), mas também para as cir­cunstâncias do momento, é inexplicável em termos de causas co­muns. Por esse motivo, muitas pessoas têm medo das cartas, acredi­tando que estejam ligadas à magia ou ao sobrenatural, de alguma forma.
No entanto, elas o são tanto quanto é a nossa psique, cujas profundezas pouco conhecemos e que parece estar ligada ao mundo 'externo" por meio de conexões de múltiplos significados. De certa forma, compreender o significado interior de uma determinada expe­riência - "O que isso tem a ver comigo?" - pode ajudar-nos a en­frentá-la melhor e corresponder de uma forma mais rica e criativa, pois ela não nos parece mais casual, azar ou puro destino. Podemos enxergar traços de nossas próprias características ém tudo o que nos acontece.

A jornada dos Arcanos Maiores é a do Louco, a primeira das 22 figuras. Seguimos o Louco e, ao mesmo tempo, nós assumimos este papel no momento em que ele surge na escuridão da caverna mater­nal e mergulha no desconhecido. Encontramos as experiências fun­damentais da infância- os pais terrenos e os pais internos do espírito e da imaginação - nas cartas do Mago, da Imperatriz, do Imperador, da Sacerdotisa e do Hierofante. Reconhecemos os conflitos e pai­xões do adolescente dentro de nós nas cartas dos Namorados e do Carro. Deparamo-nos com os testes do mundo e os desafios morais da vida nas cartas da Justiça, da Temperança, da Força e do Eremita. Passamos por crises e perdas e o repentino golpe do destino represen­tado pela Roda da Fortuna, e sofremos o desamparo e o desespero do Enforcado e da Morte. Seguimos ainda o Louco, na confrontação con­sigo mesmo, como o arquiteto oculto de seu próprio destino no Diabo e na Torre. Dessa escuridão, nasce a esperança nas cartas da Estre­la, da Lua e do Sol; e a vitória sobre a escuridão e a reconciliação com a vida advêm com as cartas do Julgamento e do Mundo.
As imagens dos Arcanos Maiores são antigas e símbolos evoca­tivos de experiências de vida que pertencem à nossa condição e destino humanos.
Tais símbolos prestam dignidade à vida, porque descobrimos que outros lá estiveram antes de nós e encontraram o caminho, e cresceram e enriqueceram. Todas as cartas possuem significado ambivalente, de maneira a sugerir dimensões de expe­riências tanto negativas quanto positivas. Nenhuma das cartas é to­talmente positiva ou totalmente negativa, apesar de algumas serem mais fáceis ou mais difíceis em termos de qualidade da experiência que descrevem. É por isso que não utilizamos o método de inverter as cartas, interpretando-as como positivas se aparecerem "de cabe­ça para cima" e negativas, "de cabeça para baixo". Essa técnica de inversão é uma inovação moderna e pode confundir em vez de elucidar o significado da carta. O "peso" de positivo ou negativo torna-se mais compreensível no contexto do padrão geral da abertura de car­tas que discutiremos mais amplamente no capítulo apropriado. Mas uma experiência arquetípica e, portanto, a figura arquetípica que a incorpora, é uma mescla tão sutil de positividade e de negatividade que é impossível separá-las totalmente uma da outra.

Todas as cartas dos Arcanos Maiores são rituais de passagem -estágios ou processos, e não resultados finais ou lugares estáticos imutáveis. Cada estágio da vida leva ao seguinte e, apesar de poder­mos, de maneira compreensiva, tentar reter o tempo e permanecer em um lugar confortável, não está em nós, mortais, influir no ciclo do movimento da vida para que estagne em um único esconderijo. Portanto, ao final da jornada, o Louco recomeça a sua caminhada, porque, quando sentimos que alcançamos a meta e realizamos os nossos de­sígnios, uma outra meta, mais profunda ou mais alta, materializa-se além dela, de maneira que todo fim, na realidade, é uma preparação para algo mais que nos leva a reiniciar o ciclo.