Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O NAIPE DE COPAS

As Cartas Numeradas

Na realidade, a lenda de Eros e Psique é o desenvolvimento e o amadurecimento dos sentimentos, e a capacidade do relacionamento com outra pessoa.

De certa forma é uma jornada, uma viagem, mas diferente da grande jornada do Louco pelos Arcanos Maiores, pois se trata de uma aventura específica que diz respeito ao tema central do coração humano.

Psique (em grego, a palavra significa "alma") era uma princesa de grande beleza e de quem a própria deusa Afrodite tinha ciúmes. Ela ordenou ao seu filho Eros, o deus do amor, que castigasse a audaciosa mortal. Logo depois, um oráculo mandou que o pai de Psique, ameaçado de terrível calamidade, levasse a filha a um ro­chedo solitário na qual ela se tornaria vítima de um monstro. Mas, quando Eros viu a jovem que deveria ser sacrificada, ficou tão sur­preso com a sua beleza que levou um tombo e acabou picando-se com uma de suas flechas - aquelas que usava com tanta eficiência para incutir amor tanto em mortais quanto em deuses. E, assim, Eros apaixonou-se por quem sua mãe lhe ordenara destruir.

Tremendo, mas resignada, Psique aguardava em seu rochedo so­litário a realização do oráculo quando, de repente, ela percebeu que estava sendo levada gentilmente pelos ventos a um magnífico palá­cio. Ao cair da noite, quando Psique quase dormia, um ser misterioso apareceu na escuridão dizendo-lhe ser o marido ao qual era destina­da. Ela não podia lhe ver as feições, mas a sua voz era gentil e suas palavras eram cheias de ternura. O casamento foi devidamente rea­lizado, mas ao alvorecer, antes de retirar-se, o estranho fez com que Psique prometesse nunca tentar ver o seu rosto.

Psique não era infeliz com a sua nova vida e nada lhe faltava, com exceção da deliciosa presença do marido que somente a visita­va durante a noite. A sua felicidade teria continuado dessa maneira não fosse por suas duas invejosas irmãs, que plantaram a semente da suspeita em seu coração, dizendo que o marido devia ser um monstro horrível já que lhe escondia o rosto. Tanto insistiram que uma noite, apesar de sua promessa, Psique Ievantou-se da cama que compartilhava com seu marido e acendeu uma lanterna iluminando o rosto misterioso. Em vez de um monstro terrível, ela contemplou o mais lindo jovem do mundo - o próprio Eros. Ao pé da cama, esta­vam a sua aljava e as suas flechas. Chocada, Psique virou-se em direção à cama, mas caiu e feriu-se com uma das flechas, apaixonando-se profundamente pelo jovem deus que ela, anteriormente, havia aceitado porque ele a amava. Ao cair, ela despertou Eros, que a repreendeu por sua falta de fé e imediatamente desapareceu.
O palácio também desaparecera e a pobre Psique encontrou-se novamente no rochedo solitário no seio de um apavorante isolamento.

No início, ela considerou suicidar-se e se jogou em um rio que estava próximo, mas as águas levaram-na delicadamente para a margem oposta. Dali em diante, ela passou a vaguear pelo mundo à procura do amor perdido, perseguida pela ira de Afrodite e forçada pela deusa a submeter-se a uma série de terríveis provações.

Entretanto, ela conseguiu superar todas as provas, assistida pelas criaturas da Natureza - as formigas, os pássaros, os caniços. Ela teve de descer ao Submundo, cujo acesso era proibido a qualquer ser huma­no. Finalmente, sensibilizado com o arrependimento de sua esposa, que nunca deixara de amar e de proteger, Eros implorou a permissão de Zeus para que Psique se reunisse a ele. Afrodite esqueceu o seu rancor e as segundas núpcias dos dois amantes foram celebradas com grande alegria.

O Ás de Copas

A carta Ás de Copas retrata uma linda mulher de cabelos pretos que emerge de um mar espumante. Ela segura uma única e grande taça dourada.Nesta carta, encontramos a deusa iniciadora que é a força ativa responsável pela lenda romântica de Eros e Psique: trata-se de Afro­dite, que nasceu das águas espumantes, a deusa do amor em seus mais nobres e também mais degradantes aspectos.

Na Mitologia, o nascimento de Afrodite foi muito estranho. Quando, pela insistência de sua mãe Gaia, o astuto Cronos castrara o seu divino pai Urano, ele jogou os seus genitais ao mar. Eles flutuaram na superfície das águas produzindo uma espuma branca da qual surgiu Afrodite. Trans­portada pela respiração de Zéfiro, o Vento do Oeste, a deusa foi levada para as margens de Citera (Grécia) e finalmente parou nas praias de Chipre. Ela foi recebida pelas Horas, as deusas das esta­ções, que a vestiram ricamente, enfeitaram-na com jóias e a condu­ziram para a assembleia dos imortais.

Afrodite era uma deusa complexa. Essência da beleza feminina, tudo nela era puro charme e harmonia. Mas também podia ser ciu­menta, maliciosa, vaidosa, enganadora, traiçoeira, preguiçosa e vin­gadora. Ela espalhou por toda a natureza a alegria de viver, embora também fosse a divindade temerosa que enchia os corações huma­nos com o frenesi da paixão. As vítimas escolhidas por Afrodite so­friam, pois chegavam a trair os seus próprios pais, a abandonar os seus lares ou eram acometidas por paixões animalescas ou incestuo­sas. Ao mesmo tempo, Afrodite protegia as uniões legítimas e presi­dia a santidade do casamento.

Em suma, Afrodite é a imagem da força da Natureza. O signifi­cado dos Ases nos quatro naipes dos Arcanos Menores é a erupção inicial da energia vital, e a deusa de cabelos pretos que emerge do mar segurando a taça dourada representa o surgimento do sentimen­to primordial. Esse é o impulso para o relacionamento e, se não esti­vermos prontos, então a outra pessoa não aparecerá. Na lenda, Eros
e Psique nunca teriam se encontrado se não fosse por Afrodite, pois foi o seu capricho que promoveu a ação da história. Portanto, o As de Copas implica o início da grande jornada pelo domínio do coração, no qual a abundância de sentimentos irrompe e impulsiona o indiví­duo ao relacionamento.

No sentido divinatório, o Ás de Copas anuncia uma disseminação de sentimento que, apesar de não ter sido evidenciado, surge como primitivo, vital e, muitas vezes, avassalador. No início de um relacio­namento, o potencial está implícito, embora nem sempre seja mani­festado. E o indivíduo está pronto para embarcar na jornada do amor.

O Dois de Copas

A carta Dois de Copas retrata o encontro inicial entre Eros e Psique. Ela está vestida de branco para proclamar a sua virgindade e está amarrada em um rochedo cercado de água por ordem de Afrodite. Aos seus pés há uma taça dourada. Seu olhar é distante e ela aguarda a sua morte certa pelo monstro que habita a profundeza do mar. Atrás dela, Eros paira no céu, tremulando com seus cabelos louros e suas asas douradas. Em sua mão direita, ele segura uma taça dourada. Em sua mão esquerda, a flecha com a qual, acidentalmente, ele se feriu e, inadvertidamente, apaixonando-se pela mulher que fora ordenado a matar.

O Dois nos quatro naipes dos Arcanos Menores representa a polarização da energia vital inicial dos Ases. Aqui, no Dois de Copas, essa polarização implica a atração entre o masculino e o feminino. O sentimento primordial que irrompeu no Ás agora encontrou um obje-to, assim como Eros encontra a mulher com quem pode se unir. Na antiga fábula de Platão a respeito das origens da humanidade, a alma humana, antigamente, era uma esfera perfeita e continha tanto o masculino quanto o feminino.

Mas essa alma andrógina dividiu-se e, assim, a raça humana, constituída de homens e mulheres, é cegamente levada a buscar a sua metade perdida. Para a mentalidade grega, a atração erótica representava alguma coisa sensual e espiritual, pois, além de proporcionar prazer físico, também era a procura da alma por seu complemento.
Quando um novo potencial começa a surgir do inconsciente na vida do indivíduo, ele inicia por projetar-se sobre alguém ou sobre alguma coisa no mundo exterior. Dessa forma, quando o potencial para a realização indicado no Ás de Copas começa a movimentar-se na pessoa, a primeira indicação desse movimento é a atração pela outra. Nessa outra pessoa, podemos vislumbrar o que nós mesmos estamos nos tornando. Em Psique, que é mortal, o deus Eros perce­be a oportunidade de humanizar-se, pois ele é o espírito desencarna­do do amor que ainda não encarnou em um relacionamento humano. No deus Eros, Psique pressente o potencial da imortalidade que pode elevar o seu amor humano para um nível mais alto e mais espiritual, mas não nesse momento. O Dois de Copas nos apresenta os prota­gonistas da lenda, e o poder primordial de Afrodite se transforma no poder de atração.

No sentido divinatório, o Dois de Copas prevê o início de um relacionamento. Ele também sugere uma reconciliação que, em um relacionamento já existente, passou por dificuldades ou pela separa­ção. Pode até indicar o encontro ou os acordos entre parceiros de negócios, pois aqui também o elemento de relacionamento é evocado.

O Três de Copas

A carta Três de Copas retrata o casamento de Eros e Psique. Em pé, no rochedo cercado de água, Psique está com seu vestido de noiva e seus cabelos enfeitados de flores; ela segura um buque de lírios brancos. Atrás dela, está o noivo que ela ainda não pode ver -Eros, o radiante deus do amor, com seu arco e aljava com flechas douradas. Três ondinas ou ninfas dançam em um círculo ao seu redor, cada qual emergindo da água e segurando uma taça doura­da em comemoração do casamento.
Os Três de todos os naipes dos Arcanos Menores representam o estágio de uma conclusão inicial. Uma nova dimensão de vida está por começar, enquanto a primeira parte da jornada foi completada.

Portanto, o Três de Copas é uma carta de comemoração, represen­tando uma experiência de realização emocional e a conclusão da atração inicial. O casal uniu-se e há um sentimento de alegria e de promessas. Mas a história de Eros e Psique conta algo muito impor­tante sobre esse estágio inicial de realização e de conclusão. Psique ainda não viu o seu noivo nem, no mito, questiona a falta de um encontro real. Inicialmente ela se contenta em viver com Eros em uma espécie de estado onírico no qual ele volta para ela na escuridão da noite. Portanto, junto com a alegria e a comemoração desse casa­mento, paira uma certa ingenuidade. Esse é o estado imediatamente reconhecível de "estar apaixonado", no qual estamos fascinados pela nossa imagem refletida na outra pessoa, mas também é aquele esta­do em que o verdadeiro parceiro ainda não é visível aos nossos olhos. O encontro inicial é uma experiência alegre, uma comemoração do amor e da vida, um excitante início. Grande parte da literatura e do drama do mundo retrata a felicidade desse mesmo estado.

Mas a mensagem é: aproveite-o enquanto puder. Há muito mais à frente, alegrias e tristezas, antes que a jornada pelo naipe de Copas se com­plete e que o amor de Eros e Psique surja com todo o seu potencial humano e divino. O Três de Copas é uma iniciação à vida, cheio de promessas. A virgem casa-se e deixa para trás a sua virgindade e a sua inocência. Essa é a carta da transição anunciando outros desen­volvimentos futuros. A jornada ainda não terminou e há muito traba­lho à frente.

No sentido divinatório, o Três de Copas sugere a comemoração de um casamento, o início de um caso de amor, o nascimento de uma criança ou alguma outra situação de realização emocional e de pro­messas. Mas cada uma dessas situações também é um início, uma iniciação para níveis mais profundos de experiências do coração e o prenúncio de explorações futuras.

O Quatro de Copas

A carta Quatro de Copas retrata Psique, a recente noiva, sentada no magnífico palácio do deus Eros. Através de colunas brancas, vislumbra-se o mar. Aos dois lados de Psique, estão suas invejosas irmãs, uma vestindo preto e a outra, vermelho, ambas sussurrando que o seu noivo seria um terrível monstro; do contrário, por que haveria de ocultar-se nas sombras, visitando-a somente à noite? Psique assume um olhar descontente. À sua frente, quatro taças douradas.

Os Quatro de todos os naipes dos Arcanos Menores são aqueles do descontentamento divino. Apesar de tudo parecer alegre e compensador, ainda existem dúvida e suspeita. O Quatro de Copas retrata esse descontentamento em nível de sentimento. Psique vive na opulência e é visitada à noite pelo marido amante e carinhoso, mas mesmo assim não está satisfeita. Suas invejosas e ciumentas irmãs, de certa forma, são os impulsos interiores da própria alma, pois, apesar de negativos e de provocar-lhe dúvidas, sondam um pro­blema real: a cegueira e a ignorância de Psique quanto a quem e o que é o seu verdadeiro consorte.

Assim, a realização inicial do Três provou ser uma decepção, pois há uma crescente percepção de que alguma coisa está errada, algo que não está sendo considerado. Todos temos essas horríveis irmãs dentro de nós, uma espécie de lado sombra de nossa personalidade que mais parece desejar-nos o mal e, no entanto, somente quer o nosso bem, porque ele nos obriga a analisar mais profundamente e a exigir mais honestidade em nosso tratamento emocional com as pes­soas. Caso Psique tivesse permanecido em seu estado cego e satis­feito de ignorância, ela nunca teria crescido e todo o potencial de seu relacionamento com Eros e o seu próprio "eu" nunca seria alcança­do. Portanto, o Quatro de Copas, a carta dos sentimentos desconten­tes e da insatisfação emocional, por nenhuma razão aparente, é tanto negativo quanto positivo. Ele retrata todas as nossas vãs suspeitas e dúvidas a respeito das outras pessoas; e isso resulta na semente de todas as traições. Entretanto, ele ainda retrata uma misteriosa força inteligente funcionando no indivíduo que, de alguma forma, sabe que ainda há um longo caminho pela frente.

No sentido divinatório, o Quatro de Copas prevê um período de insatisfação, de tédio e de depressão em um relacionamento. Há um sentimento de ter sido abandonado ou trapaceado, apesar de que os trapaceiros somos nós mesmos, graças às nossas expectativas irreais. Essa insatisfação pode levar a um demorado e tácito ressentimento ou pode levar a uma análise mais profunda dos relacionamentos, um ca­minho mais árduo porque as suposições e fantasias anteriores serão então desafiadas.

O Cinco de Copas

A carta Cinco de Copas retrata as consequências da traição de Psique. Suas irmãs despertaram os seus medos a tal ponto que ela acabou quebrando a promessa feita a Eros ao acender uma lanterna para ver o seu rosto enquanto dormia. Aqui podemos ver Psique desesperada diante da cama nupcial vazia. A mão esquerda segura a lanterna, enquanto a direita está levantada em súplica para Eros, que pode ser vislumbrado desaparecendo atrás das colunas de mármore do esplêndido palácio. A frente, quatro taças derrubadas com seu conteúdo espalhado no chão; uma única taça permanece em pé e intacta.

O Cinco de Copas representa aquele período de prova em um relacionamento quando nos arrependemos de certas ações do pas­sado. Essa carta coloca o difícil problema da traição que, como parte do naipe de Copas, é apresentada como uma experiência necessária e potencialmente criativa. Apesar de penosa, a traição quebra o cego encanto mágico de "estar apaixonado" e totalmente envolvido com a outra pessoa, pois trair, às vezes, pode significar ser autêntico.

A traição de Psique não foi um ato impensado ou causado por ambi­ção; ele surge de sua necessidade de conhecer o parceiro, e o deus, de certa forma, está errado em negar-lhe esse conhecimento. Por­tanto, essa é uma ação honesta que provoca o conflito inevitável que,no entanto, é necessário, porque qualquer outra ação constituiria uma autotraição.

Trair a exigência ou a expectativa da outra pessoa é um aspecto difícil, mas frequente, de um relacionamento mais íntimo. O amante, marido ou esposa que diz: "Não procure me conhecer realmente, mas permaneça apaixonado pela imagem que eu lhe apresento", pro­vocará a traição e o traidor, tal como Psique, muitas vezes sofre as consequências. Porém, a presença de uma taça intacta na figura afirma que nem tudo está perdido; alguma coisa ainda resiste que permite trabalhar na reestruturação.

Agora Psique sabe quem é o seu marido, além de saber que o ama, e não a uma simples imaginação. Sem esse ritual de passagem ela ficaria presa à ansiedade e ao ressentimento do Quatro de Co­pas. Nesse momento, ela sofre com o amargo arrependimento, mas ainda resta algo com o que trabalhar.

No sentido divinatório, o Cinco de Copas implica o arrependimen­to de ações passadas. Algo saiu errado, uma traição ocorreu, e há tristeza e remorso. A separação pode ocorrer no relacionamento, mas essa carta não a prevê como definitiva. Resta ainda alguma coisa a ser trabalhada e o indivíduo deve enfrentar o desafio e com-prometer-se com o futuro.

O Seis de Copas

A carta Seis de Copas retrata Psique sentada sobre um rochedo e, atrás dela, um mar calmo. Em sua mão esquerda, ela segura e contempla o conteúdo de uma taça dourada. Em sua mão direita, os restos de seu buque de noiva de lírios brancos. Ao seu redor, outras cinco taças douradas.

O Seis de Copas é uma carta nostálgica. Aqui podemos ver Psique abandonada; o seu misterioso marido se foi e o magnífico palácio desapareceu; tudo o que ela tem são boas memórias. Entretanto, apesar da catástrofe, Psique parece estar tranquila, pois o Seis de Copas não é uma carta negativa. Com o ocorrido, Psique conseguiu
algo muito precioso. Ela realmente viu Eros e agora sabe que o ama pelo que ele é, e não pelo conforto e pelo prazer que ele lhe propor­cionava. Portanto, apesar da perda, ela descobriu algo a seu próprio respeito e é essa verdade que promove a harmonia que podemos ver nessa carta.

A calma e a serenidade que muitas vezes ocorrem depois de uma crise em nossas vidas são relacionadas a esse estágio da história. Aqui, os sonhos e as expectativas irreais do passado, por meio de provas e decepções, de certa forma se cristalizam em algo sólido e real. Psique assumiu o desafio de recuperar o seu amor perdido após o arrependimento e o remorso do Cinco de Copas e, portanto, está em paz consigo mesma. O seu amor tornou-se realidade e agora ela tem alguma coisa com que trabalhar. Nesses momentos, a nostalgia do passado sempre volta para nos assombrar, mas existe uma faísca de verdade nele e não se trata apenas de uma fantasia sentimental sem fundamento. Após a auto-recriminação do Cinco, o Seis de Co­pas representa uma retomada positiva na jornada de Psique para o seu objetivo.

No sentido divinatório, o Seis de Copas anuncia um período de serenidade que resulta das experiências dos sonhos do passado. Al­gumas vezes, um antigo amor volta do passado ou o sonho de um desejo antigo parece ser realizável em um futuro próximo. A ceguei­ra própria do estado de "estar apaixonado" solidificou-se e, apesar de o passado parecer maravilhoso, mas irrevogavelmente perdido, uma parte de sua promessa surge no presente, temperada e reforça­da. Essa carta implica a nostalgia a respeito do passado, mas com uma diferença: o passado pode levar ao futuro e o sonho passa a ser possível, e até próximo de realização.

O Sete de Copas

A carta Sete de Copas retrata a deusa Afrodite instruindo Psique a respeito das tarefas que ela deverá cumprir para poder ficar com Eros novamente. Psique está ajoelhada diante da deusa, reconhecendo a soberania divina em todos os assuntos relativos ao amor. Surgindo da água, Afrodite aponta para as sete taças douradas que flutuam nas nuvens diante dela.

O Sete de Copas representa a dádiva - e o problema - de ser confrontado com muitas possibilidades nos assuntos do coração. Essa é a carta dos "castelos no ar". A intuição percebe todos os tipos de potenciais futuros, mas essas visões de possibilidades devem tornar-se reais e concretas por meio de um grande e árduo trabalho. Psique ergueu-se de seu estado nostálgico retratado pelo Seis de Copas, com um sério compromisso para com o seu amor e, humildemente, ela pede a ajuda de Afrodite, apesar de saber muito bem que a capri­chosa deusa foi quem iniciou todas as mudanças catastróficas da sorte.
Como resposta, Afrodite garante a futura reunião com Eros e é dessa forma que são invocadas as alegres fantasias da solução do relacionamento. Agora, tudo é possível para Psique. Mas Afrodite exige um preço: trabalho árduo e demorado, esforços cansativos, cui­dado e previsão, que podem provocar humilhação e sofrimento. Mas Psique não pode ter Eros de volta sem executar esses trabalhos.

O surgimento de alegres fantasias a respeito de um futuro mara­vilhoso no qual tudo é possível no amor é o natural desabrochar do comprometimento interior já estabelecido no Seis de Copas. Quando conseguimos uma profunda realização dos nossos sentimentos ver­dadeiros ou conseguimos uma ligação com uma importante parte de nós mesmos, tal como Psique conseguiu com o seu amor por Eros, o futuro descortina-se para uma rósea visão. "Agora eu sei como tudo isso aconteceu", afirmamos com confiança, porque agora sabemos que as possibilidades são infinitas.

Mas tempo, escolhas certas e trabalho árduo são necessários para que essas possibilidades se trans­formem em realidade concreta. O relacionamento profundo e ho­nesto que Psique agora almeja promete um futuro feliz. Mas, antes,ela deve aceitar as limitações da realidade: o fato de seu marido ser imaturo demais para aceitar essa honestidade e que ela própria deve aprender a ser paciente, ter fé e perseverança, antes de poder tê-lo de volta.

No sentido divinatório, o Sete de Copas prevê uma situação emo­cional na qual muitos potenciais são evidentes, mas o indivíduo é confrontado pelo desafio de escolher e agir em termos realistas para que esses potenciais se manifestem.

O Oito de Copas

A carta Oito de Copas retrata Psique executando a última tarefa de Afrodite: a viagem ao Submundo para resgatar um pote de creme de beleza de Perséfone. Psique apresenta-se de mãos vazias ao descer os degraus que levam à escuridão do Submundo; seu rosto está triste, mas resignado, pois sabe que provavelmente não sobreviverá à viagem. Atrás dela, abandona­das, oito taças douradas cuidadosamente arrumadas.
O Oito de Copas é a fase mais difícil da jornada de Psique para o seu objctivo de recuperar o relacionamento com Eros: a desistência voluntária da esperança no futuro.

Nenhum mortal vivo pode descer ao reino de Hades e, no que diz respeito a Psique, essa última tarefa que Afrodite lhe impôs deve significar a sua morte. No entanto, ela obedece à deusa por ser leal ao seu compromisso com o amor. Des­sa maneira, trata-se da desistência da esperança. Todas as tarefas tão meticulosamente executadas sugerem, pelas oito taças cuidado­samente arrumadas, que de nada serviram. Ela enxerga a situação como realmente é - que Afrodite jamais cederá - e, desesperada, ela desiste e abandona todas as suas esperanças passadas.

Esse estágio do relacionamento é um dos mais penosos, porque significa que nada mais pode ser feito. Esforços maiores de nada servirão; devemos desistir e começar tudo de novo. Muitas pessoas, quando são confrontadas com o dilema refletido pelo Oito de Copas, recusam-se a aceitar o impasse e continuam a suplicar, ameaçar, coagir e a chantagear o parceiro, na esperança de uma resposta que não é mais possível nas atuais circunstâncias. O Submundo, como vimos na carta da Morte dos Arcanos Maiores, é o símbolo de luto e o abandono do controle; é o lugar da morte e da transformação de nossas velhas atitudes. Portanto, quando não há mais o que fazer, devemos desistir voluntariamente, não a título de "negociação" para garantir uma futura reconciliação - pois esse não é um autêntico abandono -, mas porque é a única coisa a ser feita. Essa é a aceita­ção do que parece ser o destino, a aceitação do fim. Não importa o que aconteça depois, a desistência nos transformará porque é a su­jeição ao que é maior e não à boa vontade do parceiro, mas à vonta­de do divino, aqui representada pela grande deusa do amor.

No sentido divinatório, o Oito de Copas implica a necessidade de desistir de alguma coisa. A verdade da situação deve ser enfrentada; não há o que fazer e não existe outra forma senão desistir. Muitas vezes, a situação leva à depressão, pois o Submundo é um lugar de luto. O futuro não pode ser manipulado e para o desconhecido nos dirigimos de mãos vazias.

O Nove de Copas

A carta Nove de Copas retrata o momento de felicidade quando Psique é resgatada do Submundo e reunida a Eros. Em um roche­do cercado pelo mar, Psique e Eros portam guirlandas de flores e se confrontam de braços dados. Ao lado, Afrodite olha bondosa­mente para os dois, levantando uma taça e abençoando essa união. Abaixo deles, seis taças douradas estão cuidadosamente arrumadas em comemoração à reunião dos amantes.

O Nove de Copas é a carta do desejo que representa a satisfação e a realização de um sonho emocional. Psique e Eros estão final­mente reunidos no mútuo amor honesto. Cada um, à sua maneira, traiu o outro e sabe em nível profundo quem é o parceiro; e compre­enderam e perdoaram-se mutuamente. É por isso que Afrodite aben­çoa a união, pois o poder do amor incondicional humano pode afetar até os deuses. Esse momento extático de realização, diferentemente da comemoração inicial do Três de Copas, foi realmente merecido,não pela força, pela vontade ou pela manipulação emocional, ou ain­da pela proclamação exagerada do auto-sacrifício, mas pelo seguro comprometimento interior assumido pelo único ser humano da histó­ria. Tudo o que Psique fez e realizou foi em fidelidade ao seu próprio sentimento. E, dessa forma, ela adquiriu o direito de reivindicar o seu marido divino, fazendo com que até os deuses se envergonhassem.

Esse segundo encontro é o autêntico casamento de Eros e Psique, sugerindo o que essa união pode vir a ser, pois ela não surge do simples estado de "estar apaixonado", mas do comprometimento tanto ao amor quanto ao ressentimento, à traição, à separação, ao deses­pero e à possibilidade da desistência, se for necessária. Isso é raro, pois a jornada de Copas não diz respeito a "estar apaixonado e viver feliz para sempre", para logo se separar quando o amado decepcio­na. Na realidade, trata-se de uma jornada interior ao encontro de um compromisso com os nossos próprios valores de sentimento e, por­tanto, é uma união tanto interior quanto exterior.

No sentido divinatório, o Nove de Copas anuncia um período de prazer e de satisfação, e a realização de um desejo almejado. Ele representa a recompensa pelos esforços empregados e a validação do nosso comprometimento.

O Dez de Copas

A carta Dez de Copas retrata a elevação de Psique ao nível divino para que ela possa entrar no mundo dos deuses com o seu marido. O casal, de mãos dadas, encontra-se-novamente no esplêndido palácio de Eros. Psique não porta mais o seu traje virginal; a sua veste agora é de ouro cintilante e, sobre seus ombros, como o seu marido, um par de asas douradas. A frente deles, dez taças douradas.

O Dez de Copas representa um estado de permanência e de con­tentamento constante. O êxtase da reunião dos amantes na carta Nove de Copas não foi dissipado como na comemoração da carta Três de Copas e o descontentamento no Quatro de Copas, pois esse casamento se baseia na união consciente de dois amantes, mas par­ceiros diferentes. Por conseguinte, eles poderão usufruir um futuro que suportará qualquer desafio da vida ou dos deuses.

O fato de Psique ter sido elevada ao status imortal implica que, agora, o seu amor por Eros engloba não somente uma dimensão pessoal e sensual, mas também uma dimensão espiritual. Eros foi humanizado pelo seu amor por Psique; ele não precisa mais escon­der dela o seu rosto. Por outro lado, Psique experimenta um sentido de ligação com o divino que somente o amor profundo pode promo­ver. Dizem que, às vezes, o amor por uma pessoa abre o coração para o amor à própria vida; a vida tem significado e propósito, e um mundo mais amplo e mais brilhante descortina-se ao nosso olhar. Certa vez, Platão escreveu: "Quando olhamos para o rosto do ser amado, podemos ver o reflexo do deus que chegamos a venerar". É como se o amor, ao passar por muitas provas e fundamentado na honestidade e na humildade, nos ligasse às nossas próprias almas e com um sentido de permanência, significado e retidão na vida. Essa é a promessa inerente ao Ás de Copas que se realiza no Dez de Copas. Nem todo relacionamento consegue esse feito, assim como não o consegue sempre. Entretanto, nós humanos sempre tentamos.

No sentido divinatório, o Dez de Copas prevê contentamento e permanência duradouros no domínio do coração.

As Cartas da Corte

O Pajem de Copas

A carta do Pajem de Copas retrata um garoto de aproximadamen­te 12 anos, de cabelos pretos e trajando uma túnica lilás; ele está ajoelhado à beira de um lindo lago azul. No chão, uma taça dourada cujo conteúdo o garoto olha atentamente, pois está estudando o reflexo de seu próprio rosto e está maravilhado com sua beleza. Ao seu redor, tufos de botões de íris e narcisos ainda não desabrochados. No cenário, uma vegetação que esconde um céu azul.

As cartas da corte do naipe de Copas são representadas por figu­ras mitológicas que incorporam as características típicas do naipe. Na carta do Pajem de Copas, deparamo-nos com o mutável, vulnerável e sutil início do elemento ar: a emergência nascente da capacidade do sentir. Isso é encenado pela figura mitológica do lindo jovem Narciso. Ele era um tespiano, filho do deus-rio Cefiso e de uma ninfa. Qualquer um poderia se apaixonar por Narciso, mesmo como criança, e seu caminho estava repleto de pretendentes de ambos os sexos que se apaixonavam pela beleza do garoto. Mas sua mãe, advertida pelo adi­vinho Tirésias, nunca permitira que o garoto visse o seu próprio refle­xo. Portanto, ele não tinha noção de sua própria identidade.

Um dia, passeando pela campina tespiana, Narciso chegou a um lago. Esse lago era alimentado por uma fonte de água cristalina e nunca fora perturbado por gado, pássaros, animais selvagens, ho­mens e nem mesmo pelos galhos das árvores que o sombreavam. Procurando saciar a sua sede, ele se ajoelhou e viu o seu reflexo na água, pelo qual se apaixonou imediata e perdidamente. Primeiro ele procurou abraçar e beijar o lindo rapaz que o confrontava, mas logo ele se reconheceu e ficou se admirando naquele lago, hora após hora.

Finalmente, Narciso não conseguia mais suportar a agonia desse inatingível amor. Ele sacou a sua adaga e feriu o seu peito, excla­mando: "Oh, jovem, amado em vão, adeus!", e expirou. O seu san­gue ensopou a terra e dela brotou a flor branca que foi chamada narciso.

Narciso, o Pajem de Copas, inicialmente parece ser simplesmen­te a imagem de um fútil auto-amor. Mas também pode ser visto como uma imagem de autodescoberta, pois para amar outra pessoa é preciso antes o reconhecimento e o amor de si mesmo; do contrário, é um exercício triste e muitas vezes infrutífero procurar na outra pessoa o que o indivíduo ainda não encontrou em si. Esses relacionamentos são destinados ao fracasso, e o egoísmo aparente de Narciso, na realida­de, é o início da descoberta do nosso próprio merecimento de sermos amados.
Frequentemente, esse é o início da genuína capacidade de amar outra pessoa individualmente, em vez de um potencial fornece­dor de qualidades que precisamos para nos sentir completos.
Assim Narciso, o Pajem de Copas, é uma figura ambígua. De um lado, como imagem de um sutil início nascente do sentimento da vida, ele sugere o nascimento de algo novo - a capacidade de amar ou a renovação da fé no amor que anteriormente poderia ter sido prejudi­cada ou traumatizada por um relacionamento infeliz. De outro lado, o sentido do auto-amor que Narciso incorpora é o início da cura, por mais fútil e infantil que ele pareça. Depois de uma penosa separação ou da perda de um ser amado, muitas pessoas passam um longo tempo em uma espécie de crepúsculo emocional, durante o qual elas têm o sentimento de não ter mais nada para dar aos outros. Nesse período, o indivíduo tampouco cuida de si mesmo. Mas os gentis e delicados movimentos dessa renovação da capacidade de amar muitas vezes assume a forma de um interesse lento e gradativo por si -no próprio corpo, no ambiente que o cerca, tentando agradar e ali­mentar a si mesmo com coisas que proporcionem prazer em vez de dor ou de lembranças da dor. Esse é um processo que deve ocorrer antes de o indivíduo estar pronto para arriscar outro encontro emocional.

O Pajem de Copas, tal como os outros pajens dos Arcanos Meno­res, sugere alguma coisa frágil e delicada, facilmente mal-interpretada e prejudicada. Assim também é o nosso sentido nascente do auto-amor, que pode levar a uma relação mais gratificante com a vida. Podemos facilmente chamar Narciso de fútil e egoísta por ele se preocupar unicamente consigo mesmo.

Mas ele precisa começar dessa maneira antes de poder enxergar qualquer outra pessoa e é interessante observar que, na Mitologia, é a sua mãe que tenta man-tê-lo afastado do autoconhecimento e do auto-reconhecimento.

O triste final da história de Narciso também pode ser interpretado em vários níveis. De alguma forma, o Pajem de Copas e tudo o que representa deve ser transformado ou "morrer" - antes que o amor por outra pessoa possa desenvolver-se totalmente. Mas é necessá­rio que esse seja um auto-sacrifício, um movimento genuíno da autopreocupação para a percepção das outras pessoas. Portanto, é próprio e correto que Narciso ponha um fim à sua própria existência, transformando-se no Cavaleiro de Copas, que permitirá ao senti­mento da vida mover-se livremente para o exterior e para as outras pessoas.

Quando o Pajem de Copas aparece em uma abertura de cartas, ele sugere algo novo em nível de sentimento. Isso pode representar um novo relacionamento, uma nova qualidade de sentimento em um relacionamento e até o nascimento de uma criança. Muitas vezes, o Pajem de Copas prevê uma renovação da capacidade de amar, co­meçando pelo amor por si mesmo, após um período de dor e de isolamento. Essa qualidade delicada deve ser logo alimentada, do contrário pode desaparecer rapidamente.

O Cavaleiro de Copas

A carta do Cavaleiro de Copas retrata um lindo jovem de pele clara, cabelos pretos e olhos profundos, montado em um elegante cavalo branco. Ele traja uma túnica roxa e uma armadura prateada toda escamada, e sobre a cabeça porta um elmo com um enfeite em formato de cauda de peixe. Ele conduz o seu cavalo elegantemente ao longo de um riacho borbulhante no qual os peixes saltam da água. Ao seu redor, um cenário romântico de bosques e colinas verdes e, ao longe, o. mar pode ser visto sob um céu azul-claro. Com a sua mão esquerda, ele segura uma taça dourada.

Na carta do Cavaleiro de Copas, deparamo-nos com a dimensão volátil, sensível e mutável do elemento água que, como o riacho, está cheio de vida e em movimento constante. Essa é a representação do herói mitológico Perseu, motivado em todas as suas aventuras pelo amor às mulheres e que, em suas jornadas, deve enfrentar as várias facetas do feminino, tanto obscuras quanto claras, antes de poder reunir-se com o seu amor. Perseu era filho de Zeus e de uma mulher mortal chamada Danae, para quem o deus apareceu em uma chuva de ouro. O pai de Danae, Acrísio, havia sido avisado pelo oráculo de Delfos que sua filha daria à luz um filho que o mataria. Para que isso fosse evitado, ele encerrou Danae e o filho em uma arca e jogou-os ao mar. Protegidos pelas divindades da água, eles foram levados às margens de Sérifos e para a proteção do rei Polidetes. O rei apaixo-nou-se por Danae e a perseguiu durante todos os anos da infância e adolescência de Perseu. Finalmente, Polidetes resolveu matar Perseu porque o jovem era contrário a seu casamento, acreditando que a sua mãe merecia algo melhor. Portanto, o rei enviou o jovem na aparente missão impossível de trazer-lhe a cabeça da terrível Medusa.

Em todo o seu trajeto, Perseu foi protegido pelas deusas. As Gréias, três bruxas que compartilhavam de um único olho, conheciam os segredos do futuro e disseram-lhe onde encontrar Medusa; Atena armou-o com um escudo mágico e foi dessa maneira que o jovem conseguiu matar a górgona, olhando o seu reflexo no escudo espelhado, a fim de proteger sua mãe. Ele levou consigo a cabeça da Medusa e em seu caminho de volta para Sérifos passou pela Etiópia, onde sal­vou a linda Andrômeda das garras de um monstro marinho. Ele ma­tou o monstro, libertou-a e casou-se com a jovem. Ele então voltou para Sérifos e matou Polidetes que, entrementes, tentara seduzir Danae. Isso feito, juntamente com sua mãe e sua esposa, Perseu empreendeu o caminho de volta para o lugar de seu nascimento onde Acrísio, o seu avô, tentara matá-lo.

Apesar de não procurar vingar-se dele deliberadamente, ele acabou matando-o acidentalmente, tor-nando-se, dessa forma, rei de Argos. Mas o lugar era repleto de memórias tristes então decidiu transferir-se para Tirinto, onde fun­dou uma gloriosa dinastia.

Perseu, o Cavaleiro de Copas, é a imagem do verdadeiro espírito romântico, o herói das mulheres em dificuldades, o adorador do amor, da beleza e da verdade, e o defensor dos altos ideais que busca incessantemente o amor perfeito que somente existe no espírito e que sempre parece estar muito próximo, no ser amado seguinte. O espírito romântico do Cavaleiro de Copas incorpora tudo o que é gentil, idealista e bom; não se trata de uma personalidade fraca, ao contrário, ele é capaz de sacrificar tudo em nome de seu ideal ou do ser amado.

Em certo sentido, essa é a imagem do estado de "estar apaixona­do", uma experiência que todo realista presume que, com a familia­ridade do casamento, com os filhos e as obrigações familiares, acabe morrendo, mas que todo romântico acredita que possa e deva perdu­rar para sempre. Quando isso não ocorre, o Cavaleiro de Copas. pode seguir em frente, buscando ainda a derradeira experiência do amor sagrado.

É claro que a santidade do Cavaleiro de Copas não exclui o sexo, mas os relacionamentos sexuais para essa figura devem necessaria­mente estar associados ao amor e ao êxtase espiritual. A "mera" satisfação física não lhe interessa. Historicamente, os ideais do amor romântico que floresceram na Idade Média refletem o espírito do Ca­valeiro de Copas. O jovem cavaleiro sempre adorava a sua amada de longe; ele não a contagiaria com seus desejos carnais, mas lhe escre­veria poesias e, muitas vezes, dedicaria a sua vida para protegê-la.

Perseu é diferente dos outros heróis em virtude, justamente, desse alto idealismo e veneração pelas mulheres. Diferentemente das figuras como Héracles que enfrenta seus desafios porque tenta expiar um pecado ou como Teseu que os enfrenta por serem excitantes, Perseu segue o seu destino pelo amor, principalmente começando pelo amor de sua mãe. Essa qualidade de venerar e de idealizar a mãe é característica do Cavaleiro de Copas, pois, apesar de sua força, ele se ajoelha aos pés de uma rainha uma mulher de maior poder do que ele.

Muitas vezes, a qualidade do amor representado pelo Cavaleiro de Copas contém esse elemento de adoração por uma pessoa diante da qual nos sentimos um tanto indignos - ou por uma pessoa que já esteja casada. Esse ainda não é um amor entre iguais, que encontra­remos mais adiante na Rainha e no Rei de Copas. Mas, à sua manei­ra, é amor e não deveria ser ridicularizado como adolescente ou ima­turo. Sem o Cavaleiro de Copas, viveríamos em um mundo insípido e desprovido de brilho.

Quando o Cavaleiro de Copas aparece em uma ^abertura de car­tas, indica que chegou o momento de o indivíduo experimentar essa dimensão inebriante e romântica do amor. Frequentemente, o Cava­leiro prevê uma proposta de casamento ou a experiência de uma paixão. Em outro nível, às vezes ele implica uma proposta artística, um relacionamento diferente, não menos exaltado e idealista. Ele ainda pode entrar na vida de um indivíduo como um jovem poético e sensível, um arauto do nosso próprio romantismo emergente.

A Rainha de Copas

A carta da Rainha de Copas retrata uma mulher misteriosamente linda, com longos cabelos pretos, um longo vestido verde-turquesa banhado pela água do rio a seus pés e uma coroa dourada. Está sentada em um trono dourado em cujos braços são entalhadas duas serpentes douradas. Na mão direita, ela segura uma taça dourada e, na esquerda, uma maçã. Seu olhar concentra-se no conteúdo da taça. Atrás dela, além dos férteis campos verdes, é possível ver o mar azul sob um céu claro.

Aqui, na carta da Rainha de Copas, deparamo-nos com as pro­fundezas estáveis, contidas e introvertidas do elemento água - o par­ticular mundo interior do sentimento abismal e derradeiramente in­sondável. O quadro é representado pela figura mitológica de Helena, com a qual nos encontramos na carta dos Namorados dos Arcanos Maiores e cuja beleza era tão grande que a Guerra de Tróia ocorreu por sua causa.

Helena era filha de Zeus e Leda e, ao atingir a idade adulta no palácio de seu padrasto, o rei Tíndaro de Esparta, todos os príncipes da Grécia, como seus pretendentes, ofereceram-lhe ricos presentes. Finalmente, casou-se com Menelau, que se tornou rei de Esparta após a morte de Tíndaro. Mas o casamento estava fadado a fracas­sar, pois Afrodite prometera a Paris, o príncipe troiano, a mais linda mulher do mundo se ele a escolhesse no concurso de beleza mencio­nado na carta dos Namorados. E Helena era essa mulher.

No devido tempo, Paris e Helena encontraram-se e se apaixona­ram, e Helena fugiu com ele. O insulto causado ao rei Menelau provo­cou a Guerra de Tróia, na qual Paris foi morto. Finalmente, a beleza de Helena atraiu para si três outros amantes, sem mencionar o herói Teseu, que a sequestrou quando ainda era adolescente. Todos esses outros amantes tiveram os seus favores enquanto ela ainda estava em Tróia e, dessa forma, Helena desfrutou de um período de dez anos de guerra. Quando os troianos foram derrotados, Menelau procurou Helena, a quem havia jurado matar por adultério. Mas, ao vê-la, se apaixonou novamente e a levou de volta a Esparta. Se ela lhe foi fiel ou não durante o resto da vida é algo que a Mitologia não revela.
Helena, a Rainha de Copas, é mais do que a imagem da atraente beleza feminina. Ela incorpora o hipnótico poder do mundo feminino dos sentimentos, um poder mágico e magnético que desafia a mera perfeição física.

Como na lenda, inúmeros homens perseguem Hele­na e, no entanto, ninguém sabe realmente, pela Mitologia, o que a própria Helena almejava ou que tipo de mulher era realmente. E como se ela mesma fosse água e todos os homens a percebessem no reflexo da profundeza de suas próprias almas. Ela é um código, um mistério, motivada por seus propósitos e sentimentos secretos. Pode ser considerada uma prostituta por oferecer os seus favores a tantos homens, dentre eles inimigos de sua própria terra natal.

Entretanto, temos a impressão de que, por mais apaixonada que estivesse, Helena somente faz o que gosta. Para ela, até a escolha de marido é uma opção livre, pois na história ela mostra o seu favo­ritismo por Menelau ao colocar uma coroa de flores em sua cabeça, um fato inusitado para uma mulher daquela época que, geralmente, era obrigada a se casar com a pessoa escolhida pelo pai ou pelos irmãos. Quando se cansa de Menelau, intrepidamente ela persegue a sua grande aventura amorosa com Paris, em vez de recorrer a encontros clandestinos. Independentemente de quem seja o homem que ama, ela se entrega totalmente a ele. Ela conquista os homens com facilidade, pois incorpora todas as íntimas fantasias inconscien­tes da mulher perfeita que eles sempre procuram.

A figura de Helena é tanto a de uma virgem como a de uma prostituta, uma calculadora e uma vítima. Resumindo, ela é um con­junto de paradoxos, pois, apesar de a lógica do coração ser indiscutí­vel, ela ainda desafia a análise racional e, frequentemente, enfrenta a própria moralidade. A Rainha de Copas possui uma característica indefinida e, no entanto, ela provoca problemas onde quer que esteja, ativando as profundezas dos outros e promovendo a ação e o conflito sem fazer absolutamente nada. Portanto, ela pode ser considerada uma imagem do inconsciente, perseguindo seus propósitos secretos sem conhecimento da mente consciente e levando o indivíduo a uma crise ou um conflito, e para uma intensa paixão e destino por meio de seu misterioso poder sedutor.

Quando a Rainha de Copas aparece em uma abertura de cartas, ela indica um período para o indivíduo encontrar o mundo profundo, desconhecido e paradoxal do sentimento em si mesmo. A Rainha de Copas pode entrar na vida do indivíduo como uma mulher misteriosa e enigmática, não necessariamente como uma evidente sedutora, mas estranhamente perturbadora e um catalisador para o surgimento de fantasias e sentimentos profundos que, até então, permaneciam ocultos à consciência. Ela pode aparecer na forma de um ser amado ou como rival; de qualquer maneira, esse encontro não é uma mera casualidade. Ao contrário, é o prenúncio do surgimento dessas qua­lidades da alma que se encontram no indivíduo.

Para a mulher que não tem consciência da Helena em si mesma e se identifica com os lados maternais ou práticos da feminilidade, a Rainha de Copas indica que é o momento certo para encontrá-la, mesmo que o catalisador seja a "outra mulher".
Para o homem que não tem consciência da profundeza de sua alma e baseia sua realidade no pensamento racional e nos fatos con­cretos, a Rainha de Copas anuncia um aprofundamento e desenvol­vimento da vida interior, quer o catalisador seja ou não uma mulher.

O Rei de Copas

A carta do Rei de Copas retrata um homem de pele clara, com cabelos e barba pretos, e grandes e compassivos olhos pretos. Ele veste uma túnica azul-escura e porta uma coroa dourada. Ele está sentado em um trono dourado cujos braços são entalhados com dois caranguejos dourados. Na mão direita, ele segura uma taça dourada e, na esquerda, uma lira. A seus pés, degraus levam para a água de uma enseada da qual emerge um caranguejo. Atrás dele, além do promontório em que está assentado o trono, é possível vislumbrar um mar revolto.

Na carta do Rei de Copas, deparamo-nos com a dimensão ativa e dinâmica da água que procura evidentemente formar relacionamen­tos, e até mesmo guiar e ajudar as pessoas. Esse quadro incorpora a figura mitológica de Orfeu, o cantor, que era sacerdote e curador, mas cuja história é triste e solitária, apesar de ter proporcionado con­solo aos seus semelhantes. Orfeu era filho do rei Eagro da Trácia e da musa Calíope, sendo o mais famoso poeta e músico que jamais existiu. Apolo presenteou-o com uma lira e as musas o ensinaram a tocar, de forma tal que ele não somente encantava as feras, mas fazia até as árvores e as pedras se moverem para seguir o som de suas músicas. Ele se juntou aos Argonautas na busca do Velocino de Ouro e a sua música os ajudou a superar muitas dificuldades. Ao voltar, ele casou-se com Eurídice e estabeleceu-se na Trácia.

Contudo, a sua vida não estava destinada a felicidade. Um dia, um homem procurou assaltar Eurídice no vale do rio Peneu e, ao tentar fugir, ela pisou em uma cobra que a picou, causando-lhe a morte. Mas Orfeu ousadamente desceu para o Submundo procuran­do trazê-la de volta. Ele não somente encantou o barqueiro Caronte; Cérbero, o cão de três cabeças; e os três Juízes dos Mortos, com a sua música melodiosa, como também conseguiu suspender tempora­riamente as torturas dos condenados e tanto consolou o coração ne­gro de Hades que obteve permissão de resgatar Eurídice ao mundo superior. Mas Hades exigiu uma condição: Orfeu não deveria olhar para trás enquanto ela não estivesse segura de volta à luz do Sol. Eurídice seguiu Orfeu pelas passagens escuras guiada pelo som de sua lira. Mas, no último momento, ele perdeu-a confiança e olhou para trás para ver se ela ainda o seguia e, dessa vez, perdeu-a para sempre.

A partir de então, Orfeu assumiu o papel de sacerdote, ensinando os mistérios e pregando os malefícios dos sacrifícios aos homens da Trácia. Porém, o deus Dionísio enciumou-se dele por causa de sua fama entre os homens, que começaram a adorá-lo como se fosse divino. O deus enviou as suas loucas Bacantes ao seu encalço e elas, furiosas que eram, reduziram-no a pedaços. Lamentando e chorando o ocorrido, as Musas recolheram seus restos mortais e os enterraram ao pé do Monte Olimpo, onde os rouxinóis agora cantam mais doce­mente do que em qualquer outro lugar do mundo.

Orfeu, o Rei de Copas, é a imagem do curador ferido, a figura que, pela compaixão e pela empatia, pode curar os outros, mas não pode curar a própria ferida no domínio do coração. De muitas ma­neiras, ele é o antigo equivalente dos modernos assistentes sociais e dos psicoterapeutas - o indivíduo que almeja estar em contato com o mundo do sentimento e procura incessantemente ajudar as pessoas a se relacionarem, mas ao qual, às vezes, falta confiança em sua vida pessoal e, portanto, não consegue alcançar a realização tão de­sejada.

O Rei de Copas coloca o relacionamento e o amor humanos aci­ma de tudo e empenha todos os seus esforços para iniciar e para preservar esse contato emocional. Entretanto, ele permanece curio­samente desconfortável e deve sempre olhar para trás para ver se o que iniciou continua acompanhando-o ainda intacto. E, assim, ele frequentemente perde o que mais deseja.

A figura é profundamente paradoxal, como se o elemento água - que, de muitas formas, é uma imagem do mundo feminino do sentimento - estivesse desconfortavelmente sentado na presença da imagem masculina e dinâmica do Rei. Juntas, ambas ficam estranhas e criam uma peculiar ambivalência.

O Rei de Copas é uma figura de temperamento inconstante e sensível, e muitas vezes de sentimento profundo e um raro dom em comunicar esse sentimento para afetar e influenciar as pessoas. Ele mesmo nunca abre mão do controle.

É por isso que as Bacantes de Dioniso, a multidão de mulheres extáticas que segue a corte do deus, o desmembram, pois, de certa forma, ele deve se tornar inofensivo e metaforicamente reduzido a pedaços, antes de se tornar algo além de conselheiro para as dores alheias.

O próprio Orfeu não se realiza realmente na vida, já que colocou em risco a oportunidade da felici­dade pessoal por meio de sua desconfiança na palavra de Hades. Isso, em si mesmo, nos mostra muito a respeito do Rei de Copas, pois, apesar de poder iniciar relacionamentos e falar constantemente a esse respeito, ele não confia totalmente no mundo do inconsciente que não pode enxergar. E, assim, o lugar de seu trono é perto da água, mas não pode mergulhar nela com medo de se afogar, o que significaria passar o controle para outra pessoa.

No sentido divinatório, quando o Rei de Copas aparece em uma abertura de cartas, indica que chegou o tempo de o indivíduo experi­mentar esse lado ambivalente de si mesmo - o dotado conselheiro e curador que pode empatizar e ajudar as pessoas, mas que não pode confiar na vida o suficiente para seguir o seu curso.

É característico o fato de que muitas pessoas, cuja profissão se relaciona com a as­sistência social, escolhem essa vocação pois foram feridas em rela­cionamentos pessoais, dos quais permanecem em controle para não serem profundamente feridas novamente.

Apesar de essa espécie de dinâmica poder ser uma grande contribuição para os outros, o indivíduo engana a si mesmo. Caso o Rei de Copas entre na vida do indivíduo na forma de uma pessoa que incorpore essas qualidades, então isso pode ser considerado como uma indicação de que seja o momento de encontrar-se com essa sua própria dimensão.
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