Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O NAIPE DE ESPADAS

As Cartas Numeradas

A história de Orestes e a maldição da Casa de Atreu é uma histó­ria sombria, cheia de conflitos e de mortes, e uma das mais podero­sas dos mitos gregos. Em seu ponto focal, está o conflito de dois grandes princípios opostos - o direito de mãe e o direito de pai -, e é esse embate de princípios que faz com que o conto seja adequado para ilustrar o conflitante e turbulento, mas imensamente criativo naipe de Espadas. Esse naipe trata da mente humana em sua forma mais poderosa: a capacidade de criar o bom ou mau destino, de acor­do com a força das nossas crenças, convicções e princípios.

A completa lenda da maldição da Casa de Atreu é longa e contur­bada, e aqui trataremos principalmente de seu capítulo final. Resu­midamente, ela começa com o crime do rei Tântalo da Lídia, que se tomou tão arrogante que, em sua loucura, zombou dos deuses. Ele cortou o seu pequeno filho em pedaços, servindo-os como banquete aos deuses que ele havia convidado para testar a sua sabedoria. Por esse ato de selvageria e de arrogância, os deuses amaldiçoaram a descendência de Tântalo. E, assim, a maldição da Casa de Atreu começa com o uso impróprio da mente: o dom ambivalente do ho­mem, que o eleva acima dos animais, mas também lhe proporciona o poder de destruir desenfreadamente.

Iniciamos a nossa exploração do naipe de Espadas com Orestes, o jovem príncipe de Argos que descobriu que a maldição da família havia sido transferida para ele na forma de uma terrível escolha. Orestes era filho do rei Agamenon e da rainha Clitemnestra de Argos, e a maldição passara pelo pai e pelo avô de Agamenon. Quando a guerra entre gregos e troianos foi declarada (cujo início tivemos um vislumbre na história de Paris, na carta dos Namorados dos Arcanos Maiores), Agamenon era um dos chefes militares eleito para coman­dar os exércitos que se dirigiram para Tróia pelo mar. Com sua ar­rogância, ele conseguiu ofender a deusa Hécate (Artemis), zombando dela em um de seus santuários sagrados. Zangada, Hécate provocou uma terrível tempestade que segurou a frota grega no porto.

O oráculo da deusa informou Agamenon que deveria oferecer um grande sacrifício a ela antes que a deusa acabasse com a tempestade: ele deveria sacrificar a sua própria filha Ifigênia no altar da deusa em Aulis ou então desistir da potencial glória de liderar os exércitos gre­gos para Tróia.

Para Agamenon (psicopata), a glória era muito mais importante do que uma filha, afinal ele tinha outra, chamada Electra, e filhas eram menos valorizadas do que filhos. Assim, ele enganou a sua esposa Clitemnestra anunciando que Ifigênia deveria casar-se em Aulis. A menina saiu de casa e dirigiu-se para o campo militar de Aulis, onde foi sacrificada. Quando Clitemnestra soube do ocorrido, Agamenon já estava a caminho de Tróia.

Os exércitos gregos ganharam a guerra, Tróia foi saqueada e Agamenon voltou para casa como herói. Mas, durante a sua ausência, Clitemnestra planejara uma vingança pela morte da filha. Ela aceitou Egisto como amante e os dois planejaram o assassinato de Agamenon. Quando ele chegou em casa cercado de suas tropas vitoriosas, ela o recebeu amavelmente e o conduziu para o banho, onde, juntamente com o amante Egisto, o assassinou. Para prevenir qualquer interferência no plano, Clitemnestra havia enviado o filho Orestes para a longínqua cidade de Fócida, para que ele nada sou­besse do crime e não tentasse salvar ou vingar o pai.

Enquanto isso, o deus Apolo apareceu a Orestes na Fócida, con-tou-lhe o ocorrido e disse que ele deveria vingar a morte de seu pai, pois essa era a obrigação de um filho. Horrorizado, Orestes protes­tou, porque isso significava cometer um matricídio. Mas Apolo o ameaçou com a loucura e outros terríveis castigos caso ele se re­cusasse a obedecer ao seu comando.

Finalmente, o jovem príncipe aceitou a vontade do deus com um coração pesaroso, pois matar a própria mãe - apesar de correto, de acordo com a lei patriarcal de Apolo - significava ser levado à loucura e à morte pelas Fúrias, as terríveis deusas da vingança que consideravam esse o pior de todos os crimes humanos, de acordo com sua lei matriarcal. Enfim, Ores­tes aceitou o seu destino e, em segredo, viajou de volta para Argos.

Ao chegar ao palácio, somente o seu cão o reconheceu, mas finalmente também a sua irmã Electra, que desejava ardentemente vingar a morte do pai. Ajudado pela irmã, Orestes primeiro matou Egisto e depois a sua mãe. Dessa forma, ele cumpria a vontade de Apolo.

Mas imediatamente as Fúrias apareceram com suas cobras nos cabelos, asas de couro e rostos horríveis, e o enlouqueceram com terríveis pesadelos e visões. Elas o assombraram por toda a Grécia até que, desesperado e exausto, ele procurou refúgio no altar da deusa Atcna. Essa deusa teve piedade do jovem príncipe que, sem culpa moral própria, estava preso entre duas forças poderosas e destrutivas. Ela convocou um júri de 12 juízes humanos que pudes­sem avaliar o caso.

O júri ficou dividido em seu juízo - seis foram a favor de Apolo, afirmando que o pai era a pessoa mais importante da vida, e seis foram a favor das Fúrias, afirmando que era a mãe a pessoa mais importante da vida. Foi a própria Atena que decidiu o caso, votando a favor de Orestes no exato momento em que ele expirava. A deusa então fez as pazes com as Fúrias, oferecendo-lhes seu próprio altar e a veneração honrosa, e dessa forma Orestes foi libertado e a antiga maldição da Casa de Atreu foi finalmente desfeita.

O Ás de Espadas

A carta do Ás de Espadas retrata uma linda mulher em armadura completa e elmo de batalha. Ela assume uma postura ameaçadora e segura uma espada de gume duplo. Atrás dela, um cenário de picos nevados e um céu cinzento carregado de nuvens.

No As de Espadas, encontramos novamente Atena, a deusa da justiça, com a qual nos deparamos na carta da Justiça dos Arcanos Maiores. Apesar de não ter sido a iniciadora da maldição da Casa de Atreu, assim mesmo é ela quem a soluciona quando Crestes a ela se dirige em seu desespero. A espada de Atena é de gume duplo, pois o poder de corte da mente, com a sua especial capacidade humana de formular ideias e convicções que estimulam as ações e as conse­quências dessas ações, pode gerar um terrível sofrimento e, ao mes­mo tempo, soluções novas e sublimes. Por conseguinte, a espada de Atena corta dos dois lados, pois a apaixonada e até rígida aderência a um princípio é quem dá início ao conflito da lenda; e é o surgimento de um novo e mais viável princípio que resolve e acaba com ele.

Tal como o Ás de Copas e o Ás de Paus, o Ás de Espadas anun­cia o surgimento de energia primordial e, aqui, ela é a erupção inicial de uma nova visão do mundo. Mas essa nova percepção ameaça imediatamente a antiga ordem e, dessa forma, o Ás de Espadas, apesar de sua energia ser poderosa e potencialmente criativa, assi­nala o início de um grande conflito. Muitas vezes, o despertar dos poderes mentais significa um inevitável embate com as crenças que, anteriormente, fizeram parte de nossas vidas.

Uma nova visão das coisas não é tão simples quanto parece, pois nós, seres humanos, somos famosos por provocar guerras e sermos indulgentes com os terríveis atos de selvageria em nome de um novo princípio. E só olhar para a Revolução Francesa de 1789 e para a Revolução Russa de 1917 para entender a força de uma nova ideia, e a frequência com a qual ela provoca um grande conflito antes de ser integrada na vida. Até em um nível mais pessoal, a nova energia primordial da mente que desperta à vida geralmente precipita argu­mentos, debates c disputas, pois devemos experimentar tudo o que é novo e fazer valer a nossa autonomia mental antes de qualquer pos­sível diálogo ou comprometimento.

Portanto, o Ás de Espadas é real­mente a carta de duplo gume: o arauto de uma tremenda energia nova pronta para ser transformada em vida, mas também a adver­tência do advento de um conflito.

No sentido divinatório, o Ás de Espadas sugere que, de um confli­to, alguma nova opinião criativa possa surgir. Os poderes mentais estão despertando e isso significa mudança em nossa vida; a antiga ordem é ameaçada e conflitos certamente surgirão. Finalmente, uma solução será possível, mas existe a inevitabilidade de colisão e de disputa antes de essa paz ser visível.

O Dois de Espadas

A carta Dois de Espadas retrata Orestes, de cabelos claros e vestindo uma túnica cinza, parado como se estivesse paralisado, com os olhos cerrados e suas mãos pressionando seus ouvidos. À esquerda, está a sua mãe, a rainha Clitemnestra, com uma coroa dourada em sua cabeça de cabelos louros, trajando um vestido lilás. Ela segura uma espada apontada para o jovem príncipe e, por cima de sua cabeça, olha irada para seu marido, o rei Agamenon, de barba e cabelos louros, vestindo uma túnica azul e uma armadura completa. Ele também segura uma espada apontada para Orestes. Atrás deles, picos nevados e um céu escurecendo com nuvens ameaçadoras.
O Dois de Espadas reflete um estado de paralisia pelo qual forças opostas criam um impasse em que movimento algum é possível sem que uma conflagração seja desencadeada. Aqui, Orestes se encon­tra entre as forças opostas de sua mãe e de seu pai.

Como resposta a esse estado de tensão que exige uma das duas escolhas, ele prefe­riu ficar alheio, fechando seus olhos e tampando seus ouvidos - e a sua recusa em se conscientizar do iminente conflito é a única ação que ele pode oferecer no momento. Portanto, a situação do Dois de Espadas reflete uma tensão que resultará em uma realidade desa­gradável a ser enfrentada. Mas o indivíduo não quer alterar o status quo. Assim, sem nada enxergar, Orestes consegue não ser infeliz, mas tampouco é feliz, pois não pode se mover ou crescer. Ele também tem medo de provocar um desequilíbrio na situação, pois o presente equilíbrio não é harmónico e uma tempestade ronda atrás dessas figu­ras tensas.

A polarização que ocorre em todos os Dois dos Arcanos Menores aqui se expressa como um conflito de princípios opostos. E esse equilíbrio não resultou de um diálogo ou de um acordo; trata-se de um intenso c total potencial de destruição. Portanto, quando uma nova visão da vida começa a se agitar em nós com o Ás de Espadas, tendemos a ver somente os extremos e ficamos presos em uma cer­ta paralisia que não permite que nos movamos, seja para a frente, seja para trás. Não podemos simular que nada aconteceu, mas também não podemos ir à frente ou teremos problemas como consequência. O tom emocional do Dois de Espadas é um estado desconfortável de um equilíbrio precariamente calmo, mas que envolve uma grande tensão e ansiedade. É o estado de saber que alguma coisa deve mudar, mas preferimos não enxergar em vez de arriscar o conflito que, finalmen­te, ocorrerá de qualquer maneira.

No sentido divinatório, o Dois de Espadas implica um estado de tenso equilíbrio no qual há uma recusa em enfrentar alguma situação iminente de conflito. Uma maneira criativa de resolver esse caso pode ser a tentativa em enfrentar o que está à nossa frente, em vez de tentar preservar o status quo que, finalmente, será rompido de qualquer forma.

O Três de Espadas

A carta Três de Espadas retrata o rei Agamenon, assassinado em seu banho. O corpo do rei encontra-se na água. A esquerda, Egisto, de barba e cabelos pretos, vestido de cinza-escuro, fere o coração do rei com a espada. Outra espada está enterrada no corpo inerte.

À direita, Clitemnestra também fere o coração do marido com uma espada. Além do pórtico de mármore, um céu preto e amea­çador sobre picos nevados.

O Três de Espadas é uma carta pesarosa porque a disputa ou o conflito iminente do Dois de Espadas finalmente irrompeu. Portanto, o tema da integração inicial que liga todos os Três dos Arcanos Me­nores está nele refletido em uma situação penosa que revela uma separação ou uma desilusão. Mas, mesmo sendo penosa, essa carta, que sem dúvida é difícil, representa uma liberação de energia, pois há movimento em comparação à estagnada e desagradável tensão do Dois de Espadas. O que quer que tenha ocorrido foi necessário, pois algo age para exigir esse conflito antes de ele se desenrolar para o seu eventual final criativo.

Aqui, Clitemnestra realizou a sua vingança, inevitável a partir do momento em que Agamenon optou pela entrega da vida de sua filha a favor de sua própria glória. Alguma coisa iniciada no passado de­sabrocha no Três de Espadas e o resultado raramente é agradável. Este é o mais profundo significado da maldição do mito grego: não é um feitiço ou um malfadado destino lançado por um deus caprichoso, mas o inevitável resultado das consequências da escolha humana que, mais cedo ou mais tarde, resultará em um conflito ou em uma desilusão no derradeiro acerto de contas.
A triste visão do Três de Espadas traz consigo um sentimento de alívio, pois o veneno finalmente veio à luz e, portanto, uma chance de cura futura torna-se possível.

Ressentimentos que ficaram intima­mente presos em razão do medo do conflito e de raiva finalmente têm uma forma de extravasarem, mas geralmente por meio da ge­ração seguinte que é forçada a resolver os problemas que a ante­rior se recusou a enfrentar. Por mais desagradável que seja o Três
de Espadas, ele é um passo criativo à frente do Dois de Espadas, e também uma solução final agora é possível.

No sentido divinatório, o Três de Espadas anuncia uma disputa, um conflito ou uma separação. De alguma forma, esse estado peno­so é necessário c o indivíduo percebe que não pode seguir adiante recusando-se a enfrentar o conflito. Isso é como a retirada de um abscesso para que o corpo possa reagir e começar a se curar.

O Quatro de Espadas

A carta Quatro de Espadas retrata Crestes no exílio, em Fócida. Ele está sentado tranquilamente no chão contemplando quatro espadas que formam um padrão à sua frente.
Atrás dele, um céu pálido e calmo com pequenas nuvens e um cenário de picos nevados.
O Quatro de Espadas reflete um período calmo de retiro e de contemplação.

Aqui podemos ver Orestes em seu exílio. Ele ainda não recebeu a ordem do deus Apolo e, portanto, está em paz, apesar de não lhe ser permitido voltar para casa. O Quatro de Espadas sugere um período de introversão e de reflexão, de recuperação emocional após o surgimento do conflito no Três de Espadas. O ve­neno foi liberado e agora existe a oportunidade para refletir sobre o que aconteceu. Esse é um período de preparação que precede a tarefa de praticar as mudanças necessárias à vida como resultado do conflito. Há um incremento de força, um controle das reservas internas em uma situação de calma e de introspecção.

Procuramos instintivamente esse lugar de quietude depois de um evento turbulento e penoso em nossas vidas. O indivíduo que passou pela separação ou pelo divórcio, ou até por uma discussão exacerba­da, frequentemente precisa de um tempo sozinho para analisar o padrão do que aconteceu; isso também ocorre com a pessoa sobre­carregada ou aquela que foi demitida de seu trabalho, ou se separou de um amigo ou de um relacionamento amoroso. Frequentemente não reconhecemos o valor desse período de quietude e nos precipita­mos e procuramos cercar-nos de pessoas que farão com que nos sintamos melhor e que nos ajudem a esquecer o que aconteceu. Mas o exílio de Orcstes é imposto e, de certa maneira, somos forçados à introversão pela descoberta de que essa precipitação nervosa não cura absolutamente nada.

Muitas vezes isso piora a nossa situação, até reconhecermos a necessidade do silêncio e da solidão antes de voltarmos à vida novamente. Essa reflexão pode revelar o significa­do que fundamenta a separação ou o conflito, porque qualquer difi­culdade refletida pelo naipe de Espadas inevitavelmente apontará para algum estágio do passado no qual um novo conceito da vida começou a surgir e está desequilibrando todos os nossos padrões preexistentes da vida.

No sentido divinatório, o Quatro de Espadas anuncia um período de recuperação silenciosa e de introversão, no qual o indivíduo pode armazenar energia preparando-sc para maiores esforços. Quando o Quatro de Espadas aparece em uma abertura de cartas, talvez seja melhor aceitar a solidão ou o retiro e não procurar preencher o tem­po com atividades, pois alguma quietude é necessária para controlar os pensamentos c organizar a própria vida.

O Cinco de Espadas

A carta Cinco de Espadas retrata Orestes sentado no chão diante do deus Apolo, que apareceu para lhe contar de seu destino e de sua obrigação em vingar a morte de seu pai. Apolo encontra-se à direita e aponta severamente para as cinco espadas que ele

segura em sua mão direita. Ao longe, nuvens negras rondam os picos nevados.
O Cinco de Espadas representa a aceitação das limitações, das fronteiras e das restrições do destino. Aqui, Orestes deve chegar a termo com a sua deteriorada herança familiar e aceitar a tarefa que lhe foi imposta. Não c o caso de presumir que o seu destino seja injusto; ele deve enfrentar o que está à sua frente sem se queixar, chorar ou recusar, pois é pela aceitação de seu próprio destino que ele deve progredir e merecer o seu direito ao crescimento c ao seu eventual reinado. Também é importante que Orestes aceite a lei do deus, não simplesmente por medo - apesar de as ameaças de Apolo serem apavorantes -, mas porque ele mesmo reconhece essa ne­cessidade. Ele é homem e, por conseguinte, a lei patriarcal de Apolo é também a sua lei. Caso ele fosse mulher, o seu destino teria sido bem diferente. Mas aqui, ao considerar as suas opções, Orestes deve, no final, oferecera sua lealdade ao princípio masculino enraizado em sua identidade sexual, independentemente das consequências.

Muitas vezes, as limitações e sua necessária aceitação exigem que desconsideremos o falso orgulho e o medo. Às vezes, o indivíduo ultrapassa os limites procurando alcançar algo além de suas possibi­lidades. O reconhecimento dos limites exige consciência e uma men­te imparcial. O indivíduo sabe o que ele é c, portanto, o que ele pode e deve fazer; essa é a aceitação da lei interior.

Apesar de ser angus­tiante ou deprimente e aparentemente deprcciável, no entanto, é um estágio necessário, caso o indivíduo queira tornar efetivos os princí­pios nos quais acredita. Sem essa aceitação do próprio destino, nada pode ser realizado.

No sentido divinatório, o Cinco de Espadas prevê a necessidade de enfrentar os nossos próprios limites, reconhecendo que a vida precisa ser vivida dentro das limitações de nossa capacidade. Fre­quentemente há uma situação em que o indivíduo assumiu muitas responsabilidades e deve desistir do orgulho c retirar-se, enfrentando honestamente o que é possível antes de seguir adiante.

O Seis de Espadas

A carta Seis de Espadas retrata Orestes em pé, em uma postura digna, dentro de um pequeno barco. Ele está envolto de um manto roxo, olhando para a cidade de Argos, que pode ser vista a distân­cia. Seis espadas estão fincadas no fundo do barco. Em primeiro plano, águas revoltas e nuvens pretas no céu. Mas, à medida que Orestes se aproxima da cidade, as águas estão mais calmas e, sobre a cidade, o céu está mais claro.

O Seis de Espadas retrata uma situação de afastamento de senti­mentos turbulentos e difíceis para um estado mais calmo e sereno. Pela aceitação dos próprios limites, descrito no Cinco de Espadas, alguma consciência e paz foram adquiridas e agora se apresenta à frente um caminho mais calmo, mas ainda melancólico.

O Seis de Espadas não é uma carta "feliz", mas sugere uma harmonia que nasce do reconhecimento dos próprios limites e tare­fas. Dessa maneira, apesar de sua difícil missão, o jovem príncipe está em paz consigo mesmo e deixa para trás o estado ansioso, pe­noso e carregado sugerido pelas águas turbulentas atrás dele.
O estado sereno sugerido pelo Seis de Espadas não é tão agradá­vel quanto a nostalgia do Seis de Copas, pois ele não surge de um coração tranquilo, mas da mente serena. Aqui, o mais importante é a percepção interna e a compreensão, pois a serenidade e a passagem calma do Seis de Espadas dependem de enxergarmos e compreen­dermos a maneira pela qual o padrão de nossa vida funciona.

E essa necessidade de enxergar e de compreender que leva muitas pessoas a estudar assuntos como o Taro e a Astrologia, assim como a Psico­logia e as funções da mente humana cm épocas de dificuldade, pois a compreensão faz uma grande diferença quando estamos assolados pelos problemas; enxergar a maneira como arquitetamos os nossos destinos pode, muitas vezes, liberar a ansiedade e promover uma calma aceitação que nos permite seguir adiante.

Os dons que esses simbólicos mapas oferecem por meio do Taro ou de horóscopos são de grande valor, apesar de não escolherem por nós nem mesmo mudar uma situação externa de negativa para positiva.

Mas saber por que estamos em um determinado caminho, como ali chegamos e o que isso pode significar, às vezes, pode fazer milagres. E, portanto, o mar apresenta essa passagem calma e serena.

No sentido divinatório, o Seis de Espadas sugere um período em que a capacidade da mente para compreender ajuda a transformar uma época difícil que provoca ansiedade cm uma passagem mais serena. A percepção interna acalma as nuvens tempestuosas e o indivíduo pode manter a sua dignidade c o auto-respeito.

O Sete de Espadas

A carta Sete de Espadas retrata Orestes, oculto em seu manto, dirigindo-se sorrateiramente para o palácio de Argos. Em seus braços, ele carrega sete espadas. A rua é escura e a entrada do palácio é negra e sinistra. Ao longe, além do palácio, uma fina lua crescente brilha no céu escuro sobre picos nevados.

O Sete de Espadas representa a aplicação da energia de maneira cautelosa, astuta e diplomática para conseguir o objetivo desejado. Aqui a mensagem é "cérebro" em vez de "força", e a vida pode exigir que o indivíduo desenvolva malícia, sagacidade e esperteza. O sentimento do Sete de Espadas é ambivalente, pois não podemos ter certeza da retidão ou da integridade moral do objetivo. E certamente, para Orestes, a sua volta sorrateira para Argos é motivada pela vio­lência, pois, obedecendo à vontade do radiante deus do Sol, ele está por cometer um matricídio.

Existe alguma coisa um tanto questionável a respeito do Sete de Espadas, mesmo que o objetivo seja aparentemente justificado, e isso levanta o problema da amoralidade essencial da mente. Não contami­nado pelos valores dos sentimentos, o intelecto pode ser frio e manipu­lador, e os fins justificam os meios, mesmo quando se trata de um objetivo digno. Mas essa carta sugere que a vida pode exigir que de­senvolvamos tais atributos, mesmo que a nossa natureza seja contrária a essa óbvia astúcia. Para poder alcançar um objetivo são necessários tato, charme e até subterfúgio, que nos deixa desconfortáveis, caso sejamos éticos em nosso tratamento com as outras pessoas.

Mas Orcstes não pode entrar em Argos com toda a pompa e glória, pois Clitcmnestra e seu amante o aprisionariam e provavel­mente o matariam, o que o impediria de cumprir a vontade do deus. Portanto, ele deve controlar a sua personalidade e isso parece ser um requisito do estágio da jornada refletida pelo Sete de Espadas.

A astúcia é um dos atributos da mente e, algumas vezes, deve ser usa­da na vida. Ela é necessária em qualquer troca de opiniões, do con­trário estaremos simplesmente intimidando e reprimindo-as, e nada realizando. Os políticos conhecem bem essa qualidade, assim como os sacerdotes e os advogados, pois tato é a versão mais agradável da astúcia e ideias devem ser apresentadas de forma tática para ser transmitidas tanto positiva quanto negativamente.

No sentido divinatório, o Sete de Espadas anuncia um período no qual c necessário usar astúcia, tato, diplomacia e esperteza, em vez de usar a força e a imposição para alcançar os nossos objetivos. Isso pode provocar um sentimento desconfortável de falsidade, mas que pode ser exigido pela própria vida.

O Oito de Espadas

A carta Oito de Espadas retrata Orestes em uma postura de medo, com suas mãos levantadas tentando afastar o seu destino. Ele está cercado por um anel de oito espadas fincadas no chão. À sua esquerda, Apolo olha para ele de modo severo e zangado. À sua direita, as três Fúrias vestidas de preto, com rostos brancos e feios, e asas de morcego. Ao longe, nuvens ameaçadoras sobre picos nevados.

O Oito de Espadas retrata uma situação de servidão em função do medo. Diferentemente da paralisia apresentada pela carta Dois de Espadas, essa servidão envolve um total conhecimento da situa­ção e as prováveis consequências de qualquer escolha.

Aqui Ores­tes sabe muito bem o que acontecerá se assassinar a sua mãe ou se ele se recusar a fazê-lo, pois, qualquer que seja a sua escolha, sairá perdendo. Assim, ele fica paralisado tentando afastar de si o mo­mento da escolha. Apesar de as escolhas não serem geralmente tão sutis quanto as de Orcstes, entretanto o Oito de Espadas reflete uma situação de indecisão paralisante. Parle do desconforto surge da per­cepção do indivíduo quanto à exata maneira de como chegou a essa situação, mas já é tarde para remorsos ou para retroceder.

Diferen­temente também da cegueira da carta Dois de Espadas, o Oito de Espadas retrata a consciência dolorosa de nossa parte na criação de toda a atual confusão. Esse é o momento anterior a difícil escolha, exacerbado pela realização desagradável de que nós mesmos a pro­vocamos.

Existem muitas situações típicas na vida, nas quais surgem a ser­vidão e a paralisia do Oito de Espadas. Urna das situações mais características é o problema do indivíduo que esteve manipulando duas pessoas uma contra a outra - uma esposa e um amante, um marido c um pai, dois amigos -, tentando adiar a decisão de uma escolha ou de um compromisso.

A tentativa de manter oculto o fato um do outro pode fazer com que a tomada de decisão possa ser mantida em aguardo durante um certo tempo, mas cedo ou tarde haverá uma confrontação e consequentemente o momento de cho­que, quando se descobre que esse subterfúgio somente piorou a si­tuação.

Desse modo, o Oito de Espadas surge naturalmente do Sete de Espadas, como se a astúcia e a sutileza, apesar de utilizadas por bons motivos e necessárias no momento, tivessem criado a própria armadilha. Então, devemos aceitar a responsabilidade por todo o ocor­rido, procurar compreender o que realmente desejamos e agir ime­diata e definitivamente. Dessa maneira, uma solução é possível.

No sentido divinatório, o Oito de Espadas anuncia uma situação pela qual o indivíduo é impossibilitado de agir por causa do medo das consequências. Uma tomada de decisão é necessária, mas qualquer que seja a escolha, provocará problemas. Existe a conscientização de que o dilema foi causado pelo próprio indivíduo, pois houve um longo passado de recusa, duplicidade, cegueira e medo da confronta­ção, muitas vezes para "evitar ferir" alguém, que sempre está presen­te no impasse. É importante enfrentar honestamente o nosso próprio envolvimento no problema.

O Nove de Espadas

A carta Nove de Espadas retrata Orestes em pé, com suas mãos cobrindo seus ouvidos. Atrás dele, as três Fúrias pairam ameaça­doramente em um acúmulo de nuvens escuras. Cada uma segura três espadas e todas elas estão apontadas para o jovem príncipe. Atrás delas, um céu escuro sobre os picos das montanhas.

O Nove de Espadas reflete uma experiência de grande medo e ansiedade. Essa é a carta do pesadelo, a fantasia do iminente desas­tre que não se manifesta necessariamente como um fato concreto, mas é apavorante e doloroso graças ao poder da imaginação.

Aqui Orestes cumpriu a sua tarefa e matou a sua mãe, sendo agora perseguido pelas Fúrias que, por sua própria natureza, não são corpóreas; elas não podem atingi-lo fisicamente ou matá-lo. Elas o alonnentam por meio do sentimento de culpa - seus medos e fantasias de destruição. Em termos psicológicos, o Nove de Espadas representa a ansiedade, pois reflete um estado no qual o indivíduo aguarda um terrível desfecho, apesar de não haver qualquer indicação real de que ele se concretizará no futuro.

Entretanto, os nossos medos podem variar de acordo com a natu­reza dos próprios indivíduos. Vez por outra, a maioria das pessoas é afetada por esse pesadelo de ansiedade a respeito de um terrível futuro. Para algumas é o medo de que a pessoa amada nos rejeite ou morra, ou simplesmente nos abandone. Para outras é o medo de uma catástrofe financeira ou o fracasso de um projeto criativo. Esses medos sobre o futuro atormentam muitas pessoas, assim como o terror da solidão, das doenças e da idade avançada. O problema dessas visões apavorantes do futuro é que, caso sejamos fortemente afetados e cheguemos a acreditar nelas, acabamos por agir de acor­do, tornando-nos desconfiados e fechados para a vida; isso fará com que destruamos qualquer possibilidade de uma felicidade futura, muitas vezes, criando o destino que tanto nos amedronta, por meio de nos­sas próprias suspeitas e desconfiança.
O Nove de Espadas é uma carta extremamente psicológica, pois essas fantasias mórbidas de um futuro malfadado surgem das culpas do passado.

Esse é o caso de Orestes, para quem as Fúrias são a personificação da culpa que o corrói. A culpa surge da decisão assumida pelo Oito de Espadas que, por sua vez, surge do dilema criado pelo próprio indivíduo por suas escolhas feitas no passado. Somente a percepção simbolizada por Atena pode dissipar a fantasia ator­mentadora das Fúrias.

No sentido divinatório, o Nove de Espadas anuncia um período de grande ansiedade com respeito a um futuro desastroso. E importante examinar a origem da culpa criada no passado que provoca esses medos, em vez de sujeitar-se a eles em detrimento do futuro.

O Dez de Espadas

A carta Dez de Espadas retrata a deusa Atena segurando uma espada ereta em sua mão direita. À sua direita, as três Fúrias contêm suas ameaças em um círculo de nove espadas. A sua esquerda, Orestes inconsciente está deitado no chão. O céu escuro sobre as montanhas gradativamente dá lugar ao Sol nascente, apenas visível no horizonte.

O Dez de Espadas simboliza um encerramento aqui representado pela dissipação de uma maldição antiga realizada pelo juízo e pela imparcialidade da deusa da Justiça. Para Orestes, esperança alguma é visível; ele está quase morto de desespero e de exaustão, e não pode ver que a liberdade finalmente bate à sua porta.

Para o indivíduo que finalmente chegou ao ponto em que não há mais esperança alguma e um futuro que somente promete decepção e desilusão, a experiência do Dez de Espadas parece mais uma mor­te. É um período obscuro, quando podemos ver as coisas como real­mente são e reconhecemos que não há mais para onde ir.

Entretanto, apesar de Orestes estar muito afundado em seu desespero para po­der testemunhá-lo, o Sol paulatinamente surge no horizonte e um novo começo é anunciado em meio à escuridão de sua derrota.

A percepção e a clareza de Atena desarmaram as Fúrias c, na história, isso ocorre por meio da assistência de um júri humano. Isso sugere que a redenção dos nossos piores c mais insolúveis problemas não acontece por meio de um raio enviado do céu nem tampouco por um golpe da sorte, mas pela atenciosa deliberação da mente humana, com o seu magnífico dom da reflexão imparcial.

Uma maldição familiar como a de Orestcs c a imagem dos confli­tos internos passados de uma geração para outra, que os nossos avós e pais não conseguiram enfrentar honestamente e pelos quais os filhos devem inevitavelmente assumir e sofrer até que o discerni­mento seja finalmente conseguido.

Portanto, o Dez de Espadas, apesar de não apresentar um final feliz de conto de fadas, representa a própria e inevitável integração de um processo que começou com o nascimento de novas ideias e de percepções da vida no Ás de Espadas.

Muitas vezes um nascimento significa que algum problema enraizado e antigo foi forçado a emergir para a superfície c deverá ser finalmente eliminado; essas separações são penosas e difíceis.

Mas, uma vez que a crise foi superada, o Sol poderá surgir novamente, e nós seguiremos adiante não somente decepcionados e desiludidos, mas livres de um câncer profundo cujas raízes se encontravam além do nosso longínquo pas­sado que o nosso sofrimento libertou e redimiu.

No sentido divinatório, o Dez de Espadas anuncia o fim de uma situação difícil. Esse final pode ser doloroso, mas finalmente a situa­ção é enfrentada honestamente e um novo futuro, menos conflituoso, pode ser iniciado.

AS CARTAS DA CORTE

O Pajem de Espadas

A carta do Pajem de Espadas retrata um jovem vestindo uma túnica azul, ajoelhado entre as nuvens de um céu turbulento. Seus cabelos claros flutuam no vento que emana do sopro de sua boca.

Em sua mão, uma espada prateada. Abaixo dele, um cinzento cenário montanhoso.
Na carta do Pajem de Espadas, deparamo-nos com os inícios primitivos e disformes do elemento Ar: os primeiros impulsos da atividade mental independente e da formulação. Isso é encenado pela figura mitológica de Zéfiro, o jovem governante do Vento do Oeste. O império dos quatro ventos surgiu da união de Eos, deusa da aurora, com Astreu, a personificação de um céu noturno claro e estrelado.

Noto era o Vento do Sul e Euro era o Vento do Leste; mas os filhos mais poderosos dessa união da aurora com o céu noturno eram Bóreas, o Vento do Norte, e Zéfiro. Juntos, esses dois irmãos eram venerados como as forças selvagens e destrutivas da natureza; ima­turos e desenfreados, eles se divertiam em provocar tempestades e cm agitar as ondas do mar.

De natureza elemental, Zéfiro vivia com seu irmão Bóreas nas cavernas montanhosas da Trácia e montava as nuvens para soprar o seu ameaçador Vento do Oeste. O jovem era de natureza despeitosa e maliciosa. De sua união com Podarge, uma das horríveis Harpias, nasceram os dois cavalos selvagens que conduziram a carruagem do herói Aquiles durante a Guerra de Tróia.

Mais tarde o temperamento de Zéfiro abranda-se, mas o do ir­mão continua o mesmo. Isso porque o Vento do Oeste se casa com a linda e gentil íris, a mensageira feminina dos deuses e guardiã do arco-íris, com a qual nos deparamos na carta da Temperança dos Arcanos Maiores. Como consequência dessa união, Zéfiro finalmente se transforma em um vento suave que gentilmente ventilava e aben­çoava as regiões do Eliseu, onde as almas dos heróis residiam em eterna tranquilidade.

Zéfiro, o Pajem de Espadas, é a imagem dos primeiros impulsos da vida mental independente que deve emergir em sua forma infantil antes de podermos formular nossas próprias ideias e conceitos e conseguir expressá-los. Por ser jovem e primitivo, o Pajem de Espa­das é briguento e, como qualquer criança tem tendência a fazer co­mentários cruéis, à zombaria, à grosseria e à maldade cm geral -uma espécie de exercício jocoso dos poderes do pensamento e do discurso antes que qualquer valor de sentimento ou código ético in­tervenha para formar e orientar a atividade mental. Esses impulsos iniciais do pensamento original e independente podem surgir como uma inclinação para brigas insignificantes e como uma curiosidade invasiva que não respeita a privacidade alheia.

E justamente nesse espírito que Zéfiro, governante do Vento do Oeste, se diverte provocando tempestades e agitando os mares, não porque seja maldoso, mas porque é curioso para ver o que acontece. O discurso das crianças é notoriamente cruel, mas essa crueldade somente atinge aqueles que têm alguma coisa para esconder ou se o orgulho ou a auto-imagem não puder aguentar os golpes.

Na realidade, a bisbilhotice é típica do Pajem de Espadas, pois é o equivalente adulto desse espírito infantil que brinca com essa força maliciosa primitiva. Os comentários maldosos podem ferir e até, com o tempo, podem ser exagerados e atingir ouvidos intencionados; po­dem tornar-se poderosamente destrutivos para uma reputação ou para um relacionamento. Diz o fofoqueiro: "Você já ouviu a última?...", e logo o mexerico é deturpado, enfeitado, sendo objeto de inveja e de malícia, e finalmente se transforma em uma tempestade que vai além de qualquer reconhecimento daquela infantil brisa soprada por Zéfiro.

Todos nós temos essa tendência para a bisbilhotice e ela surge de uma espécie de curiosidade primitiva a respeito das outras pessoas. O mexerico é um grande nivelador e ninguém é imune a ele - muito menos a pessoa que acredita que sua vida seja isenta de culpas, pois, caso Zéfiro não possa descobrir alguma coisa, ele a inventará. Portan­to, o Pajem de Espadas é uma carta altamente ambivalente, porque sua energia infantil e primitiva marca o início do verdadeiro pensamen­to independente.

Ao mesmo tempo, Zéfiro pode ser caprichoso e malicioso, e as brigas insignificantes que lhe são próprias se tornam tempestades desagradáveis. A energia de Zéfiro deve ser alimentada e orientada sem ser esmagada, pois Zéfiro representa a nossa curiosidade infan­til a respeito da vida, do mundo e das pessoas.

No sentido divinatório, quando o Pajem de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ele anuncia que chegou o momento do nosso encontro com aquela curiosidade infantil e com a bisbilhotice mali­ciosa próprias do Pajem de Espadas, marcando o início do uso dos poderes mentais. É até possível que sejamos, nós mesmos, vítimas da bisbilhotice de outras pessoas ou pode haver uma tendência a provocarmos briguinhas insignificantes e sermos irritantes e difíceis. No entanto essas coisas refletem o surgimento de novas ideias e do verdadeiro pensamento independente - isso, geralmente, em uma pessoa acostumada a aceitar cegamente os pontos de vista e opi­niões dos outros.

O Cavaleiro de Espadas

A carta do Cavaleiro de Espadas retrata um par de jovens, gémeos idênticos, vestidos em túnicas cinza e armadura e elmos pratea­dos em suas cabeças louras. Cada um segura uma espada de prata e os dois estão montados em um único cavalo cinza. O cavalo está agitado, suas patas dianteiras estão estendidas como se fosse levantar vôo e os gémeos seguram suas espadas em riste, em posição de ataque. Acima deles, um céu cinza e turbulento, com nuvens esvoaçantes.

Na carta do Cavaleiro de Espadas, deparamo-nos com a dimen­são flexível, volátil e mutável do elemento Ar que está em constante movimento. Essa turbulenta atividade no reino da mente é encenada pelas figuras mitológicas dos briguentos Dióscuros, - os Gémeos Guerreiros, Castor e Pólux -, cuja mãe, Leda, rainha de Esparta, foi perseguida pelo apaixonado Zeus, rei dos deuses. Quando ela rejeitou suas propostas, Zeus transformou-se em cisne e a violentou.

Já grávida de seu marido, o rei Tíndaro, Leda produziu dois ovos de seu amante-cisne. De um deles, saíram duas crianças mortais, Castor e sua irmã Clitemnestra, a qual encontramos na história de Orestes nas Cartas Numeradas do naipe de Espadas. Do outro ovo, saíram as duas crianças divinas de Zeus, Pólux e Helena, que vimos na carta da Rai­nha de Copas dos Arcanos Menores. E, assim, os Dióscuros eram irmãos gémeos, mas Castor era mortal e Pólux, divino.

Os Dióscuros, que nunca se separavam para aventura alguma, tornaram-se o orgulho de Esparta. Castor era famoso como soldado e domador de cavalos e Pólux, como pugilista. Os dois possuíam um espírito combativo e eram conhecidos pela tendência a provocar brigas. Eles frequentemente brigavam com outros dois gémeos, Idas e Linceu. Idas matou Castor, o gémeo mortal, e Pólux matou Linceu com a sua lança. Interferindo a favor do filho, Zeus matou Idas com um raio. Pólux ficou tão desesperado e triste pela morte do irmão que se dirigiu a Zeus para pedir-lhe que não sobrevivesse à morte de Castor. Sensibilizado, Zeus permitiu que os dois passassem seus dias alternadamente no reino divino do Olimpo e nas sombras escuras do reino de Hades, colocando suas figuras entre as estrelas como os Gémeos.

Os Dióscuros são imagens de uma energia brusca e mutável, a capacidade da mente humana em ser repentinamente inspirada ou tomada por uma nova ideia que joga a velha ordem para o caos, deixando mudanças em seu rastro. O aspecto dual dos gémeos divi­nos sugere uma dualidade ou uma duplicidade nesse reino da mente, porque muitas vezes essas novas ideias inesperadas que surgem em nossas vidas monótonas podem promover o conflito ou ser, elas mes­mas, ambivalentes e cheias de conflitos. O espírito de luta e a insensi­bilidade dos Dióscuros também nos dizem algo a respeito da qualidade da energia mental descrita pelo Cavaleiro de Espadas.

Ele não leva em consideração o sentimento humano e, frequentemente, é a causa do rompimento de relacionamentos e separações, porque o indivíduo é subitamente possuído por uma ideia que exige que ele fira outra pessoa. Portanto, existe uma atitude básica inerente ao Cavaleiro de Espadas que não é diferente da figura de Don Juan da lenda român­tica. Essa figura é intensamente atraente por causa do seu brilho, mas é insensível; ele não tem qualquer sentimento real pela continui­dade do passado e pela integridade do relacionamento humano, e não está preparado para fazer sacrifícios pessoais e comprometer a fria e grandiosa visão do momento.

Na vida colidiana, é possível ver a energia dos Dióscuros funcio­nando quando um indivíduo abandona suas responsabilidades e seus relacionamentos para perseguir alguma nova e juvenil aventura. Na Psicologia, esse impulso é chamado depuer eternum, juventude eter­na, e trata-se de um impulso mais dominante em certas pessoas do que em outras. O espírito do Cavaleiro de Espadas não suporta ficar velho ou estagnar em uma situação de servidão. Uma intimidade prolongada o incomoda e ele precisa de um constante estímulo men­tal para evitar a monotonia. Ele possui aquela peculiar dupla face de ser destrutivo aos relacionamentos sentimentais e, ao mesmo tempo, impulsiona criativamente o indivíduo para fora de sua monotonia e servidão para novas fases de crescimento que, frequentemente, o levam a ferir um ou dois corações.

Dessa forma, ele tem uma fun­ção tanto negativa quanto positiva, aqui refletida na imagem dos Gémeos. Para os Dióscuros, conflito e movimento são naturais, e o indivíduo não pode passar muito tempo sentindo-se culpado quanto a quem ele possa ferir quando a mente bruscamente vira e segue adian­te em uma nova direção. A qualidade instável dos Gémeos está re­fletida na carta pela agitação do cavalo que está quase suspenso no ar e que não consegue ficar parado, levando os gémeos adiante para novas aventuras.

No sentido divinatório, quando o Cavaleiro de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ele anuncia que chegou o momento de o indivíduo estar preparado para mudanças repentinas que quebram os padrões normais da vida.

Essas mudanças podem ser provocadas por um indivíduo que aparece na vida de uma pessoa com as qualida­des mutáveis, fascinantes e conflitantes dos Dióscuros ou pode as­sumir a forma de uma ideia nova ou uma visão que emana do interior do indivíduo, provocando uma desordem temporária na vida cotidiana.

Por conseguinte, quer o Cavaleiro de Espadas apareça interior ou externamente, o seu talento é a habilidade de acompanhar as mudanças, e a turbulência que traz consigo pode, derradeiramente, levar a uma visão mais ampla da vida.

A Rainha de Espadas

A carta da Rainha de Espadas retrata uma linda, mas fria e severa mulher, vestindo uma longa túnica azul, sóbria e simples. Ela porta uma coroa dourada sobre os seus cabelos louros e está sentada em um trono prateado. Em uma das mãos, ela segura uma espada de prata e, na outra, uma jarra da qual escorre água para o chão. Atrás dela, um cenário de picos nevados pode ser visto sob um céu calmo e azul.

Na carta da Rainha de Espadas, deparamo-nos com a dimensão estável, refletiva e contida do elemento Ar. Isso é encenado pela figura mitológica de Atalanta, a Caçadora, frustrada no amor em virtude de seus ideais demasiadamente altos.

Atalanta, cujo nome significa "Indómita", era filha do rei Jásio que esperava ansiosamen­te por um herdeiro. O nascimento de Atalanta o decepcionou tão cruelmente que ele a abandonou em uma colina perto de Calidontc. Mas a criança foi adotada e amamentada por uma ursa que a deusa da Lua, Ártemis-Hécate, enviou em sua ajuda. Atalanta cresceu em uma comunidade de caçadores que a encontraram e a educaram. Ela zelava por sua virgindade e sempre portava suas armas. Chegando à idade adulta, ela ainda não se reconciliara com o pai, que se recusava a reconhecê-la.

Atalanta realizou muitos feitos guerreiros famosos, inclusive a famosa caça ao javali calidoniana, durante a qual ela lutou ao lado dos homens e desferiu o primeiro golpe ao javali. Apesar de o jovem herói Melcagro, filho do deus da guerra Ares e o melhor arremessador de lanças da Grécia, apaixonar-se por ela, Atalanta recusou-se em ceder ao destino comum de uma mulher.

Finalmente, orgulhoso pelo feito, seu pai reconheceu-a e prometeu encontrar-lhe um marido nobre. Mas ela protestou dizendo: "Pai, concordo, mas com uma condição. Qualquer pretendente à minha mão deve primeiro derro-tar-me em uma corrida a pé. Se não conseguir, deixe-me matá-lo". Como consequência, muitos príncipes infelizes perderam suas vidas, porque cia era a mortal mais veloz da Terra. Apesar do perigo e querendo competir pela mão de Atalanta, um jovem chamado Melânio invocou a ajuda de Afrodite. A deusa lhe deu três maçãs douradas dizendo-lhe que, para atrasá-la durante a corrida, deixasse cair as maçãs uma de cada vez. O estratagema teve sucesso e o casamento se realizou.

Mas ele estava malfadado, pois Melânio persuadiu Atalanta a se deitar com ele no recinto consagrado a Zeus que, irado pelo sacrilégio, os transformou em leões. Os gregos acreditavam que os leões não faziam sexo entre si, mas com leopardos e, dessa maneira, o casal estava condenado a nunca mais provar das delícias do amor.

Atalanta, a Rainha de Espadas, é a imagem do isolamento e da intocabilidade da mente que pode manter um ideal de perfeição a ponto de excluir e desvalorizar todos os aspectos sensuais. A Rainha de Espadas é uma figura fria porque o seu perfeccionismo c a sua identificação com o mundo masculino da mente e do espírito a tor­nam própria para a amizade, mas não para o amor erótico. Portanto, a Rainha de Espadas é uma figura régia e solene, mas também solitária, e essa solidão, muitas vezes acompanhada de orgulho e integridade, não surge tanto das circunstâncias, mas da relutância em permitir que as coisas mundanas demais prejudiquem o ideal da perfeição. O idea­lismo da Rainha de Espadas é sublime e nobre, e há uma lealdade que pode resistir a muitas das provas mais difíceis da vida.Entretanto, trata-se de um idealismo que não permite qualquer fracasso humano.

O mito de Atalanta pode ser encontrado em muitos dos nossos populares contos de fadas, como na imagem da princesa fria que exige que os seus pretendentes tentem realizar tarefas impossíveis para poder conquistá-la. Essa exigência pode ser sutil e até incons­ciente, e fazer com que o amor seja excluído da vida do indivíduo. Por outro lado, ela pode ser uma exigência criativa, porque incentiva as pessoas a serem melhores do que realmente são. Entretanto, é uma visão fria e solitária, pois pretendente algum - ou nós mesmos -pode derradeiramente passar pelas provas impossíveis, senão nos contos de fadas.

E esses contos que se identificam com Atalanta, na vida real, tendem a esperar a vida inteira enquanto a vida mortal transcorre e a água do sentimento escorre desperdiçada da jarra para o chão do tempo c do espaço. Portanto, a Rainha de Espadas, que possui as grandes virtudes da lealdade e da integridade, assim como a capacidade de suportar a tristeza sem esmorecer, é a ima­gem da frustração e do isolamento emocionais, por ela ser intocável.

Assim como o Rei de Copas é uma figura ambivalente porque o papel masculino da realeza está assentado de maneira desconfortá­vel ao lado do essencialmente feminino elemento Água, assim tam­bém é a Rainha de Espadas, pois o papel feminino da realeza está, da mesma maneira, ao lado do essencialmente masculino elemento Ar.

O mito de Atalanta nos transmite algo profundo e sutil a respeito da psicologia da Rainha de Espadas, pois seu pai deseja um herdeiro e recusa-se a aceitar o seu valor como mulher; e foi somente depois de ela provar o seu valor por meio de feitos de armas próprios de um homem que ele a reconheceu. O esforço para a perfeição expresso na imagem da Rainha de Espadas é, de certa forma, o esforço para sermos reconhecidos por um deus-pai que sempre está além do nos­so alcance, pois não somos bons o suficiente simplesmente porque somos feitos de carne. Assim, a Rainha de Espadas aceitará nada menos que a perfeição, porque ela mesma devia ser supostamente perfeita e falhou.

No sentido divinatório, quando a Rainha de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ela anuncia que chegou o momento de o indivíduo encontrar a sua dimensão presa indomitamente a uma fé irremovível em altos ideais. Esses ideais podem ser nobres e dignos e podem ajudar a melhorar a consciência e a qualidade de vida. Mas também podem rejeitar a vida e representar uma defesa contra o medo do ser humano e, portanto, vulnerável à dor. O indivíduo precisa ver onde ele poderia criar problemas em sua exigente busca da perfeição humana nas pessoas ou nele mesmo.

Se a Rainha de Espa­das entrar em nossa vida como uma mulher forte, idealista e solitária, ela pode ser considerada um catalisador por meio do qual podemos descobrir esse aspecto em nós mesmos.

O Rei de Espadas

A carta do Rei de Espadas retrata um homem elegante, com feições bem definidas, barba e cabelos louros, vestindo uma túnica cinza e portando uma coroa dourada. Ele está sentado em um trono de prata em cujos braços está entalhado o emblema da harmonia perfeita, o triângulo equilátero. Em uma das mãos, ele segura uma espada e, na outra, uma balança.Atrás dele, um cenário de picos de montanhas embaixo de um céu com nuvens cinza.

Na carta do Rei de Espadas, deparamo-nos com a dimensão di­nâmica, iniciadora e organizadora do elemento Ar. Isso é encenado pela figura mitológica do herói Ulisses, chamado "o Astuto" e com o qual nos encontramos brevemente na carta da Rainha de Paus dos Arcanos Menores, como marido de Penélope. Ulisses, rei de ítaca, nasceu pela união secreta de Sísifo com a filha do ladrão Autólicos, do qual herdou parte de sua astúcia e inteligência. Ao ser deflagrada a Guerra de Tróia, Ulisses juntou-se aos outros príncipes gregos no assalto a cidade.

Ele provou ser, vez e outra, um conselheiro perspi­caz e um bom estrategista. Foi Ulisses quem primeiro concebeu a ideia do Cavalo de Tróia, aquele cavalo gigante de madeira e oco, enviado para a cidade como presente da deusa Atena, escondendo dentro de seu bojo um destacamento de soldados gregos. Quando finalmente Tróia foi saqueada, Ulisses sempre mostrou ser magnâni­mo com os prisioneiros, prometendo que seriam tratados com justiça, caso se rendessem pacificamente.

Apesar de seus sucessos durante essa guerra, Ulisses não teve muita sorte em seu regresso para Ítaca. Durante dez anos, ele e seus companheiros foram forçados a vagar, levados pelos ventos e en­frentando adversários estranhos e perigosos no decorrer do percur­so e nas terras que visitaram.

Dentre esses lugares, havia a ilha dos Comedores de Lótus, onde os seus homens foram drogados e perde­ram a memória; a ilha dos Ciclopes, onde os ferozes gigantes de um olho só, filhos do deus ferreiro Hefesto, ameaçaram matá-los; e a Ilha da Aurora, terra da feiticeira Circe, onde os seus homens foram transformados em porcos. Ele teve de conduzir o seu navio entre os terríveis monstros marinhos Cila e Caribdes e escapar das sereias que matavam os marinheiros com o seu canto.

Ao longo de todas essas provas, ele agiu com previsão, inteligência, estratégia e astú­cia, impelido pela sua determinação de alcançar o seu lar, apesar das oportunidades de amor, riqueza e poder que se apresentaram duran­te essa sua viagem.

Ulisses, o Rei de Espadas, é a imagem das mais impressionantes habilidades estratégicas da mente humana. De todos os heróis da mitologia grega, Ulisses é o mais brilhante e o mais criativo, apesar de nem sempre ser honesto, pois seus dons intelectuais o tornaram o mais talentoso dos mentirosos. Mas a sua astúcia não era maliciosa, ele sempre a usava a serviço dos princípios que tinha como sagrados - o triunfo sobre os troianos e a santidade de sua terra natal, sua esposa c seu filho Telêmaco. O Rei de Espadas é um homem de princípios, mesmo que às vezes não coincidissem com os dos ho­mens em geral. Ulisses fez muitos inimigos pois, muitas vezes, os seus princípios não condiziam com a situação que ele enfrentava com seus companheiros.

A figura do Rei de Espadas tem altos ideais sobre a decência, a bondade e a imparcialidade, e o seu comportamento para com os troianos derrotados reflete bem esses princípios. Mas a sua bondade era fria e não decorria de uma verdadeira resposta emocional adqui­rida. Muitas mulheres se apaixonaram por ele, mas a sua única ma­neira de correspondê-las era sexualmente. Portanto, ele nos chega por meio da Mitologia como um brilhante estrategista, um negociante inteligente e manipulador, um homem bom com altos ideais e uma figura fria sem qualquer empatia real por outros indivíduos. Ulisses é a imagem do viandante, não no sentido do Cavaleiro de Espadas que sai em busca de aventuras, mas no sentido de que ele não está arrai­gado ao coração c, portanto, não está arraigado ao relacionamento com outras pessoas. Suas andanças podem ser interpretadas como uma espécie de homem sem teto, uma falta de ligação que é mais do que compensada por sua decência e inteligência, mas que o isola de seus companheiros e decepciona aqueles que o amam.

O Rei de Espadas incorpora a qualidade de liderança intelectual que é atraente e dinâmica no mundo. A sua ambivalência está em sua tendência à dissociação do sentimento que pode fazer com que pareça um tanto superficial c indigno de confiança. Sem dúvida ele é um homem de altos ideais e, no entanto, também é uma pessoa instá­vel que muda de aliança de acordo com os humores da situação para poder preservar a diplomacia e a cooperação. Apesar de contraditó­rio, em termos, os dois aspectos - de nobreza e de astúcia - da sua natureza surgem da mesma raiz idealista.

No sentido divinatório, quando o Rei de Espadas aparece em uma abertura de cartas, ele anuncia que chegou o momento de encontrar em nós mesmos o dom ambivalente da liderança intelectual e da estratégia. A proeza intelectual e as ideias inspiradas sobre como desenvolvê-las no futuro são qualidades que ele possui em abundân­cia. Algumas vezes essa figura pode aparecer na vida das pessoas na forma de um indivíduo notável, graças aos seus dons mentais e a sua capacidade de promover mudanças no mundo. Mas, se esse indivíduo entrar em nosso ambiente, ele pode ser visto como um ca­talisador por meio do qual podemos entrar em contato com essa di­mensão de nós mesmos.
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