Livro - O Tarô Mitológico de Juliet Sharman-Burke e Liz Greene

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

LENDO AS CARTAS

O Que o Tarô Pode e Não Pode Fazer

O Taro não pode prever um futuro fixo e determinado.

Suas características são uma serie de imagens que descrevem as qualidades do mo­mento em que um indivíduo as consulta com um problema particular ou uma situação em mente. Naturalmente, os gregos tinham uma palavra para isso - kairos, que significa "o momento certo" e descreve a idéia de que todo momento possui características e qualidades peculiares e únicas.

Devemos deixar de lado a nossa típica visão do mundo ocidental moderno para poder compreender a função real das cartas do Taro e olhar para a antiga Filosofia e para as crenças orientais as quais não consideram o tempo em termos de quantidade (um momento é uma medida que equivale a 1/16 de uma hora), mas em termos de qualidade (um momento é algo vivo que possui a sua própria identidade e significado).

Visto através das lentes dessa vi­são do mundo, a vida possui uma ligação ou um relacionamento subja­cente e secreto, e todos os níveis de vida, animada, inanimada, consciente e inconsciente, interior e exterior, são realmente parte de um todo vivo.

Portanto, a vida refletirá, em todos os níveis de sua existência, as mesmas qualidades em um determinado momento de tempo. Dessa maneira, os antigos métodos de adivinhação como Astrologia, Taro e I Ching não procuram "prever" um futuro que "já está escrito", mas, ao contrário, preocupam-se em como as verdadeiras qualidades internas e o significado do momento podem ser refletidos e, portanto, decodificados por meio de formas simbólicas como planetas, moedas ou cartas.

Esse é um conceito difícil para a mente ocidental compreender, mas, se tentarmos, ele nos ajudará a esclarecer um problema de má interpretação entre os estudiosos de Taro. O momento não somente possui qualidades particulares, mas tem um passado e um futuro que pertencem a um contexto geral dessas qualidades.
Existem situa­ções e escolhas no passado que levaram até aquele momento e das quais esse momento é a consequência; e existem situações e esco­lhas no futuro que surgem diretamente de nossa resposta para aque­le momento que, por sua vez, são afetadas por nossas escolhas atuais.

Portanto, faz sentido compreender tudo o que podemos a respeito de como nós mesmos chegamos a uma determinada situação, pois esse entendimento afetará, por sua vez, a maneira como corresponderemos à vida e, por conseguinte, ao "momento" seguinte que nos é reserva­do.

Nas situações e escolhas que pertencem a um determinado mo­mento, paira um particular significado arquetípico, pois não há nada que façamos ou experimentemos antes, e é esse significado arquetí­pico que as cartas do Taro podem revelar. ("N.E.: Sugerimos a leitura de I Ching - A Mais Bela Aventura da Humanidade, de Paulo Barroso Júnior e I Ching- O Livro das Mutações, de Richard Lewis, ambos Madras Editora.)

O passado, o presente e o futuro implicados na leitura de uma carta de Taro em particular tendem a envolver um período de aproximadamente seis meses. E, assim, o "momento" que estivermos considerando é um período cie tempo; o passado as escolhas, os motivos e as experiências que levaram ao momento; o presente, quando as cartas são consultadas; e o futuro - que é a consequência natural das forças agindo no presente. As cartas não descrevem ocorrências concretas de uma maneira "fadada", mas sim ilustram influências, oportunidades e motivos ocultos alguns dos quais po­dem ou não se realizar em eventos externos ou pessoas que o indivíduo pode então tentar entender e trabalhar da maneira mais criativa possível.

Como se trata da qualidade do momento, procuran­do penetrar o seu sentido mais profundo, o indivíduo poderá influen­ciar de forma mais consciente o futuro daquele momento, afetando com maior percepção aquele que está se desenrolando.
Nesse sentido, criamos os nossos destinos, ou melhor, o que so­mos molda o destino dos nossos futuros. Para os gregos, o destino não era uma diversidade de eventos aleatórios ou caprichosos que aconteciam para uma pessoa, mas uma rede extensa e infinita de es­colhas, respostas e consequências estendendo-se pelo tempo, de volta para o passado e à frente no futuro, a maioria das quais permanecia inconsciente, a menos que o indivíduo procurasse promover uma percepção mais profunda em sua vida. Como o "destino" que as cartas de Taro descrevem está ampla­mente enraizado no inconsciente, normalmente nós não temos aces­so a ele.

Mas as imagens das cartas de Taro podem ajudar-nos a fazer uma conexão e, portanto, as cartas refletem um conhecimento a priori do inconsciente que possui a chave secreta para o significado do momento e, por conseguinte, conhece o provável efeito futuro daquele momento. Pela abertura das cartas de Taro, podemos receber ajuda na leitura dos complexos padrões e movimentos do inconsciente, e esse novo relacionamento entre o ego consciente e o mundo interior oculto permite que levemos ao momento e, portanto, à nossa situa­ção do momento, uma percepção mais profunda e maiores possibilidades de resposta e de escolha.

Estabelecendo um Relacionamento com as Cartas

Como as imagens das cartas de Taro são muito antigas e tão pro­fundamente ligadas aos mais íntimos padrões do desenvolvimento hu­mano, elas merecem todo o respeito. Elas não são um brinquedo, mas em um certo sentido são imagens sagradas, não porque sejam "sobre­naturais", mas porque, como peças de grande arte e de literatura, re­fletem os nossos mais profundos conflitos, necessidades e aspirações.

O indivíduo que deseja aprender a trabalhar e verificar o potencial criativo das cartas precisa cultivar uma atitude de respeito para com a dimensão arquetípica da vida que representam e que, na vida cotidiana, se converte no respeito ao mundo simbólico do qual as próprias cartas são uma representação.

O leitor inteligente então procura es­tabelecer uma espécie de "relacionamento" com as cartas, estabele­cendo um lugar especial e procurando não fazer com que sejam con­sideradas cartas de entretenimento vulgar nem permitindo que se sujem ou que sejam negligenciadas e descuidadas.

Por esse motivo, muitos leitores profissionais mantêm suas cartas de Taro envolvidas em um lenço especial e em um lugar especial quando não são usadas. Esse lenço é a maneira de ajudar o estudio­so a começar a desenvolver um relacionamento respeitoso com as cartas.

A importância de um ritual para a concentração no uso das cartas afina as nossas mentes e permite que a intuição entre em ação. Tal como em um ritual religioso, o ritual de manter as cartas em um lugar especial e envolvê-las em seu lenço especial pode se trans­formar em um importante foco de concentração, quer ou não acre­ditemos em "vibrações". É o símbolo do lugar único e prestigiado que dedicamos às cartas e a importância que relegamos às suas imagens.

Preparando a Disposição de uma Abertura

O processo de selecionar um pequeno número de cartas de um baralho inteiro de Taro de 78 cartas e dispô-las em um padrão a ser interpretado é chamado de "abertura de um jogo". A ideia básica é que o baralho, como já vimos, contém uma descrição figurativa de uma complexa jornada completa da vida e, ao selecionar um número mínimo de cartas, geralmente dez, o consulente de forma simbó­lica reflete a sua passagem por uma parte específica daquela jorna­da no momento presente. Em outras palavras, a situação imediata, suas origens e o provável resultado que será refletido nessa pequena parte do baralho completo.

Existem vários e diferentes tipos de aberturas, e pessoas diferen­tes desenvolveram seus padrões favoritos durante muitos séculos. O estudioso pode referir-se à relação na bibliografia para uma melhor descrição das diversas aberturas usadas no Tarô. A específica abertura que ilustraremos aqui é uma das mais anti­gas e mais populares, e é conhecida como a Cruz Celta. Essa aber­tura contém seleções dos dois grupos de arcanos, os Maiores e os Menores, para que o indivíduo faça a sua escolha do baralho inteiro. Portanto, a seleção reflete a vida no nível arquetípico mais profundo e no nível mais cotidiano.

Como mencionamos anteriormente, não fazemos uso da técnica das cartas invertidas porque cada carta contém em si mesma a sua dimensão luz e a sua dimensão sombra; e isso pode ser determinado pela posição da carta em sua abertura geral.

O consulente, a pessoa que deseja consultar as cartas, deve ter uma pergunta preparada, mesmo que seja vaga e difícil de formu­lar. O leitor não precisa conhecer a pergunta, mas o consulente sim, porque no nível inconsciente as cartas selecionadas refletirão essa pergunta.

O leitor mistura bem as cartas e então abre o baralho em uma meia-lua sobre a mesa com as faces para baixo.O consulente é convidado a selecionar dez cartas. Por estarem com a face para baixo, ele não pode saber as cartas que escolheu.
O leitor então pega as cartas na ordem selecionada, ainda viradas para baixo, e as coloca em suas posições correias, conforme a indicação a seguir.

A primeira carta selecionada deve ser colocada na posição 1, e assim por diante.Agora o leitor pode desvirar as cartas começando pela posição 1, expondo assim as dez cartas.

A Leitura das Cartas

Foram dados nomes tradicionais às dez posições das cartas da Cruz Celta para ajudar-nos a compreender seus significados. Cada posição descreve uma área específica da vida na qual uma certa influência e situação interior ou exterior estejam ocorrendo. Agora explicaremos as dez posições e o que elas significam.

POSIÇÃO 1 - Às vezes é chamada de Carta de Cobertura e outras vezes de Signifícadora. Usaremos o termo Significadora por­que a carta selecionada para essa posição refletirá a situação inte­rior e exterior na qual o indivíduo se encontra no momento presente.
POSIÇÃO 2 - E chamada de Carta Cruzada e descreve essa situação interior e exterior que gera conflito e obstrução no presente imediato. Trata-se do que está "cruzando" o caminho do consulente e indica a natureza aparente do problema. Entretanto, a Carta Cru­zada não é necessariamente negativa, mas simplesmente representa a situação que está gerando o conflito e revolvendo as coisas. Em certo sentido, ela impede a Significadora de expressar-se total­mente, causando um bloqueio na vida.

POSIÇÃO 3 - É chamada de Carta da Cabeça. Ela é aparente simplesmente porque a sua aparência visual - pairando diretamente sobre a Significadora - nessa posição descreve o ambiente e a situa­ção que pairam sobre o consulente no presente imediato. Tudo o que está na cabeça de alguma coisa é aparente à visão de todos e, por­tanto, a carta que aparece nessa posição reflete o que é externo, na superfície, e imediatamente aparente na vida do consulente.

POSIÇÃO 4 - É chamada de Base da Questão. Ela descreve a situação interior e exterior, o impulso, o instinto ou a aspiração que provoca a aparente situação superficial da Carta da Cabeça. O que está na base é, na realidade, o que está na raiz da psique c muitas vezes essa carta surge como surpresa para o consulente, que pode não estar a par de uma motivação inconsciente que precisa ser leva­da para a consciência. Nem sempre agimos ou sentimos coisas de acordo com o nosso pensamento, e a carta que aparece na Base da Questão muitas vezes poderá contradizer o motivo aparente do nos­so dilema no momento em que consultamos as cartas.

POSIÇÃO 5 - É chamada de Influências do Passado. A carta que aparece nessa posição descreve a situação interior e exterior que agora está acabando de passar pela vida do consulente. No passado, ela foi importante, pois pode ter representado um conjunto de valores que o indivíduo tinha em alta estima; mas agora ela perdeu a sua potência e o consulente precisa ser capaz de soltar tudo o que essa carta representa antes que os novos e futuros desenvolvimen­tos possam ser integrados criativamente na vida.

POSIÇÃO 6 - É chamada de Influências do Futuro. A carta que aparece nessa posição descreve a situação interior e exterior que está por manifestar-se na vida do consulente. Não se trata de um prognóstico duradouro de um resultado final, mas de uma descrição das correntes agindo no presente imediato.

POSIÇÃO 7 - É chamada de Posição Atual e é uma espécie de extensão futura da Posição 1, a Significadora. A carta que aparece nessa posição descreve a atitude ou estado interno de negócios no qual o consulente logo se encontrará. Essa carta, tal como a Significadora, descreve um conjunto de atitudes ou de qualidades, e muitas vezes apresentará o que precisa ser desenvolvido, assim como o que provavelmente virá a acontecer.POSIÇÃO 8 - É chamada de Fatores Ambientais e descreve a imagem daquelas pessoas que nos cercam - amigos e familiares - e que estão envolvidas em nossa situação e conosco mesmos. A carta que aparece nessa posição geralmente implica que tipo de resposta à nossa situação é possível esperar de outras pessoas, assim como o que nós mesmos fizemos inconscientemente para projetar essa es­pécie de imagem para o mundo exterior. Muitas vezes, um indivíduo passando por problemas de um tipo ou de outro não é compreendido pelos amigos e pelos entes queridos como ele esperava que fosse, e a carta na Posição Oito pode frequentemente nos dizer o porquê, pois essa é a visão que o mundo tem de nós e pode contradizer a forma de como nos sentimos tão facilmente quanto refletir honesta­mente a nossa situação.

POSIÇÃO 9 - E chamada de Esperanças e Temores. Tanto as esperanças quanto os temores podem ser descritos por uma carta, pois todas as cartas do Taro são ambivalentes.POSIÇÃO 10 - E chamada de Resultado Final. Aqui, a palavra "final" pode ser mal-interpretada, pois nada é absolutamente final, conforme vimos na jornada do Louco; e a carta que aparece nessa posição não descreve uma situação de permanência duradoura, mas uma situação que é o surgimento natural do que estamos passando no momento. Como já dissemos, esse "resultado final" pode cobrir um período de aproximadamente seis meses.

Podemos agora nos voltar para dois exemplos de abertura de jogo a fim de explorar com maiores detalhes a maneira de como ler as cartas.

Dois Exemplos de Abertura de Jogos

O primeiro exemplo que ilustraremos para a leitura das cartas é o de uma mulher de 28 anos que queria consultar as cartas a respeito de problemas em seu casamento e em seu trabalho. Ela e o marido estavam casados há um bom tempo, mas não conseguiam ter filhos. Eles moravam em um apartamento em Londres e os dois trabalhavam o dia todo.

Essa mulher, que chamaremos de Célia, era editora de moda de uma revista popular feminina, enquanto seu marido tra­balhava como contador. Os dois não estavam satisfeitos com sua vida em um apartamento da cidade e haviam comentado sobre a possibilidade de se mudarem para o interior, em parte por causa da monotonia de seus trabalhos e também pelo fato de que o casamento tinha chegado a um estado de estagnação. Certamente havia necessidade de uma mudança, mas Célia estava confusa sobre o que fa­zer, pois, apesar de o marido falar em se dedicar a uma atividade de paisagismo no interior, ela mesma não tinha uma ideia clara sobre que espécie de trabalho poderia ser-lhe conveniente e possível longe da nervosa metrópole na qual estava acostumada e onde poderia realizar o seu potencial criativo.

Essa situação apresenta a imagem de uma pessoa em uma en­cruzilhada, sem saber qual direção tomar para o seu futuro e cheia de ansiedade a respeito do estado de sua vida pessoal e, no entanto, disposta a assumir um compromisso para com o futuro, se pudesse encontrar um sentido de qual caminho empreender.

Célia selecionou dez cartas que consistiam da seguinte abertura:
A JUSTIÇA aparecendo como Significadora sugere que ela precisa e está começando a parar para pensar clara, fria e racional­mente a respeito de seu problema. Por se tratar de uma carta dos Arcanos Maiores representada pela severa imagem da deusa Atena, a implicação é que desenvolver a capacidade de uma reflexão impessoal é importante não somente para a situação imediata, mas tam­bém é uma qualidade que não foi bem desenvolvida em Célia no passado e que agora aparece como essencialmente necessária para que ela se integre em sua personalidade para o futuro. Consultar as cartas é, de certa forma, o início dessa reflexão impessoal.

O NOVE DE PAUS aparecendo na Carta Cruzada sugere que Célia teve de enfrentar uma série de conflitos e obstáculos em suas esperanças e desejos para o futuro, e agora está exausta e incerta quanto à sua força no enfrentamento de outras crises para alcançar a sua visão de uma vida melhor. Entretanto, essa carta também im­plica que, caso tentasse, ela encontraria disponível uma reserva ne­cessária de forças para atravessar a tempestade. Essa carta retrata o navio de Jasão, o Argo, atravessando o difícil estreito entre Cila e Caribdes, antes de chegar em casa com segurança; e aqui a implica­ção é que Célia tem somente um último esforço a fazer para encon­trar o que está procurando.

O OITO DE COPAS aparecendo como Carta da Cabeça suge­re que um sentido de decepção emocional esteja dificultando a visão de Célia quanto às suas possibilidades. O Oito de Copas retrata Psique abandonando qualquer esperança de reconciliação com Eros e des­cendo desesperada para o Submundo; e aqui a implicação é que Célia possa ter fantasiado e esperado demais de seu casamento, que provou ser impraticável. Além disso, ela ainda sofre de um sentido de decepção e de desespero a respeito do futuro do relacionamento.

O SOL aparecendo na Base da Questão simboliza o ardente de­sejo de Célia pela criativa expressão individual, bem como por um significado cm sua vida. Nesse momento, isso é frustrado, o que pode representar o motivo pelo qual ela esteja insatisfeita e talvez por que, no passado, ela esperasse tanto de seu marido e de seu casamento. O Sol expressa algo importante, promissor e otimista a respeito do caráter de Célia além da crise atual, no sentido de que ela precisa brilhar por direito próprio e ser reconhecida como pessoa criativa.

O DEZ DE OUROS aparecendo nessa posição de Influências Passadas sugere que a preocupação de Célia quanto à segurança material deve ser liberada, caso ela queira realmente se realizar no futuro. Essa carta retrata o artesão Dédalo, rico e realizado, encabe­çando uma feliz dinastia para quem ele pode transferir a sua riqueza. A satisfação financeira e a "respeitabilidade" retratadas nessa ima­gem foram muito importantes para Célia no passado, mas ela precisa aprender a colocar menos valor nessas coisas para poder satisfazer a sua necessidade pela criativa expressão individual.

O REI DE COPAS aparecendo nessa posição de Influências Futuras sugere que logo uma nova direção será aberta, seja por meio de um indivíduo (talvez um professor ou alguém interessado em as­suntos como o aconselhamento) ou por meio de uma terapia. O pró­prio espírito masculino de Célia parece tender muito mais para um inundo introvertido e interiorizado de interesse. A presença de uma Carta da Corte nesse lugar sugere que uma pessoa poderá ser o catalisador para esses novos interesses em desenvolvimento; mas, se essa pessoa entrar de fato na vida de Célia, será porque ela mes­ma está indo ao encontro de um ambiente de interesse totalmente novo.

O PAJEM DE ESPADAS aparecendo nessa Posição Atual sugere que Célia pode encontrar-se em um estado mental confuso e irritadiço. Todos os Pajens dos Arcanos Menores implicam o início de alguma nova qualidade ou direção e aqui, reflelida pelo naipe de Espadas, está a qualidade do intelecto em desenvolvimento; e Célia está começando a questionar pontos de vista que anteriormente man­tinha ocultos e a ficar intelectualmente irrequieta c precisando deuma nova linha de estudo ou de desenvolvimento. Por conseguinte, inicialmente ela pode ser agressiva e sujeita a comentários alheios -aqueles amigos e entes queridos que não conseguem entender por que ela está mudando c ficam resSentido com o seu progresso que eles mesmos não podem ter. Ela pode ficar na defensiva e provocar brigas, porque ainda não desenvolveu a percepção e a confiança para perseguir sinceramente os novos valores que estão surgindo.

O IMPERADOR aparecendo na posição de Fatores Ambien­tais sugere que, para as outras pessoas, Célia parece ter sucesso, poder e estar em controle de sua situação e, portanto, a sua insatisfa­ção pode não encontrar eco em seu ambiente. Exteriormente, ela parece ter tudo de que precisa - um bom casamento, um lindo apar­tamento, um bom emprego, posição, prestígio e poder. A sua frustra­ção e falta de realização não são percebidas pelo mundo exterior que, ao contrário, interpreta o lado positivo da carta do Arcano Maior que envolve poder e uma boa posição na sociedade. E possível que a própria Célia tentasse inconscientemente projetar essa imagem e, como Zeus, o Imperador é a imagem do pai arquetípico, talvez fosse para agradar ao seu pai que ela criara essa persona para os outros.

O MUNDO aparecendo na posição de Esperanças e Temores sugere que Célia esteja sendo levada por uma necessidade arquetípi­ca de integração e queira tornar-se uma pessoa completa. Ela não está à procura de compensações materiais, mas de um sentido de estar completa - uma pessoa que usa tudo de si mesma em resposta à vida. Portanto, suas ambições e expectativas são muito altas e surgem de uma raiz profunda, não necessariamente identificável em termos materiais. Ao mesmo tempo, o medo de tornar-se completa refiete a ansiedade de que esse estado não lhe permitirá espaço para o seu casamento; uma mulher que possa expressar tanto o lado mas­culino quanto o feminino muitas vezes ameaça o homem de sua vida. Assim, Célia quer tudo e, ao mesmo tempo, está apavorada.

A TEMPERANÇA na posição do Resultado Final sugere que a direção que Célia está empreendendo é um bom prenúncio para a possibilidade de um relacionamento equilibrado no qual há algum comprometimento e alguma troca genuína de sentimento. Essa carta dos Arcanos Maiores que retrata íris, a deusa do arco-íris, implica que uma importante mudança é provocada na psique de Célia, pela qual a sua capacidade de funcionar em um relacionamento se desen­volverá em uma expressão mais compassiva e humana, livre de mui­tas das rígidas expectativas que são características do passado e a fonte de muitos de seus problemas com o marido. Por conseguinte, essa carta promissora e alentadora resume uma mudança de direção na vida de Célia.

O segundo exemplo que a seguir apresentaremos ilustra um homem de 45 anos de idade, médico de profissão, que recentemente se separara de sua esposa e filhos para emigrar da Austrália para a Inglaterra.

Esse homem, que chamaremos de Alan, queria seguir um interesse em curas alternativas com a ideia de ser treinado em acupuntura ou homeopatia e estabelecer um negócio em Londres, utilizando seus conhecimentos tanto ortodoxos quanto heterodoxos. Ele estava muito confuso e ainda em grande conflito pela separação de sua família, apesar de considerar, em seu íntimo, que havia tomado a decisão correta. Entretanto, ele estava sujeito a fortes depressões e sentimentos de tristeza e de solidão, apesar de a separação ter sido amigável e outra mulher ter entrado em sua vida. Ele queria saber se profissionalmente estava no caminho certo, bem como se ele conse­guiria sair desse perturbador estado emocional, dando uma oportuni­dade ao seu novo relacionamento.

Alan selecionou dez cartas que consistiam na seguinte abertura:
O AS DE OUROS sugere que Alan dispõe de muita energia, tanto no mundo interior quanto no mundo exterior, para um novo esforço em construir algo sólido em sua vida. Como essa carta impli­ca recursos e possivelmente dinheiro disponível ao indivíduo para um novo projeto, ela é positiva quanto ao desejo de Alan em seguir a medicina alternativa, pois parece possível que encontrará apoio material e pessoal. O Ás de Ouros, representado pelo poderoso deus Poseidon, é o prenúncio promissor e afirmativo da nova direção que Alan escolheu assumir em sua vida.

O SETE DE PAUS sugere que o problema central de Alan é o conflito que ele inevitavelmente enfrentará com oponentes em sua profissão. Essa é a carta da "rígida concorrência", representada por Jasão lutando com o rei Aetes pela posse do Velocino de Ouro. Isso implica que Alan terá de estar preparado para deparar-se com os seus colegas, seja porque outros queiram o lugar que ele almeja, seja porque ele poderia contrariar aqueles de sua profissão que são mais conservadores e fechados para novos métodos de cura. Esse confli­to também pode rcfletir uma luta interior em Alan - entre a sua nova visão intuitiva, simbolizada pelo fogoso herói Jasão, e a "velha or­dem" conservadora, simbolizada pelo rei Aetes, que por primeiro possuiu o Velocino. Portanto, Alan precisará estar preparado para uma oposição dentro de si mesmo, assim como exteriormente, pois esse é o problema que "cruza" o poderoso impulso para iniciar uma nova vida.

A MORTE aparecendo na posição da Carta da Cabeça reflete o estado de depressão e de infelicidade no qual Alan se encontra atual-mente. Essa é uma carta dos Arcanos Maiores sugerindo que Alan está experimentando uma dimensão arquetípica da vida a tristeza e o luto que sobrevêm sempre que um capítulo da vida é encerrado e o indivíduo deve deixar para trás o passado e seguir adiante nu e incerto para o seu futuro. A presença dessa carta também insinua que Alan pode não ter passado tempo suficiente lamentando a sua perda. A separação de uma família não é um assunto simples e, apesar de ele pensar ter tomado a decisão certa, o passado precisa ser respeitado e lamentado. A RAINHA DE OUROS implica a presença de uma mulher na vida de Alan que, de alguma forma, pode ser um catalisador para a nova direção que ele quer seguir. Esse novo relacionamento envolvia uma mulher forte e financeiramente independente, divorciada e disposta a oferecer-lhe o apoio emocional e o incentivo que ele precisava nessa fase vulnerável de sua vida. Ela também poderia representar o desenvolvimento de maior sensualidade dentro do próprio Alan.

O QUATRO DE ESPADAS sugere que Alan acabava de pas­sar por um período de retiro e de reflexão, angariando força para enfrentar os desafios que se pronunciam à sua frente. Mas esse período está terminando e logo ele poderá seguir adiante na vida. O REI DE COPAS sugere a mesma interpretação do caso de Célia - que Alan está sendo atraído pelo mundo interno do mundo dos sentimentos e da psique, e que o seu interesse pela cura alternati­va pode muito bem incluir uma investigação mais profunda na Psicolo­gia, além dos métodos de cura que ele pretende seguir. Um homem pode entrar na vida de Alan como um catalisador para essa linha de interesse em desenvolvimento - talvez um amigo que esteja envolvi­do nesses assuntos ou um professor, ou ainda um terapeuta. Mas essa também é a imagem do que o próprio Alan está se tornando, pois ele se aproxima mais do reino interior, tendo deixado para trás não somente o seu passado pessoal, mas também a sua dedicação pela cura do corpo sem se preocupar com a alma.

O SOL sugere que Alan provavelmente experimentará um mo­mento de grande esperança e otimismo, porque começa a se ligar a um arquetípico princípio de significado. Essa carta dos Arcanos Maiores é representada por Apolo que, entre outros atributos, era odeus da cura; e isso indica que, ao optar por uma exploração mais profunda do significado da cura, Alan estabelecerá uma relação com a profunda capacidade de recuperação e com a criatividade do espírito humano que provará ser essencial não somente para o seu futuro trabalho, mas também para a sua própria cura.

O ENFORCADO sugere que, aos olhos do mundo, Alan fez um grande sacrifício em troca de um futuro desconhecido e incerto. Essa carta dos Arcanos Maiores representada por Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para entregá-io aos homens, significa a desistên­cia de algo de valor na esperança de que algo melhor, mais significativo e mais compensador possa substituí-lo. Mas o futuro é cheio de incertezas e é a própria incerteza que aqueles que cercam Alan per­cebem. Isso também combina com o que Alan sente, embora a posi­ção do Sol sugira que ele também tem uma profunda convicção do sentido de seu caminho - que aqueles ao seu redor não podem en­xergar ou compreender imediatamente.

O DOIS DE OUROS sugere que Alan tem por objetivo o de­senvolvimento de novas habilidades. Ele pode passar por um período de instabilidade financeira, forçando-o a empenhar tempo, energia e recursos para fazer com que as coisas funcionem; e ele parece estar ansioso a respeito, o que é refletido na instabilidade da carta na posi­ção de Temores, assim como de Esperanças. Mas essa carta dos Arcanos Menores não é uma carta de perda. Ela retrata Dédalo em sua oficina no início de sua carreira, desenvolvendo suas habilidades e inventando novas ferramentas. Se Alan estiver disposto a subme-ter-se a um período de movimento e de mudança em seu status e em sua segurança material, provavelmente ele descobrirá que não sofrerá inutilmente, mas surgirá com um conjunto de habilidades que o ajudarão no futuro.

O CINCO DE PAUS na posição do Resultado Final não é uma carta conclusiva, mas reflete a grande luta de Jasão com o dragão para poder conseguir o Velocino de Ouro. Aqui o significado parece indicar que Alan pode encontrar-se em conflito com a coletividade, o que, no sentido de que esta represente a profissão médica, muito provavelmente criará dificuldades para ele - como tende a fazer com a cura alternativa em geral.

Ele terá um sério problema em suas mãos e a questão que ele deve se colocar é: "Estou eu à altura desse problema?" Se a resposta for "Sim", então incentivaríamos Alan a continuar a perseguir o interesse escolhido, totalmente consciente de que o seu caminho no mundo exterior não será tão fácil por algum tempo.


Conclusão
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Neste capítulo, mostramos como as cartas de Taro refletem não somente a orientação da vida de um indivíduo no momento em que as cartas são consultadas, mas também as profundas motivações incons­cientes do passado que ajudaram a criar a presente situação.
Embora sejamos todos indivíduos com personalidade e destino únicos, as expe­riências que a vida nos oferece não são infinitamente variadas em sua essência, mas somente na forma, pois elas seguem certos padrões antigos arraigados em todos nós e que fazem parte do processo da vida como seres humanos. Esses padrões foram expressos desde tem­pos imemoriáveis na linguagem dos símbolos na rica e maravilhosa tapeçaria dos mitos de muitas nações e culturas; nas imagens religio­sas que nos inspiram; e nos igualmente ricos e inspiradores desenhos dos grandes sistemas simbólicos como o Taro.

Longe de parecermos somente imitar e repetir os outros, um conhecimento e uma aprecia­ção da jornada do Louco oferecem um sentido de dignidade e de signi­ficado aos mais difíceis desafios da vida, pois aprendemos que há beleza, ordem e propósito até nos mais obscuros, mais sórdidos e mais banais acontecimentos de nossas vidas.

As imagens mitológicas nos colocam em contato com o infinito mundo interior do inconsciente, que é a maneira de a Psicologia moderna descrever o que certa vez durante períodos menos racionais e menos científicos, era compreen­dido como o relacionamento com o divino.

Portanto, as imagens e o sentido do Taro, que são melhores ex­pressos por meio de mitos antigos que lhe deram origem, não são "sobrenaturais" nem "ocultos", mas profundamente humanos e naturais, e disponíveis a todos nós, se nos empenharmos a olhar e a aprender.

Não há melhor forma de encerrar a nossa descrição da jornada do Louco do que esses versos do grande poeta T. S. Elliot: “’E o objetivo dessa nossa jornada será alcançar o ponto de onde partimos e conhecê-lo como um novo início.